31/07/2014 14:45
A profecia do jornalista mineiro, Affonso Romano de Santana, e a poesia brasiliense de Renato Russo, em sua Legião Urbana, ressoam neste julho frio e cinzento na ebulição urbana paulistana da Universidade (em greve) de São Paulo, uma capital sem água, com racionalidade preocupante, apesar do aquífero Guarany, um dos maiores depósitos subterrâneos de água do Continente, depois de Alter do Chão e Aquífero Solimões. A pergunta inquietante é colocada para debater a resposta dada pelo questionamento do pioneiro amazonense, Moysés Israel, na abertura do Curso de Pioneirismo Brasileiro e o Estado do Amazonas, na FEA/USP, com a presença de uma centena de participantes com vários perfis de empreendedorismo, inovação, educação, politicas públicas e pesquisadores interessados em fazer de sua investigação empreendimentos, na deliciosa e estimulante dialética do fazer e do saber, como ensinou por toda a vida o mestre Samuel Benchimol em sua epistemologia da esfinge amazônica. “Que país é este...” e como fica sua relação com a gestão da Amazônia, eis um incômodo desafio que, decididamente, a gestão federal e nacional relutam em encarar. E esta é a grande pergunta que o vídeo de um dos grandes pioneiros, da Amazônia no Século XX, faz, ao provocar e convocar a todos para um inadiável debate. Com alguns trechos da entrevista em torno de sua teimosia pioneira, Moysés Israel é o mote de abertura da exposição/debate sobre a Amazônia empreendedora, ponto de partida de uma discussão que continua a ecoar nos fóruns da academia paulista. E a pergunta se aplica em cima do Código Florestal que proíbe qualquer atividade econômica 500 metros às margens dos rios da Amazônia. O Nilo construiu uma civilização a partir de suas margens. Aqui, o Ciclo das Águas – que provoca uma oscilação de nível das águas que chega a variar 20 metros - determina a escassez de proteínas por seis meses que se opõem à fartura na floresta em igual período, determinando uma economia particular, milenar e sustentável que o Congresso Nacional jamais se empenhou em conhecer muito menos em envolver suas populações tradicionais no estabelecimento de restrições e sanções que as imobiliza.
Prorrogação, memória e porvir
E o que tem a ver esta discussão com os interesses da economia do modelo Zona Franca de Manaus que terá a prorrogação por mais 50 anos de seus incentivos celebrada na próxima semana com pompas e circunstancias na liturgia político-eleitoral do Congresso Nacional? Aparentemente nada e efetivamente tudo se considerarmos que este debate sobre o pioneirismo empresarial brasileiro que o Curso da FEA/USP enfatiza está intimamente relacionado com o evento Pioneirismo e Futuro da ZFM, um seminário histórico ocorrido há um ano em Manaus, inspirado no projeto da USP, sobre Pioneirismo e o Estado Brasileiro, liderado pelo professor Jacques Marcovitch, sob a batuta das entidades do setor produtivo, CIEM/FIEAM, Centro e Federação da Indústria do Estado do Amazonas. Foram 76 participantes da academia, do poder público na área de fomento, suporte técnico, inovação tecnológica e empreendedorismo, com apresentação de diversos projetos pioneiros que saíram do papel e fizeram da biodiversidade, biotecnologia e negócios, ao lado de ações de inovação em tecnologia da informação e comunicação, premissas para identificar os fatores que favorecem e inibem o empreendedorismo, priorizar ações indutoras no Estado do Amazonas e sensibilizar os sistemas de educação, de inovação e de apoio para as ações indutoras priorizadas. Um evento que – se a agenda da agitação politico-partidária-eleitoral permitir – será retomado neste segundo semestre, na discussão do Parque Tecnológico de Insumos Naturais para a Indústria da Zona Franca de Manaus.
A reinvenção na academia e na economia
O perfil dos inscritos no Curso de Pioneirismo é coerente com Síntese e Recomendações, o documento saído do evento sobre o futuro da ZFM aqui resgatado. A Agência USP de Inovação, profissionais formados e formandos em empreendedorismo, professores da área de metodologia da inovação e desempenho organizacional das diversas instituições de fomento e gestão de projetos, todos eles – que maravilha – interessados em saber como empreender na Amazônia, quais as lições dos pioneiros e empreendedores que souberam reinventar a Amazônia com a debacle da economia da borracha, um segmento extrativo que respondeu durante três décadas por 45% aproximadamente da geração de riqueza neste grande latifúndio da brasilidade na virada para o século XX. O que fizeram estes heróis da resistência para não deixar a peteca da obstinação cair e ser engolida pela tentação depressiva do abandono federal de um país que não atentou para a inovação tecnológica do extrativismo do látex, da castanha, resinas, oleaginosas, fármacos e fitoterápicos de que o mundo precisa para se manter hígido e perenizar sua juventude com a indústria da nutracêutica disponível aos borbotões na biodiversidade amazônica: as novas matrizes econômicas que teremos a obrigatoriedade e a necessidade de disseminar e regionalizar na Hileia, esta parcela desconhecida para o país que o olhar estrangeiro, há séculos, está a espreitar.
Evolução e prospecção
Oficialmente a teoria da evolução, a explosão cientifica de questionamento da teologia criacionista, é atribuída ao inglês Charles Darwin. Mas a lupa da história revela que outro inglês, Alfred Russel Wallace, é outro autor simultâneo dessa teoria revolucionária. Escritor também inglês, contemporâneo de Darwin, ele veio para a Amazônia, na primeira metade do Século XIX, coletar espécies de insetos para vender a colecionadores e sociedade europeias de Botânica. Daqui sequestrou um acervo monumental, junto com Henry Bates e Richard Spruce, que o empurrou à reflexão sobre a origem e a evolução dos seres vivos. No século XXI, passados 150 anos da obstinada determinação pela sobrevivência e conhecimento de Alfred Russel, multiplicam-se ações para adensar e estreitar o relacionamento da academia brasileira com a Amazônia, sua história, possibilidades e promessas. Existem mais de 500 pesquisas em andamento sobre temas amazônicos apenas na USP que se somam a centenas de expedições pedagógicas e científicas à região levadas a efeito por instituições brasileiras todos os anos. USP e UEA, a Universidade do Estado do Amazonas, estreitam colaboração com este fim e muitos frutos começam a brotar. É emblemático recordar que o Instituto Smithsonian dos Estados Unidos - onde estão disponíveis na Internet as obras de e sobre o pesquisador britânico, algo em torno de 10 mil títulos – concorre com o Museu Botânico de Kew Gardens, do Reino Unido, para pontificar e definir quem tem o maior acervo de informações sobre a Amazônia. Ali, os britânicos construíram uma floresta tropical, recriada num espaço de 20 mil metros quadrados de aço e cristal, para ilustrar o apreço científico e empresarial que a Amazônia representa, e que supera o acervo de biodiversidade de todas as instituições locais e nacionais reunidas. Eles entenderam, há séculos, a importância de pesquisar a Hileia e, por aqui, antes tarde do que nunca, essa consciência e curiosidade promissora começam a se afirmar.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
Publicado no Jornal do Commercio do dia 31.07.2014