14/05/2021 10:28
Fonte: Brasil Amazônia Agora
A história costuma avançar em momentos de indignação e revolta. É assim que surgem algumas revoluções, ou grandes mudanças em que as pessoas conseguem materializar um novo olhar, mais comprometido e atento aos apelos comuns e que despertam sentimentos adormecidos, especialmente a nobreza que habita em todos nós.
Belmiro Vianez Filho
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As Águas sobem e os fatos se impõem, implacavelmente, causando alertas e oferecendo sinais provocantes de reflexão. Há sempre um significado sob as aparências que contemplamos no cotidiano. Infelizmente, nossas mentes também costumam ficar embotadas e limitadas ao que aparece sem dar brecha para liberar com novas razões tudo aquilo que o coração sente. Nosso rio caudaloso, ao mesmo tempo escuro e cristalino, desde sempre tem muito que nos contar e reclamar de nossa acomodação com sua presença em tantas situações. Vejamos porquê…
As Águas escancararam mais ainda a invasão dos detritos desta sociedade atrasada em que vivemos – ou que somos – e que ainda não percebeu que a vida se origina e se traduz a partir e por causa da água. Sem água não seríamos nada além que um planeta arenoso, entretanto, com ela, de tanto maltratá-la, nos tornamos uma civilização doente, inconsequente, irresponsável. O plástico, o mercúrio, os detritos químicos despejados, criminosamente, voltarão para agravar nossa patologia social. Até quando?
Refiro-me, também, ao leilão das instalações do Rio Negro, o Atlético Rio Negro Clube, judicializado e encalacrado, incluindo a ação civil pública da qual participei. Foi preciso vir da Ásia um cidadão visionário e comprometido com nossa terra, para nos propiciar um alerta do tipo “presta atenção”. Aproveito para esclarecer que aplaudo seu gesto e agradeço o testemunho de sabedoria que suas intenções traduzem. Nesse contexto, por termos ficado de costas para o desafio que implica nossa identidade urbana e cultural, cabe reconhecer que a origem desse episódio é de inteira responsabilidade da omissão social/cultural/memorial que se entranhou no tecido social.
Entretanto, ainda é tempo aproveitar a lição e tentar mudar, ao menos, parte das mazelas que se recusam a ficar sob os tapetes, a começar pelo nosso quintal. O fato nos questiona: é isso que nós queremos, entregar o patrimônio simbólico que evoca e deveria seguir evocando a sinapse sagrada da comunhão e da identidade esportiva, cultural, popular que o Rio Negro representa em nosso imaginário? O Atlético Rio Negro Clube traz de volta a festa e a paixão de um Parque amazonense lotado, ou das pelejas frenéticas do Estádio da Colina, merecidamente nominado de Ismael Benigno, um benemérito da tradição esportiva e cívica desta cidade esburacada em sentido amplo e literal. A paixão do Galo de Barriga Preta não morrerá.
Os buracos tem nome e identidade. Pensando no plural e com honestidade, nós sabemos como esta sociedade permitiu que chegássemos a esse ponto, esvaziando o esporte amador e o avanço profissional dos desportos no Amazonas, um ex-campeão de tantas glórias e de tanto vexame. A falência dos times por razões diversas e o esvaziamento da Vila Olímpica, que nos deu tantas medalhas, estão aí para nos constranger. Fomos nós que escolhemos pessoas que deram cabo claro nos pequenos avanços da questão cultural. O que restou do glamour de uma cidade que foi pioneira em luz elétrica, telefonia, na instalação da primeira Universidade do Brasil , na exibição das maiores companhias líricas no início do Século XX etc., etc... Um escárnio, como diria Heliodoro Balbi, um nome adormecido na Praça que nunca foi da Polícia.
Com esta reflexão o que poderíamos dizer a nós mesmos, além de indagar?: “…vamos fazer uma assembleia geral da tribo, vamos sentar com o empresário Sung Um Song, convidá-lo a ocupar a direção do Conselho de Notáveis, se todos concordarem?” Razões não faltam. Assim, deixamos claro que xenofobia não integra nossa visão de mundo. Muito pelo contrário. E aí podemos promover uma gestão sustentável do Atlético Rio Negro Clube, sob a convicção de que os clubes, os monumentos, os movimentos culturais e sociais, seus líderes e heróis anônimos, têm uma relação histórica, sentimental e de aglutinação sociocultural com a cidade. Olímpico, Fast, Sul América, São Raimundo, tantas paixões, recordações e as ambições dos sonhos vão permanecer.
A história costuma avançar em momentos de indignação e revolta. É assim que surgem algumas revoluções, ou grandes mudanças em que as pessoas conseguem materializar um novo olhar, mais comprometido e atento aos apelos comuns e que despertam sentimentos adormecidos, especialmente a nobreza que habita em todos nós. Disso não temos dúvidas. O episódio Rio Negro, assim como a enchente do majestoso das Águas que lhe empresta o nome, é a chance de nós nos encharcamos do cuidado com nós mesmos, a vida em comunhão, zelo e guarda com os presentes que a Natureza e a Cultura – em caixa alta – nos ofertaram. Com um saudável agravante: assim procedendo, estaremos ensaiando um conjunto de novas atitudes, especialmente com o novo gesto de escolher bem nossos representantes e com eles governar passo a passo o interesse e o cuidado com os presentes recebidos. A hora é esta!