07/02/2020 09:02
A banalização da desigualdade, eis uma visão de mundo com a qual o tecido social se ajustou, sem maior indignação. Um capitalismo onde a força de trabalho se miserabiliza, ou seja, tem seu poder de compra corroído por um patrão superior, o gestor público, onde os servidores públicos são mais aquinhoados do que o capitalista tradicional. Vamos tomar o exemplo de uma faxineira que recebe R$ 800,00/mês e um servidor público graduado que ganha R$ 8.000,00/mês. Ambos compram mensalmente a cesta básica de alimentos por R$ 240,00. O custo aproximado de impostos é de R$ 100,00. Isso representa 30%do salário da diarista e aproximadamente 3% do salário do servidor.
As desigualdades regionais
Os exemplos da disparidade também se aplicam aos estados. Os habitantes da Amazônia brasileira estão submetidos aos mesmos custos fiscais e tributários praticados na região Sudeste, a mais aquinhoada do Brasil, embora não usufruam dos mesmos benefícios que a União propicia. Mesmo os que habitam em regiões compensadas por contrapartidas fiscais, como é o caso da ZFM, são sujeitos ao mesmo formato de impostos. Pagamos, como contribuintes comuns, os mesmos tributos no setor de transportes e combustíveis que são praticados em Campinas onde o investimento federal participa na infraestrutura competitiva de quem empreende na região. Por isso, a proposta federal de zerar o ICMS do combustível no âmbito estadual teria consequências mais funestas no Amazonas do que em São Paulo.
Redução da eficiência e competitividade
“Em termos gerais, diz Pedro Rossi, professor de Economia da Unicamp, é preciso aumentar os impostos que incidem sobre a renda e a riqueza e reduzir o peso dos impostos indiretos, que além de piorar a distribuição de renda, reduzem a eficiência e a competitividade do sistema produtivo. Isso aumenta o custo das mercadorias e dos serviços brasileiros relativamente aos de países com carga tributária centrada na renda e na riqueza, prejudicando a competitividade das empresas e a eficiência do sistema econômico doméstico.”
Imposto único e país desigual
Um dos grandes equívocos da PEC 45, a proposta mais debatida no Congresso Nacional, é a suposição de que o Brasil é um país igual, em todos os sentidos, inclusive regional. Segundo o professor/doutor Marco Aurélio Greco, com a autoridade de Advogado renomado internacionalmente, Doutor em Direito, Ex-Professor da PUC-SP e da FGV Direito SP e Membro Associado da EATLP-European Association of Tax Law Professors, essa anomalia da uniformidade da tributação no consumo dependeria de pelo menos de quatro pressupostos que não temos: 1) nível de renda da população tem que ser razoavelmente uniforme; 2) perfil de consumo da população deve ser razoavelmente uniforme; 3) a distribuição territorial da população e do consumo deve ser razoavelmente uniforme; e 4) dimensão territorial não pode atrapalhar. Como aplicá-los se nenhum desses pressupostos são atendidos no Brasil?
Danos maiores que benefícios
O Professor Greco esteve palestrando no Seminário sobre Reforma Fiscal, em agosto último, promovido pelas entidades de classe da Indústria, CIEAM e FIEAM. E deixou bem claro que os danos são maiores que os benefícios da PEC 45. “Sobretudo quando se fala de pirâmide de renda, diz ele, há pessoas que ganham um ou dois salários mínimos enquanto outros ganham 500 salários mínimos. Os perfis de consumo são completamente diferentes e totalmente variados.
Perenização da dependência
Daí a pergunta: como ter uma tributação uniforme? Dizer que isso vai ser neutralizado por uma despesa pública é gerar mais dependência do poder público, é criar uma bolsa do IBS, Imposto sobre Bens e Serviços. A perspectiva do consumidor, então, está sendo reduzir o consumo ou depender do estado, além disso, na PEC 45, consta que haverá uma suplementação de renda para o contribuinte de baixa renda por família. Isso traz uma nova preocupação, pois, para uma suplementação dessa natureza, vamos precisar de um número de identificação individual que seja apresentado em todas as transações com o governo, tendo acesso a todas essas informações e podendo consolidar e controlar tudo. Isso tem um efeito que extrapola a questão tributária e compromete a privacidade. Antes de começar uma reforma é preciso enxergar a realidade brasileira.
Quem ganha pouco paga muito
Em suma, a questão é mais complexa do que se supunha. A cobrança de impostos é um tormento na vida dos brasileiros, embora muitos deles desconheçam o alcance da questão. Poucos sabem é que, ao contrário do que o senso comum imagina, o Brasil não está entre os países do mundo que mais cobra tributos e sim entre os que mais taxam a população pobre do país. Aqui, quem tem menos paga mais. E por que isso acontece? Ora, a cangalha tributária se concentra principalmente nos impostos indiretos. As taxas sobre o consumo inseridas nos preços alcançam toda e qualquer mercadoria. Segundo dados levantados pela Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) e pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), 49,7% dos impostos do país são recolhidos desta forma.
O Fisco faz vista grossa para os ricos
Enquanto isso, o Fisco não tributa diretamente a renda ou patrimônio do cidadão, os impostos indiretos acabam passando despercebidos. Exemplos são o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O mesmo não acontece com impostos diretos, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) ou Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), nos quais é possível ver exatamente o valor a ser pago. São as taxas invisíveis sobre o consumo que tornam o sistema tributário brasileiro injusto, já que possuem caráter regressivo. A regressividade significa que os pobres pagam, proporcionalmente à sua renda e ao seu patrimônio, muito mais impostos do que os ricos. Quanto menor o salário, proporcionalmente, maior é a carga tributária. Voltaremos.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br