17/07/2020 09:30
Decano do Comitê Indústria ZFM Covid-19, uma iniciativa das entidades do Polo Industrial de Manaus para combater os danos da pandemia e manter a economia em pé para quando tudo passar, Antonio Silva conhece como poucos os meandros da política industrial e os paradoxos gerenciais de Brasília em relação à Amazônia e à contrapartida fiscal da Zona Franca de Manaus. Nesta conversa ele esclarece algumas contradições e distorções sobre Amazônia e ZFM e fala alto sobre os direitos do setor produtivo em gerar riqueza e oportunidades e, com este formato, proteger a floresta e gerar matrizes econômicas que ampliem os preocupantes IDHs da região.
FUP: Nesta semana, a imprensa nacional e mundial, mais uma vez, priorizou a Amazônia, manifestando preocupações com a política ambiental do governo brasileiro. Qual é a saída para este impasse?
Antonio Silva: Ao longo da história do Brasil, a União Federal, com pequenos senões, sempre nos tratou como cidadãos de segunda classe. Ou como Colônia, como ilustrou, não faz muito tempo, um dos dirigentes mais sensatos do CMA, Comando Militar da Amazônia, general Eduardo Villas-Bôas, um conhecedor profundo de nossa região, sempre pronto a divulgar a importância do país olhar com seriedade e compromisso para este patrimônio. Este é o sentido da manifestação desta semana dos empresários contra a política ambiental do Brasil. O questionamento foi respondido pelo presidente do Conselho da Amazônia, general Hamilton Mourão, recém empossado. Seu plano de trabalho começa a sair do papel num momento muito crucial para a região. Esta época do ano, com forte influência das mudanças climáticas, incluindo o fenômeno El niño, é a temporada das queimadas. Naturais e provocadas. Este fato é agravado pela grilagem criminosa e precisa ser administrado com uma política ambiental arrojada. Quem conhece a Amazônia sabe de suas dimensões continentais. A conservação ambiental e resguardo social são tarefas espinhosas. O desafio de manter a floresta intacta é tão grande como promover uma população – com baixos índices de desenvolvimento humano – a um patamar de dignidade socioeconômica.
FUP: Quer dizer então que essa gritaria toda esconde muito oportunismo político ou conflito diplomático muito mais do que uma ameaça objetiva de destruição da Amazônia?
AS: Não diria isso, pois a gritaria se dá em todas as direções. O que é curioso é o tanto de especialistas em Amazônia que aparece nesta hora. Mas isso pouco agrega a nossa vida aqui na floresta. O que nós precisamos é de um projeto de verdade para gestão da Amazônia. Ficar num debate que acaba em si mesmo que vantagem nos traz? Além de um projeto, precisamos mudar as leis proibicionistas que nos impedem de acessar sem desmatar nossa biodiversidade para produzir alimentos integrais/funcionais, medicamentos e dermocosméticos. Mais do que proibir, o poder público tem que gastar muitos recursos em Ciência Tecnologia e Inovação Neste bioma. Não há outro caminho para nós. E nós não queremos dinheiro federal. Tomara que o Nordeste também ganhe atenção de políticas públicas pois esta região é importantíssima para o país. Nós queremos apenas que seja aplicada na região a riqueza que as indústrias aqui recolhem para este fim, desenvolvimento econômico e social. Não faz sentido, o Amazonas, com tantos municípios entre os piores índices de desenvolvimento humano no Brasil, seja transformado na mina de ouro dos cofres federais, a verdadeira joia da Coroa. Como pode, nessas últimas décadas, assistir nosso estado recolher para a União mais da metade da riqueza que as indústrias geram na Amazônia, no polo industrial de Manaus. Não é para fazer isso que a Constituição nos concede o direito de 8% do bolo fiscal do país. O ditame constitucional exige que esta riqueza seja aplicada na Amazônia para redução das desigualdades regionais. Nós não temos rodovias de integração com o resto do Brasil. Nossas hidrovias não são balizadas e a última dragagem, pra valer, no rio Madeira aconteceu no século passado. E o rio Madeira é um de nossos principais canais de escoamento dos produtos da indústria instalada em Manaus. A rodovia que liga Manaus a Porto Velho, a BR-319, está sem manutenção há 20 anos. Ou seja, nos retiraram até o direito das famílias da Amazônia fazerem turismo rodoviário a partir de Manaus, o direito de ir e vir.
FUP: O Presidente da República, Jair Bolsonaro, disse em sua primeira visita à Manaus, depois de eleito, que enquanto existir a Zona Franca, o Brasil manterá a sua soberania com relação a Amazônia. Na sua opinião – consumada a nova convivência política entre o Congresso e o Palácio do Planalto – o que as entidades da indústria de Manaus esperam da reforma tributária ?
AS: Nós não duvidamos dos propósitos do presidente. Afinal, ele está ocupando um lugar que muitos chefes-de-estado gostariam de ocupar. Mas a vontade do presidente tem um ritual democrático. Objetivamente, nas duas propostas de reforma tributária, até o momento com chances de ser aprovadas, o Amazonas, nossa economia de acertos chamada Zona Franca de Manaus, não tem lugar. Segundo o tributarista, Dr. Everardo Maciel, com as duas propostas não há a menor condição de negociar. E ambas foram feitas para atender interesses bem específicos. A nosso favor, temos uma bancada parlamentar combativa, articulada e munida de argumentos e de informações e um trabalho das empresas com muitos benefícios para a Amazônia e para o Brasil. Este programa de desenvolvimento regional, ironicamente, é mais respeitado no exterior do que pelas autoridades constituídas em nosso país. São os estrangeiros que perguntam: que seria da Amazônia se não houvesse o programa de desenvolvimento da ZFM, que gera mais de 500.000 empregos, com apenas 8% dos gastos tributários do Brasil. São empregos que evitam diretamente a transformação da floresta tem objeto de sobrevivência social e econômica. Em contrapartida vale indagar: que benefício sociais geram aqueles que usufruem dos restantes 92% do bolo fiscal? Para o contribuinte nossa contrapartida é – reconhecidamente – a mais robusta, com impactos efetivos e com miríades oportunidades para o Brasil.
FUP: Isso quer dizer que, se não houver apoio político, a Zona Franca de Manaus deverá ser suprimida na história do desenvolvimento regional do Brasil?
AS: Até aqui nós resistimos aos ataques e maledicências constantes de outras regiões. Nós não somos de esmorecer diante das dificuldades. Uma das propostas de reforma tributária, a PEC 45, segundo, novamente, o tributarista Everardo Maciel, tem uma agenda oculta, que é exatamente remover a Zona Franca de Manaus do cenário econômico nacional. Mas não é só o Amazonas que será removido. É também a Amazônia Ocidental, mais o Amapá, áreas sob a gestão da Suframa. Ou seja, apenas 8% da renúncia fiscal para promover o desenvolvimento regional dessa Amazônia esquecida. Portanto, a batalha será política e o desafio será o poder de comunicação. Nós estamos indo de gabinete em gabinete, através de nossos parlamentares, como fizemos em 2014, para o reconhecimento e endosso do Congresso Nacional por mais 50 anos. Nosso propósito é um só: mostrar que esta economia deveria ser chamada de Zona Franca do Brasil, tal a imensidão de benefícios na geração de emprego, na prestação de serviços ambientais, nas oportunidades de desenvolvimento sustentável e na diversificação que precisamos imprimir no pólo industrial de Manaus.
FUP: A História nos diz que as grandes mudanças se deve as grandes necessidades de um país nas relações com os demais. O que precisa acontecer para o Brasil entender que precisa da Amazônia?
AS: Na verdade, nós precisamos fazer a nossa parte do melhor jeito. Temos um patrimônio natural que devemos seguir cuidando e gerando riqueza para criar mais oportunidades com a floresta em pé. Nossa premissa de sobrevivência é a construção do desenvolvimento econômico com prosperidade social, pois só assim o capitalismo se mantém. O que pedimos é muito pouco: direito de trabalhar e promover o crescimento sustentável. Temos um patrimônio natural que devemos seguir cuidando e gerando riqueza para criar mais oportunidades com a floresta em pé. Nossa premissa de sobrevivência é a construção do desenvolvimento econômico com prosperidade social, pois só assim o capitalismo se mantém. Conservar a Amazônia é tratá-la com as ferramentas da tecnologia, avanço científico e muita inovação. Temos absoluta convicção que o Brasil só encontrará seu rumo quando descobrir que tem um Norte, ávido por adoção e integração. Temos clareza de nosso protagonismo Amazônia, dentro de um projeto construído a várias mãos, incluindo as boas parcerias internacionais. Assim procedendo, nosso país deixará de lado a tendência de navegar à deriva e sua estranha recusa de construir uma nova civilização.