26/07/2018
Notícia publicada pelo Valor Econômico
Alvo de duras críticas de produtores,
agroindústrias e tradings, a tabela de
preços mínimos de fretes rodoviários que
aguarda sanção do presidente Michel
Temer, estimula um número cada vez
maior de projetos que preveem a criação
ou o reforço de frotas próprias de
caminhões para o escoamento das safras.
Para cargas a granel como soja e milho,
os valores de fretes para longas distâncias
até agora propostos representam, em
média, altas de cerca de 30% a 50% em relação aos que vinham sendo
praticados, de acordo com estimativas
Maior exportadora de soja brasileira, a americana Cargill, que desde a
primeira versão da tabela de fretes, usada por Brasília para encerrar
definitivamente a recente greve dos caminhoneiros, posicionou-se
veementemente contra o tabelamento, voltou a sinalizar que poderá investir
em uma frota própria para entrar em operação já nesta safra 2018/19. "Com
o tabelamento, indústrias e exportadores terão que repensar a forma como
irão operar no Brasil", disse, em comunicado, Paulo Sousa, diretor de grãos e
processamento da companhia para a América Latina.
Segundo ele, a intervenção do governo no mercado de fretes cria "uma
ruptura no funcionamento natural da cadeia de suprimentos e desequilibra
os contratos, a ponto de comprometer a confiança na expansão sustentável
do agronegócio", além de abrir caminho "para oportunistas trabalharem na
informalidade". Nesse contexto, a Cargill reforçou que analisa para a safra
2018/19 adquirir frota própria de caminhões e contratar motoristas.
A paranaense Coamo, maior cooperativa agrícola da América Latina e outra
grande exportadora de grãos, tem sobre a mesa um projeto até mais
avançado. O grupo, com sede no município de Campo Mourão, acaba de
fechar a aquisição de 152 novos caminhões, que já havia sido aprovada para
renovar sua frota própria de 280 veículos. Mas a Coamo só decidirá se de fato
seguirá o roteiro previsto e venderá um número semelhante ao total
adquirido, que estará à disposição até janeiro, depois que uma tabela
definitiva de fretes entrar em vigor.
Além dos caminhões próprios, a Coamo opera uma "frota dedicada" de cerca
de 600 veículos que pertencem a transportadoras. A cooperativa, que
movimenta mais de 10 milhões de toneladas de cargas a granel anualmente,
também contrata junto a transportadoras serviços para agilizar o escoamento
em picos de colheita e, eventualmente, recorre a fretes no mercado spot. A
frota própria, composta basicamente por bitrens de sete eixos, responde por
15% da movimentação total de cargas a granel do grupo.
Segundo Airton Galinari, superintendente de logística e operações da Coamo,
os últimos valores apresentados pelo governo para os fretes chegam a
representar aumentos de 80% a 100% em relação aos custos da frota própria
- que normalmente opera em curtas distâncias, nas rotas que chegam às
cerca de 60 lojas de insumos, peças e maquinários da cooperativa no Paraná Santa Catarina e Mato Grosso do Sul - e de 50% na comparação com os custos da "frota dedicada" de 600 caminhões.
Maior empresa de proteínas animais do país, a JBS também está se mexendo
por causa do encarecimento dos fretes rodoviários. A companhia acaba de
fechar a aquisição de 360 caminhões e estuda ampliar essas compras caso os
fretes não sejam revistos, disse uma fonte próxima à empresa de carnes. A
frota própria da JBS - que, procurada, preferiu não comentar o assunto -
representa mais ou menos um terço do número total de caminhões utilizados
em suas operações.
Fontes do setor de agronegócios consultadas pela reportagem nos últimos
dias afirmaram que é difícil encontrar produtores ou empresas que não
estejam avaliando contar com transporte próprio para amenizar a alta dos
fretes. Exemplo desse movimento são os laticínios, que reclamam do grande
peso dos custos com transporte em suas contas.
"O setor do leite trabalha exclusivamente com transporte rodoviário e não
tem alternativa. Dessa forma, o impacto será mais expressivo no produto",
afirmou Alexandre Guerra, presidente do Sindilat, que representa os
laticínios gaúchos e defende a livre negociação dos fretes. "Não existe espaço
para a adoção de tabelas de valores mínimos. Esse custo quem vai pagar é o
consumidor", acrescentou ele em comunicado.
O Sindilat confirmou que, para driblar a alta nos custos, algumas empresas
do segmento estudam absorver a atividade de transporte ou pelo menos parte
dela - alguns laticínios já são responsáveis pela captação do leite nas fazendas
produtoras. Para o dirigente, o risco é que o encarecimento do frete leve à
revisão de rotas de coleta de leite, o que poderia até acarretar abandono de
áreas de pouco volume de produção da matéria-prima.
Outra que se debruça sobre a equação dos custos de transporte é a
Copersucar, maior comercializadora de açúcar e etanol do país. "Achamos
que a chance do tabelamento dar certo é nenhuma. Mas, no limite, faríamos
frotas próprias", afirmou Paulo Roberto de Souza, presidente da companhia,
ao Valor. Segundo ele, a Copersucar é menos atingida pela medida porque
60% de sua movimentação já se dá por meio de ferrovias. Mas o restante é
movimentado em rodovias e justificaria uma frota própria.