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'Agua é a nossa matriz econômica' Entrevista

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08/04/2022

Marcelo Peres

Há muito se fala sobre a necessidade de uma nova matriz econômica que se somaria às atividades da ZFM (Zona Franca de Manaus), possibilitando mais geração de empregos e renda no Amazonas. E uma das vertentes seriam as potencialidades encontradas nas jazidas minerais na região.

As reservas de potássio existentes no município de Autazes têm capacidade para suprir a demanda por fertilizantes durante 200 anos consecutivos. Hoje, o Brasil importa praticamente 90% de todos os insumos utilizados no agro- negócio, que responde por 45% do PIB nacional. Porém, a falta de regulamentação e entraves nas licenças ambientais inviabilizam a exploração sustentável desse grande potencial.

Atualmente, a Rússia é o maior exportador de fertilizantes para o Brasil, mas a guerra contra a Ucrânia é uma constante ameaça à manutenção do fornecimento dessa matéria-prima para as atividades no campo. E já se cogita que o governo russo pode suspender a venda do produto caso o conflito no Leste Europeu se prolongue ainda por mais tempo.

Grande referencial de consulta sobre o potencial mineral da região, o geólogo Daniel Nava avalia que vivemos num berço esplêndido, montados em tantas riquezas estratégicas que poderiam revolucionar a economia do Amazonas. Essas reservas podem ser extraídas de forma sustentável, preservando a rica e abundante biodiversidade, tão cobiçada hoje pelo mundo, ressalta o especialista. Ele também defende a participação das comunidades indígenas, ouvindo suas lideranças, para a viabilidade de projetos, trazendo benefícios para toda uma cadeia produtiva e econômica na região.

"Não sou a favor da exploração da mineração em terras indígenas. Ao contrário, essa atividade deve envolver a todos, defendendo interesses compartilhados com todos os entes constituídos, inclusive com a autorização dos povos tradicionais que habitam a Amazônia há milhares de anos", explica ele. "A água é a nossa mais importante matriz econômica. Um barril de água pode comprar cinco barris de petróleo", acrescenta.

Segundo Nava, essa opinião é consenso no grupo de pesquisa, do qual participa, sobre a viabilidade de explorar minérios na região, inclusive com a observação de várias lideranças de etnias que avaliam essas possibilidades durante as discussões sobre o tema.

Nava diz, ainda, que o isolamento geográfico da região dificulta potenciais investimentos. E ainda outro agravante -o poder das decisões nacionais está concentrado nos grandes centros do país. Também, a pouca representatividade política em relação às outras regiões deixa praticamente o Estado refém das pautas de interesse do governo central.

Em geral, as regras do poder funcionam de acordo com as conveniências de grupos políticos e empresariais, algo que o Amazonas não tem tanto fôlego para fazer frente a lobbies poderosos que atuam no Congresso, em Brasília.

"Reconhecemos os agrominerais como muito estratégicos. As nossas entidades discutem esse tema desde 2004. O fato é que, como as decisões são muito centralizadas em Brasília, nós sequer somos ouvidos pelos centros de decisão de poder na capital federal", diz ele.

Daniel Nava falou exclusivamente ao Jornal do Commercio.

Jornal do Commercio - A possibilidade de faltar fertilizantes mostra a importância de se explorar jazidas de potássio no Brasil, principalmente no Amazonas que possui uma das maiores reservas do minério. Como avalia essa questão?

Daniel Nava - Reconhecemos os agrominerais como muito estratégicos. Nossas entidades, instituições e organizações do Amazonas discutem esse tema desde 2004, quando nós iniciamos uma discussão da geodiversidade do Estado na Assembleia Legislativa. O fato é que, como as decisões são muito centralizadas em Brasília, temos dificuldades muito grandes. Por morarmos longe e termos instituições muito fracas na relação de governança, sequer somos ouvidos pelos centros de decisão de poder na capital federal.

As jazidas de potássio são tão importantes quanto o Exército Brasileiro. Porque elas permitem a multiplicação dos alimentos. Se eu coloco ali para plantar um hectare e tiro 100 frutos, a partir do momento em que coloco esse fertilizante, o potássio tem maior possibilidade de construir mais produtividade.

Então, faltar fertilizante é o cenário mais temível para um país que se caracteriza por produzir alimentos. Há décadas, efetivamente o que temos são reservas minerais que já possuem empreendimento da empresa Potássio do Brasil, já foi aprovado o seu estudo de viabilidade econômica ambiental.

A mina tem sua base de estrutura na Vila de Urucurituba, localizada na margem esquerda do rio Madeira, que foi homologada por audiências públicas e pela relação com todos os ajustes necessários feitos através do Ipaam, tendo a sua primeira licença ambiental, a licença prévia dessa lavra.

Passado todo o rito do controle ambiental, o empreendimento Potássio do Brasil em Autazes está localmente afiançado.

JC - Por que existem tantas restrições para explorar o potássio no Amazonas, já que apenas 11% dos minérios estão em terras indígenas?

DN - Não houve restrição nenhuma. A regulamentação de terras indígenas já é prevista na Constituição Federal. Nós ainda não regulamentamos. Aí, é o dever de casa. Então, não foi feito pelos nossos representantes de cada Estado dentro da construção do exercício do Legislativo nacional.

Mas a Constituição diz que, para que haja mineração em terras indígenas, ela precisa estar regulamentada. Então, temos uma série de projetos de lei que foram discutidos. Uns avançaram mais, outros menos. E o último foi o PL 191, que me parece muito mais um Frankenstein, exatamente por não ter construído sequer o reconhecimento daquilo que já foi feito por outros parlamentares. Eu cito dois -o deputado Hélio Lopes, de Roraima, e Padre Ton, de Rondônia. Nós fizemos muitas reuniões juntos. Fomos a Brasília, inclusive apoiando representantes de diversas etnias do Amazonas.

Discutimos isso no parlamento. E de lá saiu-se com uma minuta daquilo que os indígenas querem exercer dentro da relação com a mineração.

Na minha tese, faço uma tabelinha com quatro modelos que podem funcionar a mineração em terras indígenas. Primeiro, a condição sine qua non que se ouça as comunidades indígenas antes de começar as pesquisas. Saber se elas possuem já uma tradição na mineração, se têm o desejo de conviver com as atividades, que é conviver com um vizinho barulhento, por um longo tempo de vida útil da mina.

No fechamento da mina, você tem a responsabilidade também, como determina a Constituição Federal, sobre todos os impactos causados pelos empreendimentos na lavra mineral, implicando na reabilitação das áreas, revegetação, recuperando a qualidade das águas, do solo, da vegetação, que foram ali por muito tempo degradados.

A mineração passa por quatro modelos indígenas, como chamo. E precisamos respeitar tudo isso. Eu chamo de modelo Yanomami aquela etnia que disse "não queremos mineração em nossas terras. É o nosso desejo". Eles precisam ser respeitados. O segundo modelo, acho que a gente precisa aprimorar entre os Waimiri-Atroari e a Mineradora Taboca, que explora estanho e outros minérios na Mina do Pitinga.

Os Waimiri-Atroari já definiram, claramente, que não querem mineração em suas terras, mas eles autorizaram a abertura de uma estrada que sai da Mina do Pitinga e vai até a BR-174 para que se possa escoar entre suas terras o minério produzido e receber os insumos necessários para a produção que eles estão ali fazendo.

Então, ter um vizinho que sabe as regras é exatamente o caso entre os Waimiri-Atroari e a Mineração Taboca. Portanto, um não entra na terra do outro. Os Waimiri se deslocam muito por longos períodos. Existe todo um estudo sobre o esforço que se teve para que eles não fossem dizimados durante a construção da estrada BR-174 com os grandes investimentos nos anos 1970.

E também, o que é mais importante, é sobre o valor que eles definiram para permitir a passagem de caminhões, algo em torno de R$ 1,2 milhão.

JC - A exploração de minérios, abundantes no Amazonas, seria a nova matriz econômica que tanto se busca, somando-se às atividades da Zona Franca?

DN -Temos uma geobiodiversidade muito rica capaz de alavancar uma série de clusters industriais que se complementam à Zona Franca de Manaus. Por exemplo, a partir do gás natural podemos produzir ureia, que é o nitrogênio, e também o fosfato e o potássio. A região entre o Pará e o Amapá pode ter esse agromineral rico em fosfato. Portanto, há muitas possibilidades de que na Amazônia pudéssemos ter a produção de agrominerais tão importantes. Eles vão estar na biqueira das dificuldades da produção de alimentos no Brasil.

O agro é pop, é tec, só que ele depende muito. É roc, sendo roc, vem de rocha, o agromineral tem um fator muito importante para fertilizantes. Estamos muito próximos, através de nossa bacia hidrográfica, de levar esse minério com qualidade logística. O Brasil importa, hoje, fertilizantes da Rússia, Bielorrússia, e para o insumo chegar aqui paga um custo de logística.

Ora, se nós sairmos daqui do rio Madeira, e você leva esse mesmo potássio para a região no Brasil onde se produz alimentos, que é o Centro-Oeste, comparativamente, são dados apresentados pelos estudos de impacto ambiental, nós temos um potássio cuja tonelada chega a ser quase US$ 200 mais barata.

Então, esse deslocamento torna o nosso potássio muito mais vantajoso do que qualquer outra produção que se possa fazer. Com essa vantagem competitiva, precisamos avançar mais e entender que isso é muito mais estratégico para o país.

Efetivamente, o potássio é uma commodity que deveria estar nos olhos estratégicos de todo governo que tenha passado anteriormente e nos que venham pela frente.

Infelizmente, o Brasil não planeja mais suas ações. Ele vem se deslocando, desde a época dos governos civis, para um modelo de desestatização. Então, o mercado vai pressionar em momentos como esse.

É mais fácil o mercado concordar que vender mais para fora é mais vantajoso do que alimentar a população aqui dentro. E, os acionistas vão pressionar sempre. E a gente tem o que aconteceu em Mariana, Brumadinho, onde a indústria efetivamente não conseguiu manter a segurança das barragens para atender à produtividade abaixo dos preços do mercado internacional.

Então, para uma matriz de mineração, o cuidado tem que ser maior. Não é qualquer minério que a gente possa produzir, mas podemos produzir esse minério com as melhores práticas mundiais. E eles precisam ter algumas características importantes.

A empresa precisa ter uma governança comparativa muito clara, de responsabilidade social. Portanto, não existe a mineradora como um enclave. E muitas vezes se consegue as licenças à base de corrupção, com aquele jeitinho brasileiro, sem cumprir questões legais.

Então, você não defende a mineração? Pelo contrário, a mineração é um elemento que deve ser conduzido com o máximo critério possível. Não é extrair qualquer minério na Amazônia, mas extrair, sim, os melhores prospectos de minérios na Amazônia.

Portanto, temos que usufruir das benesses que Deus nos oferece, mas fazendo com bom uso. A mais importante matriz nossa chama-se água. São os nossos recursos hídricos. Estamos na maior bacia hidrográfica do planeta. Acima de tudo, água é um minério. E tem um valor de permuta muito grande.

Se eu pegar um barril de água e quiser trocar hoje, com certeza vou encontrar uma relação de um para cinco. Para que eu possa comprar cinco barris de petróleo, só preciso ter um barril de água.

Temos discutido com o deputado Angelus Figueira e o governador Wilson Lima a criação de agências que seriam propostas sob o ponto de vista de melhorar o diálogo entre os setores produtivos e o Estado do Amazonas.

Há perspectiva de aprovação de uma agência de águas. Então, uma agência de mineração vai ser criada com outras atividades importantes, como o manejo e gestão de florestas, incluindo o turismo. Efetivamente, precisamos construir uma base logística nossa.

Sou professor. Tive que dar aulas online, mas é muito difícil o serviço no interior. Como a população absorverá boas práticas ambientais se a internet é precária? Então, temos que consolidar as matrizes econômicas já existentes.

JC - Como vê essas grandes potencialidades, capazes de atrair novos investimentos, gerar mais empregos e renda na região? Pode mensurar números?

DN - Temos na Mina do Pitinga e em Autazes a perspectiva, de cada uma, ter de 2 mil a 3 mil empregos diretos logo de início, elevados ao longo do desenvolvimento da lavra. Cada emprego que eu gero aqui, vou multiplicar por dez. E vai ver a quantidade de novos postos de trabalho que as atividades vão gerar, como se vê em Coari. Isso é importante, termos uma matriz que sustente a atividade.

A mineração precisa ter esse olhar diferente, como se vê na exploração do ouro na região. E quando você trabalha de forma legalizada, constrói-se uma base de governança para que se tenha, efetivamente, mais segurança e fomento dessas atividades.

JC - A ZFM convive constantemente com ameaças aos seus incentivos fiscais. Como vê outras vertentes de desenvolvimento a partir da bioeconomia e do aproveitamento dos insumos da floresta que são peculiares só à região? O que nos espera no futuro?

DN - É bastante complexa essa resposta. Nos faz tentar fazer uma prospecção importante quando estudamos o zoneamento ecológico e econômico da Amazônia. Eu lembro da palavra da dra. Bertha Becker que nos coloca que a Amazônia é um grande almoxarifado, quando se precisa vai lá e busca.

Esse é um olhar equivocado de nós brasileiros e do planeta terra como um todo. Os principais instrumentos do planejamento regional para a Amazônia foram o zoneamento ecológico econômico.

Temos que entender que a Amazônia não é um lugar qualquer. Ela detém todo um grande reservatório de água fundamental para a nossa sobrevivência. Porque água é vida. Possui uma cobertura vegetal que mantém um refrigério para o planeta. Essa umidade vai como rios voadores que vão abastecer outras regiões.

Esses rios voadores levam essa água até o Sudeste, reduzindo os impactos das secas. São estratégias para a sobrevivência não só do Brasil, mas também de outros países. É importante trabalhar todos os mecanismos para o desenvolvimento econômico, preservando o meio ambiente.

As reservas de potássio existentes em Autazes pode suprir demanda por fertilizantes durante 200 anos

Fonte: Jornal do Commercio

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