19/10/2020
Osíris M. Araújo da Silva
Referindo-se à série de artigos que venho publicando neste espaço sobre o trinômio “produzir, preservar, desenvolver”, recebi do pesquisador do Inpa, Charles Clement, intrigante e desafiador e-mail no qual expõe o quadro ambiental, sumariamente, nos seguintes termos: “Mas, de repente, me ocorreu uma pergunta: quem investe mais no desenvolvimento (sensu lato) na Amazônia? Os governos? As empresas? Ou o crime organizado?”. Definitivamente, não creio, hoje, haver uma resposta conclusiva a respeito. Afinal, do ponto de vista do desenvolvimento, acabar com o fogo, penso eu, é necessário mas não suficiente. A Amazônia é, segundo múltiplos ângulos, uma região megadiversa, que encerra imensa base de recursos naturais. Em tais circunstâncias, sua utilização e manejo necessariamente deve se processar de forma sustentável, economicamente viável e socialmente justa.
Clement é contundente ao afirmar: - “Desde pelo menos o fim dos governos militares, a extração de madeira na Amazônia é ilegal. Como vemos nas reportagens na televisão sobre as raras operações policiais para reprimir estas atividades, o equipamento é cada vez melhor e mais caro. Retroagindo à época de Serra Pelada, o garimpo ilegal expande sem parar. Reportagens exibem o uso de equipamentos cada vez mais eficientes tecnologicamente e mais caros. Não são mais favelados procurando ouro com pás, mas empresários ilegais usando equipamentos pesados!”. Resultado da abertura da rodovia Belém-Brasília, em fevereiro de 1959, “a grilagem de terras se expande ano após ano, ao passo que a TV exibe o uso de equipamentos cada vez mais sofisticados e mais caros”.
Os alvos preferidos dos madeireiros, garimpeiros e grileiros, salienta Charles Clement, “são as Unidades de Conservação, as Terras Indígenas e outras terras devolutas, todas de propriedade da União. Entra governo, sai governo e o crime só avança”. Às vezes imagino, acrescenta, que “a expansão destas ações criminosas segue uma curva previsível. Segundo notícia recente, a AGU ajuizou 24 processos contra desmatadores no Pantanal e na Amazônia. Somente 24! Para o pesquisador, “ao que pareceas autoridades policiais e militares não dispõemde equipamentos e pessoal especializado para emprego em ações de efetivo e terminante combate ao crimeambiental”.
No estudo “A floresta amazônica e o futuro do Brasil”, publicado na revista Ciência e Cultura, setembro de 2006, seus autores, os pesquisadores do Inpa, Charles R. Clement e Niro Higuchi, são taxativos: “a floresta está sendo derrubada de forma acelerada porque tem pouco valor na percepção da sociedade brasileira atual, apesar de uma parte dos formadores de opinião afirmarem o contrário. Esta contradição entre o discurso e a realidade sócio-político-econômica é comum no mundo e ajuda muito a compreender os problemas de degradação ambiental que estão minando a sustentabilidade do empreendimento humano”. Na realidade, o único "valor" aceito pela sociedade atual é o valor econômico-financeiro presente, ou seja, aquele contabilizado pelo Produto Interno Bruto (PIB) do ano em curso ou do próximo”.
De fato, este o valor que pode reduzir a pobreza de uma parcela da população, dar ao país o "status" de desenvolvido e, logicamente, enriquecer os responsáveis pelo desmatamento, salienta o estudo de
Clement e Higuchi, sendo que os demais valores são praticamente irrelevantes. Citam como exemplos: “o valor estético – que beneficia principalmente os moradores e os eco-turistas, levarão mais tempo para serem realizados (uso da biodiversidade que exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento) ou simplesmente não são contabilizados no PIB (os serviços ecológicos – conservação de água e solo, filtragem de poluentes, polinização, etc.; e o valor ético – os direitos à vida dos outros seres vivos da floresta. É evidente que essa visão míope do valor da floresta não reflete seu valor real, nem em curto prazo e muito menos a longo prazo, especialmente se o país pretende ser um membro do primeiro mundo”.
Manaus, 19 de outubro de 2020.