24/12/2019
Fonte: Estadão
Opinião
Rubens Barbosa *, O Estado de S.Paulo
O tema do meio ambiente entrou definitivamente na agenda global. E mais cedo ou mais tarde voltará a
ser uma prioridade para o governo brasileiro, por realismo político e por razões pragmáticas.
Diante das atitudes do atual governo, são crescentes as ameaças de prejuízo para o setor do agronegócio
pela possibilidade de boicote de consumidores e pela crescente influência da política ambiental sobre as
negociações comerciais. A atuação na defesa dos legítimos interesses do setor está levando as
associações das diferentes áreas e a frente parlamentar da agropecuária a defender mais atenção aos
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil nos acordos assinados desde 1992 e, sobretudo,
uma atenuação da retórica governamental e uma correção de rumo de algumas políticas anunciadas
pelo governo.
As percepções críticas no exterior têm como foco a Amazônia. Recentemente, as queimadas e o
desmatamento foram alvo de manifestações no mundo todo. Informações distorcidas e meias verdades
se misturaram a fatos, ampliando as consequências negativas para nossos interesses comerciais e
políticos. As diferenças quanto à gestão do Fundo Amazônico puseram em risco a cooperação
internacional com Alemanha e Noruega.
Não estão em questão a soberania e a capacidade do governo de determinar as políticas para a região.
As recentes manifestações no mundo inteiro, sobretudo de jovens, para sensibilizar os governos a tomar
medidas que evitem as grandes alterações no clima com o aumento da temperatura no planeta, incluem
a preocupação com a preservação da Floresta Amazônica.
No Brasil, nos últimos 50 anos, houve uma política declarada dos governos para integrar a Amazônia e
gerar emprego para a população que habita a região. Uma das mais relevantes foi a criação da Zona
Franca de Manaus (ZFM), no final dos anos 60. Com subsídios anuais do governo federal que sobem
atualmente a cerca de R$ 25 bilhões, a ZFM nunca se voltou para o maior potencial da Amazônia: a
floresta e a biodiversidade.
Sujeita a muitos questionamentos quanto a seus resultados em relação à preservação da floresta, ao
custo/benefício das isenções e incentivos fiscais, estão surgindo algumas ideias que merecem ser
examinadas. Todas vão na linha da defesa do interesse brasileiro ao defender a biodiversidade da
região.
O Instituto Escolhas, sob a coordenação de Sergio Leitão (www.escolhas.org), apresentou proposta de
uma nova economia para o Amazonas: a Zona Franca de Manaus e a bioeconomia. A proposta sugere
um novo modelo de desenvolvimento sustentável com estímulos aos investimentos, diversificação das
atividades econômicas e dinamização do parque industrial com o objetivo de integrar a ZFM com a
vocação natural da região à inovação tecnológica e ao uso da biodiversidade amazônica - a bioeconomia.
Para a preservação da floresta e a interiorização do desenvolvimento e do consumo, foram definidas
algumas diretrizes: desenvolvimento científico e tecnológico, com foco em inovação; uso do potencial
da biodiversidade de modo sustentável; descentralização econômica e geração de ganhos sociais e
ambientais; dinamização do polo industrial de Manaus e de seu modelo atual.
Com investimentos públicos e privados de R$ 7,15 bilhões ao longo de dez anos - oriundos de
concessões, parcerias público-privadas e outras -, a geração de empregos diretos e indiretos no
Amazonas poderia chegar a 218 mil vagas. Só durante as obras de infraestrutura seriam gerados 12 mil
empregos.
Não podem mais ser adiadas a discussão sobre uma mudança de foco nas atuais políticas públicas da
ZFM e em todo o Amazonas e a definição de uma política de estímulos aos investimentos na região com
o objetivo de alavancar o desenvolvimento tecnológico, produtivo, industrial e social com foco em
pesquisa e desenvolvimento tripartite - governo, empresas e academia.
A geração de inovação partiria do uso de matérias-primas existentes nas diversas regiões do Estado,
com ênfase nos insumos de biodiversidade. Para suscitar exportações e internacionalizar os negócios, as
empresas deveriam estar capacitadas a ser competitivas para garantir a integração às cadeias globais
produtivas de valor
A análise desses elementos resultou na identificação de quatro eixos de oportunidades: bioeconomia,
polo de economia da transformação digital, ecoturismo e piscicultura.
Na bioeconomia, o estudo sugere a dinamização do Centro de Biotecnologia da Amazônia para se
transformar num foco de excelência da floresta. Manaus poderia ser o primeiro hub de pesquisa em
bioeconomia, integrado com os principais centros de pesquisa do mundo, com conhecimento específico
sobre os ecossistemas de florestas tropicais. Poderiam ser desenvolvidas pesquisas para emprego de
madeira tropical em escala industrial nos sistemas estruturais da construção civil, para emprego dos
produtos da floresta nas indústrias da moda e têxteis, das fibras amazônicas na indústria
automobilística e de plásticos verdes, dos produtos da biodiversidade na indústria de cosméticos, das
plantas e insetos para food tech.
O polo de economia da transformação digital seria viabilizado pela criação de governança tripartite para
estruturar ecossistemas de inovação em tecnologia, informação e comunicação.
O ecoturismo seria desenvolvido pela identificação de nichos de interesse para realização de ecoturismo
científico.
Na piscicultura, sugere-se a dinamização do Centro de Biotecnologia da Amazônia com linhas de
pesquisa sobre os peixes para seu emprego em escala industrial em food service e food premium, além
do couro do peixe na indústria da moda.
O Ministério da Economia está estudando um plano para o desenvolvimento econômico da região com
o objetivo de discutir o regime de incentivos fiscais da União, inclusive no contexto da reforma
tributária. A proposta de associar a ZFM com a biodiversidade da Floresta Amazônica poderia
inicialmente complementar as atividades industriais hoje existentes.
* PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR
(IRICE)