19/05/2021 14:08
Por Márcio Holland*
Dados divulgados em abril de 2021 apontam que, mais uma vez, como tem acontecido nos últimos anos, o Brasil registrou aumento no desmatamento. Contudo, é digno de registro imediato que o que se faz com o meio ambiente impacta o mundo dos negócios, os investimentos estrangeiros no País, os acordos comerciais internacionais e a imagem brasileira perante consumidores, daqui e lá de fora. Não se pode mais dissociar as políticas de meio ambiente, o desmatamento, a queimada ilegal, a grilagem e diversos outros crimes ambientais da avalição dos negócios de empresas e de países. Mais do que isso, as melhores práticas ambientais tendem a ser, cada vez mais, mais premiadas em mercados financeiros, repercutindo positivamente no valor das empresas e na percepção de risco do País. Não há mais espaços para o debate entre os "alarmistas" e os "negacionistas". A partir de agora, devemos ser todos "alarmistas".
É imperativo que caminhemos, o mais rapidamente possível, para limitar o aumento da temperatura global
em 1,5ºC. Para se ter uma ideia deste desafio, em pleno ano do surto do coronavírus e da pandemia da
covid-19, em 2020, as emissões de gases de efeito estufa caíram 3%, em comparação com 2019. Isso
basicamente sem grandes esforços de empresas, governos e empresas, mas por imperativo das medidas de
distanciamento social e, com isso, da recessão global.
Os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, das Nações Unidas), mostram que, para limitar o crescimento do aquecimento global em 2ºC, temos de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 5% ao ano, de 2020 a 2050. Mas, de acordo com o climatologista e professor Paulo Artaxo, que integra o IPCC, essa média de aquecimento significa que regiões como a Amazônica devem aquecer 3ºC. Não tem saída. PrecisamoA Amazônia Brasileira contém 120 bilhões de toneladas de carbono em suas árvores, o que equivale a 10 anos de toda a queima de todos os combustíveis fósseis do planeta. Se isso for para a atmosfera, certamente que o futuro do planeta estará sob sérios riscos.
s entrar, de corpo e alma, na era da descarbonização. O estado atual
da produção e do consumo é insustentável. Já não estamos mais falando do futuro, mas do nosso momento
atual.
O Brasil tem uma grande contribuição a dar neste tema. E, o que é mais incrível, conduzir adequadamente
o tema pode ser o seu grande motor de desenvolvimento socioeconômico sustentado de longo prazo.
Os dados estão na mesa. O Brasil responde por 60% da Amazônia. Trata-se do bioma de maior
sociobiodiversidade do planeta, banhado pela maior bacia hidrográfica do mundo, com 1/5 (um quinto) de
água doce do mundo que deságua nos oceanos. Ali se encontra imponente, há mais de 55 milhões de anos,
a Floresta Amazônica, e o homem a habita há mais de 11 mil anos. Sua existência como tal é essencial para
a segurança climática do planeta. De acordo com o climatologista Carlos Nobre, se o desmatamento desta
floresta chegar a 40%, podemos atingir o chamado tipping point, ou seja, o "ponto irreversível" de
"savanização".
De outro lado, dezenas de municípios da região apresentam péssimas condições de vida, como facilmente
observado nos IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), reflexo de moradias precárias, de falta de
acesso à água potável e de tratamento de esgoto, de falta de acesso à serviços de saúde e de educação de
qualidade. São 30 milhões de habitantes vivendo na região em condições difíceis.
Mesmo respondendo por metade de nosso território, viramos as costas para essa riqueza natural incomensurável. Nunca soubemos, e ainda não sabemos, o que fazer com a Amazônia.
De acordo com o INPE, depois de um longo ciclo de redução do desmatamento na Amazônia Legal, de 2004 a 2012, de 27,7 mil quilômetros quadrados para 4,6 mil quilômetros quadrados, o Brasil voltou a desmatar de modo desordenado. Nos últimos dois anos, o desmatamento foi ainda mais intenso e entramos em 2021 em ritmo acelerado de desmatamento. O mais incrível é que o que se desmatou não nos trouxe riqueza, mas percepção e imagem negativa para os olhos dos consumidores e investidores de todo o mundo.
Vale lembrar que a Amazônia não é uma unidade homogênea, nem o desmatamento acontece lá de modo igual. Em nosso levantamento, de 1977 até 2020, 16% da cobertura natural da Amazônia Legal foi desmatada, sendo que, no Pará, 22% de seu território foi desmatado, e no Amazonas, apenas 2,8%. Mesmo pequeno, 40% do território de Rondônia foi chão abaixo.
Considerando o total desmatado, desde 1977, que foi de 814 mil quilômetros quadrados, para um território de 5,0 milhões de quilômetros quadrados, apenas dois Estados, Pará e Mato Grosso, respondem por mais de 60% do desmatamento da Amazônia Legal.
Durante a Cúpula dos Líderes sobre o Clima, organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em meados de abril, o governo brasileiro se comprometeu a reduzir as emissões em 43%, até final desta década, e a alcançar a neutralidade em 2050. Biden anunciou um plano ousado para a economia norteamericana. Ele se comprometeu a reduzir as emissões em 50%, até 2030. Isso vai exigir dos norteamericanos um intenso processo de descarbonização da economia, acelerar a eletrificação de veículos com fortes desestímulos ao consumo de combustíveis fósseis. Vale o registro de que os EUA são o segundo maior emissor, com 5,28 bilhões de toneladas de CO2, atrás da China, que emite 10,2 bilhões de CO2.
Para o caso do Brasil, os dados são bastante díspares. Para a SEEG/Observatório do Clima, o País lançou na atmosfera 2,17 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e), contra 1,98 bilhão em 2018, um aumento de 9%. Mas, para a World in Data, baseado no Global Carbon Project, as emissões do Brasil são de 4.656 milhões de toneladas de CO2. Os dados oficiais, do Ministério do Meio Ambiente, a partir do Projeto Educaclima, reportam emissões de 1,97 a 2,068 bilhões de toneladas.
Como o Brasil pode contribuir para a redução global de emissões de gases de efeito estufa? Qual o papel da Amazônia neste processo e no modelo de desenvolvimento socioeconômico Brasileiro? Como promover o desenvolvimento da região amazônica conciliando com a descarbonização da economia?
O primeiro passo para tentarmos responder a essas questões parece ser o de voltarmos a discutir o desenvolvimento econômico na Amazônia como central para o desenvolvimento de longo prazo de todo o Brasil. A Amazônia precisa ser discutida como uma das soluções para o crescimento, os investimentos, o emprego e a renda, e não como custos e fardos para a sociedade. A Amazônia precisa ser tratada como política de Estado, e não de governos isolados.
(*) Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde coordena os 'Diálogos
Amazônicos' e o Programa de Pós-Graduação em Finanças e Economia. Escreve artigos para o Broadcast
quinzenalmente, às quartas-feiras.