07/07/2022
Por Everardo Maciel
A Constituição proclama, em seu art. 1º, que o Brasil é um estado democrático de direito, oque presume a submissão de todos à lei e à vontade popular.
Estabilidade e clareza são requisitos mínimos para a observância da lei. Não é isso que se vê noBrasil. Normas são alteradas frequentemente, não raro com qualidade técnica deplorável.
A interpretação dada às normas também muda continuamente, sem justificativa plausível.As evidências dessa degradação normativa, em desfavor da segurança jurídica e do estado dedireito, superabundam na mídia. Emendas constitucionais são aprovadas a toque de caixa.Decisões judiciais de grande relevância são tomadas em plenário virtual. Apresento, emseguida, alguns exemplos dessa degradação.
A Emenda Constitucional nº 87, de 2015, que trata da tributação do ICMS nas operaçõesinterestaduais não presenciais, estabelece, no art. 2º, que seus efeitos ocorreriam a partir de2015, ao passo que, no art. 3º, fixa 2016. Esse erro primário passou totalmente desapercebido.A Constituição prevê que a tributação de combustíveis e lubrificantes pelo ICMS deveria, entreoutros requisitos, ter alíquota uniforme no território nacional.
A Lei Complementar nº 192, de 2022, supriu a exigência constitucional de especificaçãodaqueles produtos para instituição da alíquota uniforme, porém invadiu a competência dosEstados ao estabelecer critérios para sua fixação. Não é isso que diz a Constituição. Já osEstados contestaram aquela norma, incluindo nas alegações a de que uniforme não é idêntico.Não é isso o que diz o dicionário.
Decisão judicial recente estabeleceu a não incidência do imposto de renda nas pensõesalimentícias recebidas, utilizando, entre outros fundamentos, o de que seria um caso debitributação. Não é o que está nos arts. 4º e 8º da Lei nº 9.250, de 1995, que prevê adedutibilidade da pensão alimentícia paga. Gerou-se, ao contrário, uma hipótese de dupla nãotributação. Se um casal se separa, o imposto não incidirá nem em que paga, nem em querecebe. Um convite à simulação, especialmente para os ricos.
Desde a instituição do ICM, em 1967, se entendia que aquele imposto e o ICMS, seu sucessor,incidiam nas operações interestaduais havendo ou não transferência de titularidade. Decisãojudicial, em 2021, reformulou esse entendimento, ao considerar inconstitucional a incidênciasem transferência de titularidade. Será que passamos mais de meio século convivendo comessa inconstitucionalidade sem que ninguém se desse conta?
(*) consultor tributário, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público e secretário da Receita Federal entre 1995 e 2002