25/04/2014 09:55
Goela abaixo
O que é surpreendente é a aceitação passiva dessa alternativa surpreendente de compatibilizar a tecnologia da modernidade com um gargalo maior para a competitividade. Ora, se fiscalizar é tarefa da Receita, a manifestação física da volúpia fiscal do país, que consome 54,42% da riqueza produzida no Polo Industrial de Manaus, por que aceitar sem indignação que esta tarefa constitucional se tenha transformado num serviço privado, a um custo adicional que é substantivamente maior, em vários casos, na comparação com outras praças? Inicialmente, a Receita Federal planejava adquirir os aparelhos. Mas o alto valor dos escâneres - cada um custa mais de R$ 10 milhões - fez com que a obrigação fosse repassada às instalações alfandegadas. Sem maiores questionamentos, a mudança entrou na contramão das novas diretrizes do Governo Federal, com a Lei dos Portos, especialmente em um momento em que a tese de que é necessário reduzir os preços da atividade portuária, para garantir a competitividade, é repetida sistematicamente pelas autoridades.
Promessa e dívidas
No pacote portuário de 2012, de enfrentamento do Custo Brasil, publicado para uma plateia inquieta de empresários assustados com a posição dramática no ranking da economia de 144 países no quesito logística portuária, onde o Brasil ocupava a 135ª posição, com sua estrutura africana de equipamentos e custos europeus de manutenção e frete. Com o silêncio obsequioso dos usuários que não têm para onde correr nem a quem apelar, a competitividade segue um mito a perseguir. No tal pacote, o governo federal anunciou medidas para incentivar a modernização da infraestrutura e da gestão portuária, a expansão dos investimentos privados no setor, a redução de custos e o aumento da eficiência dos portos, com investimentos de R$ 54,2 bilhões, além da nova Lei dos Portos. Para o Amazonas, Manaus e Itacoatiara, o total seria de R$ 1,075 bilhão até 2017. O CIEAM/FIEAM, através de seu Comitê de Logística, Coordenado pelo Prof. Dr. Augusto Rocha, aprovou o programa, porém manifestou o temor que as propostas não saíssem do papel. "Em Manaus existem três portos para a carga industrial, mas somente dois terminais privados tem capacidade adequada para tal. O principal problema é que as ações de fiscalização não funcionam satisfatoriamente.” Além da questão portuária, de seus custos elevados em relação a outros terminais portuários, o professor Augusto Rocha indagou sobre o descaso com as hidrovias, com a exploração mais bem direcionada dos recursos fluviais da região para um auxílio na logística portuária regional. "A Amazônia representa cerca de 60% do território nacional e é a maior do mundo em disponibilidade de água. Este potencial é explorado numa escala muito discreta, o que se agrava com a ausência de rodovias relevantes ou ferrovias conectadas à malha nacional, integradas aos portos”. Passados dois anos, o brado de alerta do presidente do CIEAM, pela construção de um novo porto para solucionar os problemas portuários da cidade. "Manaus precisa mesmo de um novo porto, e isso só não aconteceu até agora porque esbarramos na burocracia e porque o poder público ainda não se mexeu como devia". De concreto, com o Pacote Logístico e a Lei dos Portos, a grande novidade para a modernização portuária do Polo Industrial de Manaus, é a sofisticação fiscalizatória do escaneamento de contêiner com a adição de mais um custo a comprometer a competitividade da indústria.
Esperando Godot
À espera de uma equação mais saudável entre modernização tecnológica e competitividade, o Brasil segue na última colocação em estrutura rodoviária, ferroviária, quilometragem de dutos e, mesmo tendo a maior malha fluvial navegável do mundo, representada pela imensidade dos rios amazônicos, no item hidrovias, é uma tragédia. Recentemente, o embaixador da Bélgica esteve por aqui e voltou a sinalizar o que seu país pode oferecer para a navegação fluvial, balizamento, estabilização e recuperação de hidrovias, nossa vocação maior de logística florestal/fluvial. Eles perceberam as vantagens da logística dos rios. No pacote portuário, menos de R$ 20 bilhões serão aplicados até o final do mandato, dos R$ 132 bilhões previstos. Nunca é demais recordar que, além da descoberta do processo de vulcanização que permitiu industrializar o látex, a navegação de cabotagem, infraestrutura coerente com a vocação logística da economia regional, viabilizou o Ciclo da Borracha há 100 anos. Os ingleses investiram pesado na construção de barcos e portos, para agregar 60% de crescimento na própria economia na virada do século XIX, e na modernização agrícola de cultivo da seringueira.
Equação perversa
O exportador brasileiro gasta em torno de US$ 125 para levar uma tonelada de soja de Mato Grosso ao Porto de Santos, enquanto o concorrente americano paga US$ 25 para o transporte entre Illinois e Nova Orleans. Daí o esforço hercúleo do agronegócio do Mato Grosso assegurar as rotas de exportação de grãos a partir da Amazônia. No modal rodoviário, são 4 milhões de quilômetros de rodovias asfaltadas nos Estados Unidos, 1,5 milhão na China e 196 mil no Brasil, no ferroviário os americanos despontam com 226 mil quilômetros de extensão, os chineses, com 74 mil, e os canadenses, com 48 mil, e comparou-as com as brasileiras, com apenas 29 mil. O contraste é mais espantoso, quando se trata do transporte hidroviário. Apesar de sua invejável malha fluvial, o Brasil tem apenas 7 mil quilômetros de hidrovias, enquanto os Estados Unidos têm 41 mil, a China, 124 mil, e a Rússia, 102 mil. O balizamento do Rio Madeira, uma promessa de investimento que já está prestes a completar duas décadas, continua debaixo d’água.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
Publicado no Jornal do Commercio do dia 25.04.2014