17/06/2016 15:58
Seguimos, timidamente, a tarefa de prestar contas dos acertos do modelo Zona Franca de Manaus, sua robusta contribuição regional e nacional, desconhecida ou desmerecida até mesmo pelos atores locais. Esta é a razão pela qual frequentemente estamos na mídia como manchete de privilegiados que não comprovam os resultados esperados com a renúncia fiscal. Por isso, reveste-se de extrema importância a manifestação do Tribunal de Contas da União TCU, em relação ao lugar e ao diferencial representado pela Zona Franca de Manaus, no conjunto dos questionamentos sobre os mecanismos de renúncia fiscal, representados por seis dos principais beneficiários deste instrumento de política fiscal atrelado ao desenvolvimento setorial ou no combate à desigualdade regional. Segundo a matéria publicada pela Folha, no último dia 12, “Governo não avalia efeito de programas de isenção fiscal, diz TCU”, Entre os cinco dos principais programas de estímulo à indústria brasileira, que vão consumir R$ 52 bilhões em recursos públicos até o fim deste ano, estão sendo mantidos sem a garantia de que as contrapartidas em investimentos para o desenvolvimento tecnológico são cumpridas, apenas a ZFM aparece, através da Suframa, como modelo de controle e demonstração das contrapartidas pelo benefício que aufere. Foram analisados pelo TCU as leis de informática, a Lei do Bem, o Padis (semicondutores e displays) e PATVD (TV digital), e o Inovar-Auto. Desde o início do governo Dilma Rousseff até o fim deste ano, esses programas permitiram às empresas deixar de pagar tributos que somam cerca de R$ 52 bilhões, em troca de investimentos em pesquisa e tecnologia. O objetivo é fortalecer a indústria. A renúncia fiscal da Amazônia inteira, incluindo Tocantins, 2/3 do território nacional, é de 12% dos incentivos fiscais, um instrumento constitucional de combate à desigualdade regional, enquanto o Sudeste, a região mais rica do Brasil, usufrui de 53%. E se analisamos as prioridades do BNDES, nos últimos 10 anos, as indicações e imposições regionais são as de sempre.
O TCU e o descaso federal
No exercício responsável do controle das contas públicas, com base em levantamentos consistentes e tecnicamente bem fundamentados – como convém a uma Corte de Contas – o Tribunal de Contas da União já havia anotado os acertos e seriedade do modelo ZFM, e os percalços do Polo Industrial, através de Acórdão envolvendo o MPF-Amazonas. Entre eles, cabem destacar: 1. “Diminuição da atratividade para as empresas se instalarem no Polo Industrial de Manaus (PIM), com efeitos danosos como: potencial declínio do dinamismo econômico da Zona Franca de Manaus (ZFM), queda da arrecadação do estado, redução de repasses de ICMS para os municípios do interior, desemprego e outros; 2. A indisponibilidade de recursos da Superintendência da Zona Franca de Manaus-Suframa para implementar projetos para o fomento do desenvolvimento regional, por meio de transferências voluntárias, tendo-se observado que, com a entrada em vigor do Decreto 4.950/2004, os recursos advindos do pagamento pelas empresas do Polo Industrial de Manaus (PIM) da Taxa de Serviços administrativos passaram a ser recolhidos aos cofres do Tesouro Nacional, havendo um contingenciamento pelo governo federal de parcela significativa dos valores arrecadados; 3. Deficiência da atuação da Suframa em fiscalizar o cumprimento dos condicionantes legais para obter os benefícios fiscais por parte das empresas instaladas na ZFM; 4. Quanto à infraestrutura econômica, a equipe de auditoria identificou dificuldade para o escoamento da produção e para o tráfego de pessoas no estado e para interiorização do desenvolvimento, decorrente de fraquezas como: logística de transporte deficiente, acesso rodoviário ao estado difícil, terminais hidroviários de má qualidade, oferta de energia elétrica irregular, baixo acesso à internet no interior do estado e infraestrutura de saneamento inadequada. A lista dos descaminhos apontadas pelo TCU é imensa e merece ser retomada. http://cieam.com.br/?u=tcu-aponta-descaso-federal-com-o-amazonas.
De volta à Suprema Corte
Para resguardar direitos, entretanto, gasta-se tempo, energia e recursos, que são desviados de outras ocupações. Mais uma vez a ZFM está às voltas com a Suprema Corte, mais um litígio, dessa vez, por conta de uma ação movida pela União (sic!) – justo ela que abocanha mais de 54% da riqueza produzida pela ZFM, segundo FEA/USP – envolvendo questão judicial sobre o direito de empresas fora de Manaus aproveitarem os créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de matérias-primas e outros insumos isentos oriundos da Zona Franca de Manaus. A União recorreu de uma decisão do Tribunal Regional da 3ª Região-São Paulo, que autorizou o aproveitamento desses créditos pela Nokia. O julgamento foi suspenso, mas dois pareceres precisam de muita reflexão e tomada de decisão, na medida em que representam argumentos, verdadeiras munições constitucionais – que o Brasil teima em aceitar, reconhecer e respeitar. A votação foi adiada, quando o placar estava 3 a 0 favorável ao Amazonas. Um dos pareceres, com lucidez e firmeza, num extenso e aprofundado voto, a ministra-relatora, Rosa Weber, negou provimento ao recurso da União, admitindo a utilização dos créditos e foi seguida dos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
A constituição e a floresta
Rosa Weber demonstrou que a utilização de créditos relativos às mercadorias saídas da Zona Franca é exceção à regra geral já estabelecida pela jurisprudência do STF. Em julgamento de 2007, o Supremo concluiu pela ausência de direito ao creditamento no caso de mercadoria sujeita à alíquota zero do IPI. A ministra menciona ainda o RE 398365, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, que em 2015 reafirmou o entendimento da Corte com efeitos de repercussão geral. Num país sem memória e num litígio político sem comprometimento com a brasilidade tudo vale. A ministra cita o artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que constitucionalizou a previsão da Zona Franca de Manaus, e ainda a promoção do princípio da igualdade – por meio da redução das desigualdades regionais. Menciona também a aplicação do pacto federativo e o compromisso com a redução das desigualdades regionais. “O tratamento constitucional diferenciado da Zona Franca de Manaus é uma consubstanciação do pacto federativo, e com isso a isenção do IPI direcionada para a ZFM, mantida pela Constituição, é uma isenção em prol do federalismo”. Para a relatora, tratam-se de incentivos fiscais específicos para uma situação peculiar, e portanto, não podem ser interpretados restritivamente. No caso, trata-se de uma isenção especial de natureza federativa e, diante dela, a vedação ao creditamento não encontra espaço para ser aplicada. A questão florestal, na qual o mundo inteiro está focado, e que o Brasil assumiu, no Acordo de Paris, dezembro de 2015, como contribuição para equilíbrio do Clima, foi a base do parecer do ministro Luís Roberto Barroso, o segundo a votar. Ele foi para o julgamento com decisão formada: ia dar provimento ao recurso da Fazenda Nacional, mas mudou de ideia após o voto de Rosa Weber. Além da excepcionalidade prevista na Constituição Federal, o ministro citou como fator determinante a preservação e proteção da floresta amazônica. O ministro chegou a sugerir a inclusão de incentivos a outras empresas para alcançar as metas de desmatamento zero na Amazônia. “Esse patrimônio brasileiro, com sua biodiversidade peculiar precisa ser colocado como uma das grandes prioridades da nação”.
No começo, só existia a ACA
Agência de fomento, de qualificação de investidores, interlocução e ação proativa com o poder público, antes, durante e depois do Ciclo da Borracha, só existia a ACA. Na celebração dos 145 anos desta vetusta e respeitável senhora, cabe prestar justa homenagem a seus atuais dirigentes, tendo à frente o empresário Ismael Bicharra, e relembrar duas figuras emblemáticas de sua trajetória. Cosme Ferreira e Moysés Israel. Ambos fundaram – e fizeram desses empreendimentos paradigmas da resistência – as Companhias Brasileiras de Borracha, Guaraná e de Plantações, e ambos tiveram o impulso de alunos remanescentes do Colégio Dom Bosco, Petrônio Augusto Pinheiro. Antônio Andrade Simões e Ribamar Siqueira, marcados com a formação salesiana” OMNIA VINCIT LABOR, O trabalho vence tudo. O século XX, sobretudo a partir dos anos 50, quando entra em declínio o II Ciclo da Borracha, com a retirada de recursos e investimentos do governo americano, no fim do Tratado de Washington, é marcado pela saga dos pioneiros, sua luta na defesa do desenvolvimento da indústria regional. Moysés Israel, um dos diretores da ACA, remanescente deste movimento, foi protagonista das grandes iniciativas de beneficiamento de matérias-primas regionais, com destaque para as serrarias, usinas de extração e de beneficiamento de borracha, fabricação de calçados, bebidas e panificação. Cosme trouxe cientistas para agregar valor às seringueiras e castanheiras plantadas na Zona Leste de Manaus. No começo era só a ACA, trincheira de resistência e farol de vigilância e observação/construção do futuro do Amazonas. Vida longa à Associação Comercial do Amazonas!!!
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
Publicado no Jornal do Commercio do dia 17.06.2016