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BR-319: uma viagem pela história da rodovia que cruza a Amazônia

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08/02/2021

Fonte: EM TEMPO

Em 1976, Manaus presenciou uma festa para comemorar a abertura da BR-319, a rodovia que prometia integrar o Amazonas ao restante do Brasil. O evento ocorreu na histórica avenida Eduardo Ribeiro, Centro de Manaus. Com faixas suspensas e um desfile de carros que buzinavam sem parar, as pessoas que assistiam ao evento tinham uma só certeza: a partir daquele momento, o Amazonas estava integrado ao Brasil.

Talvez fosse impossível encontrar na multidão alguém que pudesse prever o que aconteceria no futuro. O abandono da rodovia por falta de manutenção, os desgastes do inverno amazônico e as brigas políticas e ambientais para a revitalização da estrada.

Em 1976, Manaus presenciou uma festa para comemorar a abertura da BR-319, a rodovia que prometia integrar o Amazonas ao restante do Brasil. O evento ocorreu na histórica avenida Eduardo Ribeiro, Centro de Manaus. Com faixas suspensas e um desfile de carros que buzinavam sem parar, as pessoas que assistiam ao evento tinham uma só certeza: a partir daquele momento, o Amazonas estava integrado ao Brasil.

Talvez fosse impossível encontrar na multidão alguém que pudesse prever o que aconteceria no futuro. O abandono da rodovia por falta de manutenção, os desgastes do inverno amazônico e as brigas políticas e ambientais para a revitalização da estrada.

Solenidade de integração do Amazonas através da BR-319. Ano: 1976

Solenidade de integração do Amazonas através da BR-319. Ano: 1976 | Foto: Corrêa Lima/Acervo Jorge Bastos de Oliveira

O nascimento da BR-319

Nos anos 70, se popularizou ao redor do mundo o rock alternativo, as drogas, festivais e ditaduras. No Brasil, com os militares no poder, o cenário não era diferente. Neste contexto é que os presidentes Castelo Branco (1964-1967) e Emílio Médici (1969-1974) passaram a olhar para a Amazônia com um medo - quase delírio - de perder aquelas terras para outros países.

A história e os jornais registram o que ficou conhecido como Milagre Econômico (1969-1973), um momento em que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil chegou a crescer 11,1% em um ano. Com a vontade de 'aproximar' a Amazônia do Brasil e o dinheiro em caixa, o governo federal passou a inaugurar uma série de obras no Norte do país, dentre elas a BR-319.

Abertura de trecho da BR-319

Abertura de trecho da BR-319 | Foto: Corrêa Lima/Acervo Jorge Bastos de Oliveira

Dentre as construções entregues no Pará estavam a rodovia Transamazônica (Belém-Paraíba), a BR-10 (Belém-Brasília) e as usinas de Carajás e Trombetas. Para o Amazonas, a Zona Franca de Manaus; BR-174; hidrelétrica de Balbina e a mais comentada entre todas, BR-319.

As informações a seguir fazem parte do artigo 'BR-319: a rodovia Manaus-Porto Velho e o impacto potencial de conectar o arco de desmatamento à Amazônia central', dos autores Philip M. Fearnside, doutor em Ciências Biológicas, e Paulo Graça, doutor em Sensoriamento.

"A rodovia BR-319 possui uma extensão de 877 km de norte ao sul de Manaus a Porto Velho e foi construída em 1972 (680 km) e 1973 (197 km). A política governamental requereu na época que todas as rodovias fossem primeiramente construídas como estradas sem pavimento, e apenas seriam pavimentadas depois de decorrido um período de anos e se justificado pelo tráfego na estrada. No caso da BR-319, porém, foi aberta uma exceção especial, e a rodovia foi pavimentada imediatamente na hora da construção. A pressa era tanta que a estrada foi construída na estação chuvosa com a extraordinária prática de proteger o asfalto fresco com lonas de plástico", diz um trecho da pesquisa.

Trecho da BR-319 com aterramento

Trecho da BR-319 com aterramento | Foto: Corrêa Lima/Acervo Jorge Bastos de Oliveira

O início do abandono

Inúmeros registros dão conta da dificuldade para manter a BR-319 nos anos seguintes a sua inauguração. Ainda no artigo citado anteriormente, os autores colocam como principais motivos para o abandono da estrada o custo muito alto de manter uma rodovia em uma região onde a chuva média anual chega até 2.200 mm.

Outros pesquisadores se debruçam ainda sobre questões mais políticas e econômicas para explicar o que aconteceu com a BR-319. O geógrafo Thiago Oliveira Neto cita ao menos cinco fatores que contribuíram para o cenário atual da rodovia.

Sequência de imagens com a situação da BR-319 anos depois sua inauguração

Sequência de imagens com a situação da BR-319 anos depois sua inauguração | Foto: acervo Rede Globo

"Excesso de peso dos veículos, crise econômica no final da década de 1970, elevados índices pluviométricos [chuvas]; aterros da rodovia com matéria orgânica, ou seja, raízes, galhos e tronco de árvores; retirada de trechos do pavimento". A informação consta em seu artigo intitulado 'BR-319: Os quarenta anos de uma rodovia na Amazônia', coassinado por Ricardo José Batista Figueiredo.

As tentativas de recuperação

De volta ao artigo dos autores Philip M. Fearnside, doutor em Ciências Biológicas e Paulo Graça, doutor em Sensoriamento, é possível saber que não foram poucas as tentativas de revitalizar a rodovia nos anos seguintes.

A primeira delas ocorreu no programa Brasil em Ação, de 1996 a 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso. Quando parecia que a obra sairia, ela foi retirada do programa por José Paulo Silveira, coordenador do projeto, por causa da baixa justificativa financeira em relação a outras sugestões do programa.

Caminhões que levavam asfalto para a BR-319 ainda durante a construção. Ano: entre 1971 e 1972

Caminhões que levavam asfalto para a BR-319 ainda durante a construção. Ano: entre 1971 e 1972 | Foto: Corrêa Lima/Acervo Jorge Bastos de Oliveira

Em 2001, foram repavimentados 100 km do trecho inicial, que liga Manaus ao município de Careiro Castanho. No mesmo, 58 km do entroncamento da BR-319 com a rodovia Transamazônica também receberam o novo asfaltamento.

Ainda na pesquisa, os autores citam o programa Avança Brasil (2000-2003), também no governo de FHC. Neste projeto, foram pavimentados apenas 158 km. Anos depois, com o presidente Lula, a revitalização da BR-319 apareceu no Plano Plurianual (2004-2007), mas apenas com a previsão para depois de 2007. Desde então, a rodovia deixou de receber grande atenção por parte do governo federal.

Dias atuais

A BR-319 possui 887 quilômetros de extensão. Por estimativa, os trechos, inicial de cerca de 200 km, e o final, de aproximadamente 164 km, estão asfaltados. O chamado Lote C (52 km), e o Trecho do Meio (405 km) não estão pavimentados.

Trecho em obras da BR-319. Ano: 2018

Trecho em obras da BR-319. Ano: 2018 | Foto: Arquivo/Em Tempo

A rodovia está com a promessa de ganhar mais 53 quilômetros de asfaltamento em breve. Em dezembro último, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) assinou contrato para asfaltar o trecho C (Charlie) da BR-319. A obra custará R$ 165,7 milhões e tem prazo de 1.080 dias para ser finalizada. O responsável pelo serviço é o consórcio de empresas Tecon/Ardo/RC.

Apesar disso, o 'trecho do meio' deve aguardar mais um tempo para ser finalizado, caso seja. Isso porque os cerca de 400 quilômetros que o formam são os principais apontados como danosos para o meio ambiente, por isso, necessitam de aprovação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Problemas na manutenção

Para além de toda a história narrada acima, alguns empecilhos para a BR-319 sempre existiriam. Um deles é o alto custo de manutenção. Para Augusto Rocha, doutor em Engenharia de Transportes e professor universitário, há uma máxima a ser aprendida com o caso.

"Em poucas palavras: toda obra requer manutenção. Muito já foi falado sobre esta rodovia e é difícil acrescentar algo. É um direito de ir e vir; uma possibilidade para o turismo; nova rota para escoar a produção do Polo Industrial de Manaus; alternativa de acesso ao restante do país; inclusão de Manaus e Boa Vista na malha rodoviária nacional etc. Não faltam razões para vermos a rodovia recuperada, sob o olhar de quem mora ou trabalha em Manaus ou no entorno da rodovia", comenta o especialista.

Rocha é também diretor Adjunto da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas

Rocha é também diretor Adjunto da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas | Foto: Divulgação

Para Rocha, se um dos principais problemas para a atual situação da estrada é a falta de manutenção, por outro, há também o risco de danos ambientais. Em sua análise, ele adota um tom moderado, o qual diz ser em razão da condição de professor.

"Os detratores falam dos riscos ambientais. Os dois lados possuem razão. Os riscos para o meio ambiente existem e precisam ser considerados. Todavia, isso não pode ser um impeditivo para a reconstrução da estrada. Rodovias significam alternativas e possibilidades de atividades econômicas novas. Contudo, com a aproximação da realidade da rodovia, teremos que aumentar a atenção no sentido de realmente começarmos a proteger o Amazonas e sua exuberante floresta", afirma o doutor em Engenharia de Transportes.

O professor acende um alerta para os que, em simples palavras, negam os riscos ambientais que podem ocorrer, caso não sejam levados em conta.

"Nos últimos tempos, quando se fala em um crescente desmatamento na Amazônia, muitos de nós têm optado pela negação pura e simples. Este caminho não é o melhor para aqueles que apreciam e gostam da região. Não podemos negar os riscos associados à rodovia, nem por isso deveremos deixar de fazê-la. Negar os riscos é um erro tão grande quanto não recuperar a rodovia", afirma o especialista.

Qualidade das estradas

A BR-319 ficou conhecida por suas más condições de trafegabilidade, com o passar dos anos. Mas em um país continental como o Brasil, ela não é a única. Augusto Rocha se utiliza de dados da Confederação Nacional dos Transportes (2019) para apresentar um cenário geral das condições das rodovias brasileiras.

"As rodovias brasileiras apresentam apenas 24,1% (26.203 quilômetros) de suas superfícies em um perfeito estado de conservação. Destaca-se, ainda, uma extensão de 961 km (0,9%) da superfície do pavimento totalmente destruída. Essa situação não é muito diferente do que ocorre em outros países latinos, mas está muito distante da realidade de nações desenvolvidas", afirma o doutor em Engenharia de Transportes.

A sigla nacional de transportes aponta ainda que 59% da malha rodoviária pavimentada apresenta algum problema e está em condição regular, ruim ou péssima.

Há quem diga ainda que as grandes proporções do Brasil não são as mais adequadas para a utilização de transporte terrestre. Para o professor, essa afirmação se baseia nas ideias erradas.

"Justamente pelo tamanho e diversidade econômica do país, o transporte rodoviário é o mais adequado. Por isso é o que mais temos. Se outros fossem mais adequados, teríamos os outros. A economia busca o equilíbrio", afirma o especialista.

Quanto a utilização ou não das rodovias, Rocha considera um debate vencido. A questão, segundo ele, é como minimizar os custos e impactos deste sistema de transporte.

"Tudo dependerá do tipo de atividade econômica e as localidades que gostaria de incentivar. Há um aspecto fundamental: é preciso equilíbrio de custo e apenas o rodo nos traz este equilíbrio entre oferta e demanda. Os demais sempre apresentam desequilíbrio em função da grande concentração da economia no Sudeste e baixa densidade populacional no país", comenta ele.

Edição: Rebeca Mota

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