21/05/2020 10:37
Entrevista de José Alberto da Costa Machado(*)
Observador atento e ativo aos avanços, gargalos e paradoxos do programa Zona Franca de Manaus de Desenvolvimento Regional, José Alberto da Costa Machado conhece os caminhos e tropeços de nossa economia. Como poucos, avalia a importância, as possibilidades e a subutilização de cada instituição pública ou entidade de classe do setor privado. UFAM, Suframa, INPA e MPE foram algumas das instituições onde atuou como servidor público, além de CIEAM e FIEAM, onde sempre é chamado para debater, sugerir e encaminhar saídas para o desenvolvimento integral e integrado de nossa região. Reflita sobre suas contribuições.
1. FOLLOW-UP: Acompanho bem de perto sua luta, José Alberto, desde sua atuação na Suframa há mais de 15 anos, pela infraestrutura competitiva para a Zona Franca de Manaus. Como você vê a retomada dessa batalha da qual depende o soerguimento de nossa economia?
JOSÉ ALBERTO DA COSTA MACHADO: Não sei se haverá retomada, pois isso depende de iniciativas efetivas, planejadas, concatenadas. Porém, em poucos momentos dessa longa e tumultuada trajetória da ZFM estiveram presentes tantos elementos convidativos para o seu fortalecimento. Em outras palavras, a Pandemia trouxe janelas de oportunidades para nossa economia: Vejamos alguns exemplos:
a) No pós pandemia haverá um clamor por políticas de proteção da indústria nacional via substituição de importações e a ZFM não só tem isso em seu DNA como está pronta para ampliar a escala do que tem feito;
b) O preço do dólar, em patamares elevados, tornará difícil o acesso estrangeiro ao mercado nacional via vendas diretas, o que levará os grandes produtores mundiais a abrir plantas produtivas dentro do país; e a ZFM é o lócus mais preparado para isso, pela longa experiência na atração de investidores;
c) Na retomada pós pandemia, o mercado estará com vários meses sob contenção de compras de bens de consumo duráveis (aqueles que aqui produzimos) o que levará, inevitavelmente, a um crescimento expressivo de compras desses itens, e a ZFM, que mantém sua estrutura produtiva resguardada dos efeitos malsãos da crise, está pronta para ampliar, de imediato, sua escala de produção e atender, com produção nacional, a demanda que emergir;
d) Como efeito da crise vieram à tona as possibilidades produtivas em relação a diversos segmentos que estão com expressão minimizada ou com nenhum significado, como os equipamentos de proteção individual, equipamentos hospitalares, medicamentos, artefatos termoplástico ou com impressão 3D, entre outros; e a ZFM, nestes dias de pandemia, tem avançado bastante na produção para atender o estado do Amazonas, adquirindo expertise com esse propósito, inclusive em iniciativas frutos de cooperação entre empresas e institutos de C&T&I;
e) O cenário histórico de menor inflação e menor taxa de juros, combinado com o enorme volume de recursos que está sendo injetado na economia pelo governo federal, aliado, ainda, ao obrigatório esforço de contenção de despesas de manutenção da máquina pública, propiciará um movimento de liquidez que se expressará no mercado de consumo, e a ZFM poderá atender esse crescimento de compras, sem pressão inflacionara que ocorreria se o atendimento fosse por importações;
f) Nesses dias de pandemia acelerou-se a consolidação do segmento de economia digital em Manaus, com o advento da entidade que cuidará de sua governança e dinamização, a Associação do Polo Digital de Manaus. E isso tem enorme relevância pelo fato de que a produção industrial futura não mais prescindirá dessa conexão com o digital; e a ZFM já dispõe de um robusto ecossistema com esse propósito e, ademais, é um dos poucos centros industriais que dispõe de forma concentrada, de recursos de P&D em larga escala, oriundos da Lei de Informática;
g) Nestes dias de foco internacional sobre os destinos da Amazônia a ZFM segue sendo a única política federal consistente de proteção da região. Fortalecê-la, como resposta às pressões que o Brasil recebe nesse assunto, afigura-se como sendo a iniciativa mais efetiva, imediata e estratégica que o país dispõe.
2. FUP: Em nossos debates, você sempre apresentou posições sombrias quanto ao futuro da ZFM. Em entrevista recente, surge um José otimista em pleno momento de agonia que estamos vivendo. Mudaram os tempos ou seu olhar sobre nosso amanhã?
JACM: As duas coisas. Até antes da pandemia nada existia no cenário que ensejasse alvíssaras. Em nível federal, a política econômica assumiu uma posição clara e completamente hostil ao fundamentos da ZFM, a reforma tributária seguia como espada de Dâmocles em relação aos seus incentivos e a ampliação que se prenunciava para as impostações, como estratégia para elevar a competitividade da indústria nacional, era horizonte sombrio. No âmbito estadual, seguíamos, como sempre, sem qualquer plano capaz de minimamente apontar rumos futuros para a economia do nosso estado. Com a pandemia, surgiram no cenário todos aqueles fatores que esbocei como resposta a primeira pergunta. Então, meu olhar mudou porque mudaram os tempos e as expectativas em relação ao futuro. Obviamente, se soubermos aproveitar.
3. FUP: Em seu prognóstico, teremos infraestrutura competitiva em movimento, e o governo federal com menos apetite para consumir a riqueza aqui gerada?
JACM: As lacunas na infraestrutura do Brasil representam uma enorme oportunidade para o Brasil, pois há, no mundo, trilhões de dólares em busca de negócios para efetivarem investimentos, requerendo, tão somente, ambiente político estável, segurança para as regras jurídicas e desburocratização dos regramentos para a economia. Na Amazônia e, claro, incluindo o estado do Amazonas, há uma respeitável agenda para esses investimentos em infraestrutura, que envolve estradas, portos, aeroportos, serviços de telecomunicação, energia elétrica, exploração de gás natural, entre outras. Quanto a voracidade arrecadadora do poder público, em todos os níveis, tenho a impressão de que não arrefecerá, mesmo porque, nos períodos que virão, o Estado, como ente jurídico, será chamado a ter um papel mais ativo na economia. Entretanto, com uma sociedade civil agora mais atenta, é possível esperar mais vigilância.
4. FUP: As entidades de classe e a Suframa, apesar dos discretos avanços, continuam lutando pela liberação de PPBs, um embargo disfarçado do adensamento e diversificação do Polo Industrial de Manaus. Você acredita em flexibilização dos projetos, boa vontade para reconstruir a BR319, tirar do papel o Polo Gás-Químico ou teremos que aguardar muito tempo por condições de trabalho para as empresas?
JACM: Liberação de PPB, contingenciamento de recursos, modificações intempestivas de decretos com efeitos tributários, submissão hierárquica de quarto escalão, e tantos outros óbices ao aperfeiçoamento do modelo ZFM e da agência que o gere, evidenciam, apenas, a perda do caráter estratégico que antes estava associado à essa política federal na região. De um lado, essa realidade expressa uma certa “indiferença nacional” em relação à região e suas demandas. Mas, de outro, atesta, também, uma “inexistência de vontade regional”, isto é, um mapa para nosso futuro, um consenso mínimo das forças políticas, econômicas e sociais capaz de apontar para um rumo comum. Um plano de longo prazo para dar unidade às vozes e às ações da sociedade, das empresas, dos governos. Esse, talvez, seja o maior obstáculo a empanar a “oportunidade estratégica” que emerge da pandemia, em relação ao futuro da ZFM. Porém, vejo as entidades empresariais e a sociedade civil bem mais atentos, engajados e interessados por um amanhã mais exitoso. Oxalá, assim seja.
(*) José Alberto é Doutor em Desenvolvimento Regional pela UFAM, Universidade Federal do Amazonas