01/08/2018
Notícia publicada pela Agência Brasil
Seja quem for o próximo
presidente do Brasil, uma coisa parece
certa a esta altura: irá conviver com um aumento constante da dívida pública.
Conforme projeção do Tesouro
Nacional para investidores, a proporção
do endividamento passará dos atuais
75,7% do Produto Interno Bruto (PIB)
para 82% em 2022, último ano do
mandato.
Mesmo que o próximo mandatário
venha a ser reeleito, só verá a dívida cair
em 2025 – terceiro ano de um
hipotético segundo mandato. A visão do
Tesouro é compartilhada por
economistas de matizes diferentes,
dentro e fora do governo.
A Agência Brasil ouviu o mesmo
diagnóstico na academia (PUC-RJ,
FGV-IBRE, Unicamp e UFMG) e em
outras instituições públicas (Ipea e
Senado). Especialistas acrescentam que
a alta da dívida acompanhará o próximo
presidente mesmo com ajuste fiscal.
“Nós temos no momento um quadro em
que a dívida pública se encontra em
elevação, e tende a se manter nessa
trajetória mesmo diante de um esforço
fiscal que o governo venha a fazer no
sentido de reduzir despesas e aumentar
receitas”, alerta o diretor-adjunto de
Estudos e Políticas Macroeconômicas
do Ipea, Marco Cavalcanti.
“Não existe mágica a ser feita aqui.
Temos uma dívida alta. Essa dívida gera
uma necessidade de pagamento de
juros. Além disso, há o déficit
primário que não consegue reduzir a
zero ou tornar superavitário em pouco
tempo”, acrescenta o pesquisador do
Ipea.
O déficit primário é o resultado negativo
das contas do governo desconsiderando
o pagamento dos juros da dívida
pública.
Cenários
O Ministério do Planejamento
Desenvolvimento e Gestão desenhou
dois cenários fiscais. Em ambos, a
diferença entre as receitas e despesas do
setor público seguem negativas nos
próximos anos. Enquanto as contas
públicas estiverem vermelhas, a dívida
federal seguirá pressionada.
No primeiro cenário, são adotadas
“algumas reformas estruturantes que
viabilizam o equilíbrio fiscal de longo
prazo”. Nessas condições, as contas
públicas ficam negativas até 2022. No
segundo cenário, além das reformas
estruturantes, estão em vigor “reformas
microeconômicas que elevam o
potencial de crescimento” e assim o
resultado primário torna-se positivo um
ano antes (2021).
O caminho poderá ser mais longo e
tortuoso sem crescimento econômico.
“Indicador de atividade econômica mais
baixo afeta a trajetória da dívida”,
resume Felipe Salto, diretor-executivo
da Instituição Fiscal Independente, do
Senado Federal.
O retrospecto recente dos dados do
Tesouro e do IBGE evidenciam que a
dívida pública começou a subir quando
a economia perdeu força, a partir de
2014.
“Só é possível pensar na estabilização da
dívida pública brasileira com a
retomada do crescimento. [Também]
não há possibilidade de estabilizar o
déficit público com a queda do PIB”,
aponta Pedro Rossi, professor do
Instituto de Economia da Unicamp.
Vilma Pinto, pesquisadora da área de
Economia Aplicada da FGV-IBRE,
mostra como o quadro de piora da economia repercute na deterioração
fiscal.
Ela analisa a última década da
economia e aponta que entre 2008 (ano
da crise financeira internacional) e
2018, “houve queda de 2,5 pontos
percentuais das receitas primárias e
aumento de 3,2 pontos percentuais nas
despesas primárias. O saldo líquido é
uma piora de 5,7 pontos percentuais do
PIB”.
Repercussão política
Para Carlos Ranulfo, professor titular
do Departamento de Ciência Política da
UFMG, a situação fiscal será um grande
desafio para o próximo presidente da
República. Ao buscar a retomada do
crescimento, o novo governo não
poderá criar mais déficit.
Em sua opinião, além do PIB baixo, o eleito em outubro de 2018 sofrerá com assédio dispendioso de um futuro Congresso “muito pragmático e muito clientelista”.
O Poder Legislativo é, tradicionalmente, um foco de pressão por gastos públicos, já que tenta atender as diversas demandas, muitas delas corporativistas, de grupos de eleitores.
O cientista político avalia que, durante a
campanha, a situação da dívida poderá
favorecer candidatos que tenham uma
performance mais fiscalista e falas que sensibilizem o mercado financeiro - que
quer estabilização das contas públicas.
Esse perfil, no entanto, não costuma ser
popular entre os eleitores. “Ninguém faz
campanha vendendo cautela, mas
vendendo esperança”, comenta.
Entre discursos prudentes e falas
espontâneas que despertem
expectativas de melhora imediata da
situação fiscal, o economista José
Márcio Camargo (PUC-RJ) teme
anúncios de calotes da dívida pública e
promessas não detalhadas de limitação
de gastos com a dívida.
“Não vejo problema em limitar a dívida,
desde que diga o que vai fazer com o
que sobrar”, assinala. “Suponha que o
tal limite estabeleça que o governo só
pode pagar um déficit do PIB de até 4%.
Suponha que o déficit real, porém, tenha sido de 8%. Como vai ser coberta essa diferença? Vai ser coberta com emissão de moeda? Isso significa inflação. Vai ser coberta com a redução da despesa? Ou vai ser coberto via aumento de impostos?”, indaga.