29/10/2015 12:41
Homo homini lupus
Quem conhece um pouco do cotidiano britânico, entende o papel determinante da cultura filosófica na conduta que assimilou a visão de mundo do inglês Thomas Hobbes, do século XVII, o primeiro filósofo da modernidade e um dos mais influentes na consolidação da visão liberal do mundo. Ali, a autoridade do Contrato Social é levada ao pé da letra. Ao menos no zelo e guarda do patrimônio público. Foi Hobbes que atualizou a frasea do dramaturgo romano Plauto, do século III, AC, segundo, a qual “o homem é o lobo do homem” Hobbes modernizou a assertiva Homo, homini lupus, mostrando que no Estado Natural impera à vontade, o desejo e a liberdade do homem, fonte de disputas, conflitos e distorções, daí as guerras. Por isso a necessidade de um Contrato Social, onde o homem abdica de sua liberdade em nome da ordem que é regida pela Lei. E quem gerencia este contrato é um poder moderador. Os ingleses, nesse contexto, são paradigmas de respeito à Lei, sempre na perspectiva da cidadania, e do bem comum. E é exatamente no âmbito da discussão do conceito de coisa pública, para que o Estado Natural não seja naturalmente transformado no Contrato Social dos mais espertos, onde a manobra das consciências privilegiem os mais aptos a explorar os demais, é que vale a pena retomar – no âmbito, insistimos, do Contrato Social, ou seja, do aparato legal, - o imbróglio dos buracos, precisamente as crateras que persistem nas ruas do polo industrial de Manaus, bem como nos demais equipamentos públicos sob a gestão da Suframa. Retomar este assunto é refletir sobre o paradoxo de sua responsabilidade e apontar as contradições que persistem na interpretação dos zeladores e guardiões da Lei. E avançar neste contrassenso que faz persistir o axioma de Plauto.
A lei, o espírito e os buracos
Nesta quarta-feira, em três quartos de página na imprensa local, a Suframa voltou a ser alvo de bombardeio por conta de suas iniciativas para gerenciar um dos mais graves e prosaicos problemas de suas atribuições de gerente do modelo Zona Franca de Manaus, os buracos das vias do polo industrial. Curiosa é uma veiculação com tanto destaque num momento em que a justiça federal deve reconhecer a lisura de propósitos e conduta desta Entidade na tentativa desesperada de encontrar saídas para este drama urbano constrangedor é inaceitável, quase tão antigo quanto a instalação do Distrito Industrial. Alegando um tal de Princípio de Especialidade, uma jurisprudência inóspita num mundo transdisciplinar e na vigência das preocupações holísticas, para dar conta da compreensão e intervenção no mundo real, o Ministério Público recomenda que a Suframa “se abstenha de assinar novos convênios para recuperação das ruas do polo industrial”. É estranho que este mesmo zelador se mostre ausente e indiferente às determinações legais que poderiam impedir que mortes que ali ocorreram por conta dos buracos. A função viária, em parte, é do município, que recolhem as taxas de serviços e territoriais da área, mas cujas finanças foram tolhidas por razões sobejamente conhecidas de uma política rasteira que privilegia a querela politiqueira em detrimento do tecido social. Aqui a miséria humana impera igualmente ao arrepio do Contrato Social, ou seja, da Lei tendo em vista o resguardo do munícipe, isto é, do cidadão. O zelador do estatuto legal jamais se manifestou contra o confisco das verbas da Suframa e, apenas recentemente, tomou interesse pela fuga das verbas de P&D, ambas amparadas por Lei para fazer funcionar o modelo e sua relação com a promoção do cidadão. No raciocínio meramente legalista, cabe lembrar aos zeladores da Lex o Art. 6º, da Lei 9960, de janeiro de 2000, segundo o qual, “Os recursos provenientes da TSA serão destinados exclusivamente ao custeio e às atividades fins da Suframa, obedecidas as prioridades por ela estabelecidas”. Todo o espalhafato midiático desacata este estatuto legal e claramente definido. Dentro da Lei, vale insistir, o Convênio ora vigente, firmado entre a Suframa e o Estado, teve origem, precisamente, numa determinação do prefeito municipal, autorizando, em nome dos poderes que lhe são conferidos, que os entes federativos da União e do Estado cumprissem o ofício de reparar os buracos. A Lei, vista pelo legalismo do avestruz, decididamente, mata, enquanto o Espirito, diz o texto bíblico, vivifica.
À luz do BEM COMUM
A Constituição de 1988 é uma conquista de toda a sociedade brasileira, assim como as Leis Trabalhistas, da CLT de Getúlio Vargas, que normatizam o interesse do fator trabalho, essencial e sagrado na dinâmica da economia e do tecido social. Ambas, porém, como toda a legislação e instituições, a despeito da universalidade de seus princípios, precisam de permanentes ajustes, adaptações e revisões na aplicação cotidiana de seus postulados. Daí a importância do entendimento, da oitiva entre as partes e da negociação solidária. Diante da constatação do problema da discriminação e da homofobia, que oprime o homossexualismo no cotidiano e nas instituições, o Papa Francisco, mesmo conhecendo a Lei - titular da mais sólida instituição da História, e a despeito de poder invocar a infalibilidade do cargo em matéria de fé e dogma – foi enfático: "Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?". A magnanimidade da postura do Pontífice sinaliza e ilustra a sabedoria do entendimento, a grandeza de olhar mais longe quando alguém chega mais perto de uma questão. Isso permite retomar o preceito segundo o qual a Lei, do ponto de vista do legalismo intransigente e autoritário, pode aniquilar a pessoa ou um agrupamento social, enquanto o espírito de entendimento dialogal é capaz de achar saídas para o que mais importa: o BEM COMUM, no sentido da acolhida, da negociação transparente e positiva da boa vontade. Isso nada tem a ver com anarquia ou anomia de valores ou adoção da amoralidade, muito pelo contrário. Ensaia-se aqui a defesa e a procura de um humanismo sadio, que transcenda o autoritarismo legalista e afirme a ética solidária da conversação fecunda.
=================================================================================
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
Publicado no Jornal do Commercio do dia 29.10.2015