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Amazônia e os dilemas do desenvolvimento

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07/04/2021

Por Márcio Holland*

O desenvolvimento econômico em si revela dilemas difíceis de superação, quando reservado ao campo estritamente econômico. As razões sobre porque algumas nações, ou regiões, crescem mais do que outras é matéria de discórdia na Ciência Econômica. Imagine a situação em que esse desenvolvimento precisa acontecer pelo interior da Floresta Amazônica. Adiciona-se ao controvertido tema do desenvolvimento, o meio ambiente, a mudança climática, a emissão de gases de efeito estufa, desmatamentos e queimadas.

Para dar um tom ainda mais desafiador, adicione pressões internacionais, de autoridades das principais economias avançadas, de organismos mundiais, de artistas, acadêmicos, especialistas e imprensa. Complete, e longe de ser exaustivo, o quadro com uma sociedade polarizada, em clima de debate congestionado e na cultura do "cancelamento".

Os dados estão na mesa. O Brasil responde por 60% do bioma Amazônia. Trata-se daquele de maior biodiversidade do globo, banhado pela maior bacia hidrográfica do mundo, com 1/5 (um quinto) de água doce do planeta que deságua nos oceanos. Ali se encontra imponente, há mais de 55 milhões de anos, a Floresta Amazônica, e o homem a habita há mais de 11 mil anos. Sua existência como tal, e como hoje, é essencial para a segurança climática do planeta. De acordo com climatologistas de renome, se seu desmatamento chegar a 40%, podemos atingir o chamado tipping point, ou seja, o "ponto irreversível" de "savanização".

De outro lado, dezenas de municípios da região apresentam péssimas condições de vida, como facilmente observado no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), reflexo de moradias precárias, falta de acesso à água potável e tratamento de esgoto, falta de acesso à serviços de saúde e educação de qualidade. São mais de 20 milhões de brasileiros vivendo na região e com condições difíceis de vida.

Ou seja, vidas precárias de milhares de brasileiros coexistem com uma extraordinária riqueza natural e de grande importância para o equilíbrio ambiental do planeta. No meio do caminho, encontra-se o Polo Industrial de Manaus, construído sobre o programa Zona Franca de Manaus, dos idos 1960. Nele há centenas de plantas industriais, muitas delas de empresas multinacionais, com alto nível de governança corporativa, empregando mais de 400 mil trabalhadores, em empregos direto, indireto e induzido, com rendimento do trabalho similar ao de outros importantes polos industriais brasileiros e com destacado nível de escolaridade de seus trabalhadores.

A título de exemplo, a indústria de transformação do Estado do Amazonas - leia-se, Polo Industrial de Manaus- tem a terceiro maior nível de escolaridade do país, em porcentual de trabalhadores com ensino superior, ficando à frente de centros industriais consolidados como os de Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.

Contudo, já não bastando as dificuldades da vida pelo interior da região, esse polo industrial corre riscos. Seu desmonte, seja lá qual a razão, implicaria em riscos de emprego para aqueles 400 mil trabalhadores na capital Manaus.

Vale sempre lembrar que a indústria em si está passando por aceleradas transformações, em linha com a chamada economia digital, da indústria 4.0, com muitas empresas do setor fechando seus negócios no Brasil. O papel da indústria como a conhecemos é incerto. A desindustrialização é um fenômeno dado e irreversível. O mundo está trocando "hardwares" por "softwares", trocando fábricas físicas por gestoras de marcas, de pesquisa e desenvolvimento, e por prestadoras de serviços, preferencialmente digitais.

A arte de manufaturar, arrebitar, parafusar, soldar, laminar está perdendo seu brilho para o mundo dos negócios. No seu lugar, cresce a arte de programar, desenhar arquiteturas de novos negócios e novas finanças (edtechs, healthtecs, fintechs). Automação e robótica são movimentos irreversíveis. Com eles, crescem a demanda por soluções tecnológicas baseadas em big data e machine learning; a impressora 3D e a banda 5G vão transformar cadeias produtivas inteiras. A indústria brasileira corre sérios riscos; Manaus não é exceção à regra.

Qual será a conformação da indústria brasileira? E qual será o perfil da indústria no interior da Amazônia, ou a do Polo Industrial de Manaus, daqui uma ou duas décadas? Se estamos, a passos largos, mergulhando para dentro do mundo digital, como garantir, no longo prazo, emprego e renda para a população amazônica?

Como país, ainda não temos um plano estratégico para tal. Temos, até aqui, muita discórdia. Se se defende a introdução de novas cadeias produtivas - como as da bioeconomia, com agroflorestal, indústria da madeira, da alimentação, dos fármacos e cosméticos, a exploração de recursos minerais, do potássio e ouro - não sabemos como separar atividades legais e sustentáveis daquelas ilegais, de ocupação desordenada. Se se defende infraestrutura de qualidade para a região - como a pavimentação da BR-319, que liga o Norte ao Sul, mais especificamente, Manaus e Porto Velho, e daí com o resto do País - imediatamente surgem críticas sobre os riscos do chamado efeito de "espinha de peixe" - ou seja, desmatamento ao longo da rodovia.

Como, então, promover o desenvolvimento regional, na Amazônia, sem investimentos em infraestrutura? É consolidado na literatura econômica que a forma mais genuína de desenvolvimento regional é por meio de investimentos em capital humano (educação) e em infraestrutura.

O tema aparece e com ele as estatísticas de desmatamento. Registros do PRODES/Ministério da Ciência e Tecnologia mostram que o Brasil reduziu o desmatamento de forma extraordinária, por vários anos. Saímos de 27,7 mil quilômetros quadrados (km2) de desmatamento para 4,5 mil km2, em 2012. Desde então, contudo, em governos diferentes, o desmatamento voltou a subir rumo a 11 mil km2, em 2020.

As soluções para o desenvolvimento sustentado da Amazônia precisam ser colocadas na mesa, debatidas abertamente e implementadas o quanto antes. É possível encontrarmos caminhos para a prosperidade na Amazônia. Na série de webinars 'Diálogos Amazônicos', promovida pela Escola de Economia de São Paulo da FGV, já começamos a ver luz no fim do túnel. Pelo visto, basta colocar brasileiros de boa formação e boas intenções para dialogar.

Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Finanças e Economia, e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente às quartas-feiras.



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