04/08/2021 09:24
Na 12ª edição dos Diálogos da Amazônia, ocasião em que foi lançado o Documento Amazônia do Futuro, um conjunto de propostas de ampliação e diversificação da economia na Amazônia, o convidado especial foi o parlamentar amazonense Marcelo Ramos, que debateu com Márcio Holland, professor da FGV-Escola de Economia/SP e com o jornalista Carlos Rydlewski, do Valor Econômico, sob a moderação de Daniel Vargas, também da FGV/ SP. Apresentamos aqui os principais temas do debate, lembrando que o conteúdo integral pode ser acessado no YouTube. Confira.
Coluna Follow-up por Alfredo Lopes
MARCELO RAMOS: exposição Nós temos um grande centro de pesquisa que é o INPA, e temos zero de pesquisa aplicada. A gente conhece muito da Amazônia mas não tem nenhuma capacidade de transformar esse conhecimento de pesquisa básica em pesquisa aplicada no ponto de vista econômico, e esse é o grande desafio! Falar de bioeconomia, e jogar palavra ao vento não resolve! Tem que traduzir isso em investimento, em pesquisa em Biotecnologia!
Eu sou daqueles que acham - acho não, tenho convicção! – de que nós usamos muito mal os recursos de P&D da Lei de Informática que vão totalizar 800 milhões esse ano. Cada um pesquisa o que bem entende, centro de pesquisas de fundo de quintal captando recursos para fazer pesquisa sem nenhuma conexão com esses objetivos estratégicos de futuro de desenvolvimento sustentável para nossa região.
Os recursos de P&D da Lei da Informática tem que ser obrigatoriamente aplicados na Pesquisa em área de Bioeconomia. Obrigatoriamente aplicado na pesquisa numa indústria de software, porque indústria de software é alocacional, ou seja, não precisa de porto, não precisa de aeroporto nem de estrada. Precisa de conhecimento e de nuvem no sentido tecnológico da palavra.
Eu descobri que o Ministério publicou a portaria regulamentando P&D e tirou investimento em desenvolvimento de software, isso é um absurdo!
Esse futuro sustentável da ZFM passa por um polo de bioeconomia, por um polo de desenvolvimento de software, e por uma economia criativa, inovadora, que nós estamos anos atrás, que é a economia gerada pelos nossos ativos ambientais para regulação climática no mundo. O Brasil tem o maior ativo florestal para captação de carbono do mundo, e até hoje não tem um mercado regulado de crédito de carbono.
O que vai trazer a Amazon e a Tesla é a regulamentar o crédito de mercado de carbono! É criar mecanismos de certificação dos nossos ativos florestais. Esse futuro de sustentabilidade passa pela ampliação do mix com Bioindústria, Indústria de Software e um mecanismo regulado de crédito de carbono, e só por fim: lembrar que ZFM não pode ser analisada sob a lógica fiscal somente. Sob a lógica de quanto arrecada.
Um dia desses eu conversava com o presidente Arthur Lira: “Só os concentrados de refrigerante renunciam R$18bi, isso paga metade do Bolsa Família” e eu perguntei dele “Você acha que se retirar o incentivo vão continuar fazendo o concentrados na ZFM?
Esquece!” Quando diminuímos os incentivos a Pepsi saiu da ZFM e foi produzir no Uruguai. É uma conta burra! Como foi burra a conta da Ford, que tem gente comemorando que nós deixamos de renunciar 50bi. Ninguém colocou 50bi no lugar, ninguém paga o que eles pagavam de ICMS, de ISS, ninguém contrata o nível de empregabilidade que eles tinham. Isso é uma conta burra, equivocada, e não podemos deixar que o debate sobre ZFM seja contaminada por uma visão fiscalista, porque o incentivo da ZFM é de natureza extrafiscal.
É muito difícil enfrentar um debate econômico e ambientalmente sustentável no atual governo, porque ele parte de uma premissa equivocada de que na Amazonia só é possível gerar riqueza derrubando a floresta, isso é uma visão tosca, equivocada, mas que perpassa vários setores do governo. Diante disso a partir do parlamente, e aproveitando o ambiente da Cúpula do Clima que acontecerá em Glasgow agora em Novembro, eu apresentei um Projeto de Lei (PL 528) regulando o mercado de carbono no Brasil. Pra confrontar o debate do governo demonstrando que a floresta em pé pode gerar mais riqueza e combater mais a miséria das populações tradicionais no interior da Amazônia do que o desmatamento! O desmatamento é agressivo no ponto de vista dessas populações, geralmente conflituoso, danoso no ponto de vista ambiental e não reverte nada de riqueza pra essa gente.
Carlos Rydlewski: E por que essa política ambiental do governo tem tido apoio do Congresso? M.R. O Congresso majoritariamente embarca nessa visão tosca e equivocada, e nós estamos tentando a partir desse debate de crédito de carbono no Brasil fazer um enfrentamento que acerta o centro da argumentação deles, que é “a floresta fica toda em pé e o ribeirinho e o indígena tão morrendo de fome” Não! Nós estamos demonstrando que o mundo desenvolveu mecanismos econômicos em que hoje a floresta em pé pode gerar muito mais riqueza para essas populações tradicionais! Nós temos os maiores ativos florestais do planeta! A maior capacidade de absorção de carbono emitido na floresta. Agora nós precisamos monetizar isso! Criar mecanismos de certificação que dialoguem com mercados, principalmente o europeu; criar um inventário pra que quem emite tenha que preservar e pagar por isso, criar um mecanismo que eu brinco como se fosse do atleta formador: cada venda do crédito, uma parte dessa venda tem que ser revertida para a população tradicional que faz a preservação no dia a dia. Estamos tentando enfrentar esse debate sobre essa lógica, até porque o mundo tem reagido duramente a essa irresponsabilidade ambiental do Brasil. Ano passado um grupo de 20 maiores investidores da Europa publicaram uma carta dizendo que deixariam de investir os fundos no Brasil por conta dos problemas ambientais, e o agronegócios exportador, moderno, com a cabeça na economia do futuro, já percebeu que a Amazônia é o lastro pra que ele se viabilize no comércio internacional. A EU anunciou que vai taxar emissão! Vai criar um imposto para que quem entre sem demonstrar neutralidade de carbono vai ter que pagar tributo pra entrar. Então nós temos mecanismos no mundo também que vão forçar o Brasil a entrar nessa nova economia.
Márcio Holland . Deputado Marcelo, você citou o exemplo de gastos tributários de acordo com o relatório da Receita do ano passado. No gráfico, a ZFM tem uma renúncia fiscal de R$24bi – esse conceito de renúncia fiscal, ou de gasto tributário, é um conceito relativamente confuso, a própria Receita Federal reconhece a limitação dessa conta. Vou fazer um exemplo hipotético. Se acabarmos com a ZFM hoje, a RF não recebe R$24Bi, ela recebe bem menos que isso de volta. Ao mesmo tempo, se acabarmos com a ZFM, com certeza a União deixa de arrecadar R$17,8bi em tributos junto ao estado do AM. O setor industrial do AM arrecada R$4,7 bilhões para os cofres do Estado, e ainda tem as contribuições dos dois fundos, e existe o apelo para alterarmos esses fundos que é aquele fundo FTI (fundo de fomento ao Turismo, Infraestrutura e Serviço e Interiorização do desenvolvimento da Amazônia) e o Fundo de Fomento ao Micro e Pequeno empresário, os dois juntos dão R$1,7bi, incluindo a UEA, Universidade do Estado do Amazonas. A gente sempre esquece que ela é multicampi, ou seja, está em praticamente todos os municípios. UEA à parte, os recursos destinados aos cofres do Estado os recursos destinados para interiorização do desenvolvimento são usados para pagamento de diversas despesas correntes, e não se revertem para P&D, para Bioeconomia, Biotech, desenvolvimento de microempreendedores em geral. E ainda tem as contrapartidas que o deputado citou, de investimento federais em P&D: quase R$900 milhões. Traduzindo:não é falta de dinheiro. Mas esse é o quadro que a gente tem, de alta desigualdade social e de renda. Nas propostas do Documento Amazônia do Futuro, a gente elencou um grupo de novos vetores econômicos que poderiam se estimulada a partir desses recursos, com a melhoria da governança desses recursos, mudando a lei estadual inclusive, pra permitir que a ZFM tenha um novo modelo, tenha noas metas e nova governança. Justamente para estimular esse novo ciclo. Minha pergunta é: por onde começar este movimento de mudança?
M.R. Tenho certeza de que nós já começamos. Isso é parte de um processo. Precisamos ter clareza de que nós não podemos ser pegos de surpresa em 2073, desesperados por uma nova prorrogação do modelo ZFM. A rigor, deveríamos voltar 10 anos, porque não existe o mínimo de investimento industrial sem a mínima previsibilidade de 10 anos. Se o programa, antes de chegar em 2063, não tiver sustentabilidade econômica, ele começa a acabar no dia seguinte, faltando 10 anos ainda. A gente já começou, agora falta isso sair da periferia dos nossos debates acadêmicos, das associações vinculadas a indústria do estado do Amazonas, que são muito ativas, e isso precisa contaminar os governos, contaminar a academia, a universidade precisa debater isso! O governo precisa debater isso! Infelizmente nós não temos projeto. O último plano estratégico que foi concebido no Amazonas foi o PlanAmazon, ainda sob a batuta do saudoso Raimar Aguiar, no inícios dos anos 1990. Depois disso, do governo do Amazonas é levado pelo vento, pelo improviso, você não tem planejamento de médio e longo prazo. Precisamos, nesses nossos debates, tentar sensibilizar os governos para que eles sejam protagonistas na construção desse novo modelo de desenvolvimento. Como você disse, recurso tem! FTI, FMPS, Fundo da UEA, recursos de P&D da lei de informática, uma grande capacidade de investimento de um Estado que tem as contas públicas equilibradas e, quero lembrar, esses fundos, na verdade, diminuem o impacto que a ZFM poderia gerar no interior, porque ele renunciam o ICMS, transforma em contribuição pró-forma, só que o ICMS é dividido pelos municípios, e a contribuição o estado fica com tudo. Então, o impacto da ZFM seria ainda maior nessa distribuição de riqueza no interior do estado se não fosse essa manobra tributária de transformar imposto em contribuição.
*esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br