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Manaus, a joia da Coroa

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23/10/2014 12:55

A expressão britânica Crown Jewels, cunhada para descrever o poder, a glória e a riqueza do Império Inglês - cuja presença na Amazônia nos permitiu, historicamente, o conhecimento e as sequelas desse reinado – refere-se, simbolicamente, às vestimentas e objetos usados pelos soberanos britânicos durante a Coroação e nas demais cerimônias de Estado. Neles se consigna o glamour e a transcendência de um domínio, “onde o sol nunca se punha”, que durou quase 4 séculos. Esse patrimônio histórico foi construído com inteligência e obstinação, que desembarcou no talento para transformar em ouro as oportunidades cotidianas, onde reside aquilo que a absoluta maioria das pessoas comuns não consegue vislumbrar. A celebração dos 345 anos de Manaus nos permite conferir-lhe o status de Joia da Coroa, por sua história glamorosa e generosa na produção de riquezas, tanto no Ciclo da Borracha em que a região comparecia com 45% do PIB nacional, toda a riqueza produzida pelo país na virada para o século XX, como na transferência para a União – há quase 50 anos – de mais de 50% da riqueza que produz. Desse ponto de vista, e ponderando todas a generosa contribuição para interiorizar o desenvolvimento com pesquisa, inovação, qualificação de recursos humanos e fomento das cadeias produtivas, Manaus, decididamente, é uma joia preciosa, lastimavelmente depreciada pela negligência da ação pública, indiferente e incapaz de resgatar, pelo menos, a abordagem britânica no trato de suas potencialidades. Promulgada a Emenda Constitucional 80, pelo Congresso Nacional no dia 5 de agosto último, e às vésperas de definir os novos dirigentes, temos elementos para definir nosso apoio na medida em que revisitarmos nossa história recente com a União Federal. Em que medida, na relação do modelo ZFM com a União - a maior beneficiaria da movimentação intensa das empresas, dos trabalhadores e servidores públicos aqui mobilizados – foi exequível valorizar, polir, exibir e transformar as potencialidades deste tesouro em oportunidades inteligentes, coerentes para o desenvolvimento regional e nacional? Além da renúncia fiscal – se não houvesse renúncia os danos e abandonos seriam incomparavelmente maiores – qual é a contrapartida substantiva dos últimos trinta anos para Manaus, Amazonas e Amazônia, para o volume de recursos arrecadados pelos cofres federais? Exclusão da região do Plano Nacional de Banda Larga, conivência com o boicote à modernização portuária de Manaus, e absoluta falta de planejamento e conexão entre os produtores e distribuidores de energia para o modelo, alvo de apagões diários, causando estragos de toda a ordem.

Bandeiras comuns


Ainda perdura o rescaldo da paralisação dos funcionários da Suframa, que há seis meses afetou a indústria e o comércio da região. Eles cruzaram os braços novamente nesta quarta-feira, em consequência do descumprimento de acordos firmados com o Governo Federal. E o que há em comum, nestas bandeiras de reivindicação dos servidores que respondem por serviços de Vistoria de Mercadorias para indústria e comércio, em todos os estados de abrangência, pelo acompanhamento de Projetos Industriais e Licenciamento de Importação, e que exigem autonomia administrativa e financeira da autarquia, a falta de interiorização do desenvolvimento, descaso com Processos Produtivos Básicos (PPB) de interesse regional e nacional, entre outras dificuldades operacionais. São pautas setoriais com implicações globais, às quais se agregam redução e desvio de finalidades das verbas de pesquisa e desenvolvimento, verbas do Fundo Amazônia e de Ciência, Tecnologia e Inovação, a indefinição do modelo de gestão do Centro de Biotecnologia da Amazônia, do confisco das verbas da Suframa, cujo esvaziamento é crescente e preocupante. Como planejar a luta para o novo ano que se avizinha – no contexto de desafios com mais 59 anos de prorrogação dos incentivos, uma decisão aprovada pela absoluta maioria dos parlamentares do Congresso Nacional.

Reflexos da indiferença


A paralisação das atividades dos servidores da Suframa, na ultima quarta-feira, deve servir de alerta para os setores locais envolvidos. E já ficou claro que a greve de quase dois meses no início do ano não serviu para sensibilizar o governo, envolvido em outras prioridades impostas por atores políticos mais influentes. O travamento da ZFM, na dinâmica de sua cadeia produtiva e autonomia administrativa, porém, seguiu intacto, não apenas pela continuidade do esvaziamento da Suframa, a autarquia que administra os incentivos fiscais, como na falta de perspectiva para equacionar os gargalos de infraestrutura. É bem verdade que em ano de Copa e de temporada eleitoral, discutir essas questões é lutar contra moinhos de ventos e chegar a lugar nenhum. Daí a expectativa eleitoral e a necessidade de mobilização geral. Afinal, seja lá quem for o vencedor na peleja local e nacional, os desafios permanecerão crescendo e convocando as entidades e instituições locais a assumirem com desenvoltura e obstinação os problemas e os destinos da região: a banda larga lenta e cara, energia sobrando sem estrutura de distribuição, a estrutura portuária duopolizada e cara. E de quebra, a falta de transparência por parte das instituições públicas dos recursos robustos recolhidos pela indústria para qualificação de recursos humanos e interiorização do desenvolvimento.

Poder estéril


Com que autoridade burocratas dos ministérios do Desenvolvimento e Ciência, Tecnologia & Inovação, vão continuar zombando dos prazos para PPB, o documento necessário à liberação do início da produção de determinados itens que, em passado recente, chegou a superar quatro anos de espera, afetando o aporte de novos investimentos à região numa das áreas mais coerentes com sua vocação de novos empreendimentos, a indústria de fármacos. Após muitas discussões o MDIC se comprometeu a dar a devida atenção e celeridade no processo de avaliação de PPBs, entretanto, o prazo de 120 dias continua a ser descumprido. A mesma burocracia autoritária, que se constituiu em poder paralelo, segue imperando na distribuição dos recursos de P&D, recolhidos pelas empresas da Zona Franca de Manaus no setor de informática. Um boicote sombrio, que provoca incertezas e preocupações a respeito da atuação da aplicabilidade dos recursos arrecadados, travados nos escaninhos perversos da burocracia.

Mina republicana


Manaus, esta joia descuidada da Coroa, está de parabéns pelo talento de seus trabalhadores e empreendedores. Os incentivos fiscais a ela concedidos retornam em forma de riqueza distribuída entre funcionários, proprietários e governo de maneira bem diferente daquela que o preconceito sugere. Aqui não existe paraíso fiscal nem investimento público para a instalação das indústrias. Os benefícios só são aplicados quando o item produzido chega ao mercado e gera mais de 2 milhões de empregos em todo o país. De saída, a riqueza gerada por esta produção é compartilhada com a União num percentual de 54,42%. Em seguida 27,28% são distribuídos entre os empregados; e apenas 1,82% fica com os empresários, de acordo com estudos da Universidade de São Paulo e dados da Receita Federal. Em comparação, no restante do país o governo recebe 41,54% de toda a produção; os empregados ficam com 36,31%; e os empresários, com 6,44%. Assim como Manaus comparece com quase a metade dos impostos recolhidos pela União na Região Norte, no total geral das contribuições, o Amazonas é um dos oito estados da Federação que mais recolhem do que recebem recursos. A exportação de recursos para a União em 2013 foi de R$ 12,967 bilhões, e recebeu de volta (transferência) apenas R$ 2,753 bilhões, gerando uma exportação líquida de R$ 10,213 bilhões, uma informação que escapa aos desafetos da ZFM, mas confere a Manaus o estatuto de mina de ouro da República.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br

Publicado no Jornal do Commercio do dia 23.10.2014

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