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PCD: inclusão, burocracia e cidadania

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18/09/2013 10:03

Em seu tratado sobre a burocracia, o sociólogo alemão Max Weber refletiu sobre as causas das disfunções da rotina burocrática – resultante das funções ou responsabilidades formais criadas para ordenar as relações produtivas da sociedade.  Para ele, todas as funções acabam produzindo uma disfunção correspondente, que produz efeito contrário ao que pretendia a função ou atribuição original. E isso ocorre porque a burocracia não leva em conta a chamada organização informal que existe, fatalmente, em qualquer tipo de empresa ou instituição. Mais grave ainda: não há espaço na burocracia para a diversidade, ou para as diferenças individuais do tecido social. Essas diferenças induzem à diversificação de desempenho, soluções e adaptações na atividade organizacional. Nesse contexto, a burocracia vira uma finalidade em si mesma e seus arautos se transformam em seres desconectados de seus semelhantes. Essas premissas ajudam a fundamentar a discussão sobre a Lei das Cotas, e as dificuldades encontradas pelas empresas em resolver o problema da inclusão dos portadores de deficiência no mercado de trabalho.

Responsabilidade social

Por lei, as empresas com mais de cem funcionários devem reservar uma quantidade de vagas para trabalhadores com deficiência, obrigatoriedade que costuma ser descumprida por diversos motivos, inclusive pela falta de candidatos com deficiência para as vagas disponíveis. Num mundo digital de comunicação instantânea uma imagem vale mais do que mil palavras e ninguém, de bom senso, vai deixar que a reputação de sua empresa seja comprometida com as multas de recusa na contratação de candidatos portadores de deficiência. Na prática burocrática, porém, é o que tem ocorrido. As empresas – a despeito de diversas iniciativas e estratégias - não conseguem candidatos para preencher o percentual de 4% ou 5% de deficientes, e são tratadas pela fiscalização como meliantes institucionais. As entidades se mobilizam para equacionar a questão, são pressionadas por seus associados, interessados em escapar das multas e ainda cumprir e demonstrar publicamente seus indicadores de responsabilidade social.

Dura lex sed lex

A Lei das Cotas, indubitavelmente, é um conjunto de estratégias políticas com o propósito indiscutível de promover a igualdade de oportunidades sociais, mediante tratamento preferencial daqueles que historicamente têm sido os perdedores da disputa pelos bens escassos de nossa sociedade. Assim, são políticas de discriminação positiva dispensada aos segmentos populacionais que, devido ao preconceito que sofrem, encontram-se em posição de desvantagem na disputa pelas oportunidades sociais. Este é o substrato legal e ético da demanda por colaboradores com deficiência. A escassez de candidatos, entretanto, está associada a diversas causas. Uma delas reside nas próprias empresas que demoram em criar o ambiente adequado para receber os candidatos com deficiência. Além das empresas, a estrutura de transporte público ainda vai demorar a atender esse segmento especial. Mesmo candidatos que buscam qualificação enfrentam resistência/obstáculos para entrar no mercado de trabalho, por falta de estrutura física e equipamentos adequados para receber trabalhadores com necessidades especiais. Em Manaus e em outros centros de atividade empresarial pelo país afora existem vagas sobrando para pessoas com necessidades especiais. Empresas de RH têm sido cada vez mais procuradas por empresas que pedem processo seletivo para contratação de pessoas com deficiência, principalmente por causa da legislação. A fiscalização uniformiza a todos, quem se ajustou e não consegue contratar e as empresas que não se estruturaram para acolher o segmento em questão. Dura lex sed lex. A lei no esplendor de sua abstração – e intransigência - universal.

Realiza ou atrapalha ?

O trabalho dignifica e realiza o homem. Mas na luta por contratar trabalhadores com deficiência, os empresários descobrem que o trabalho atrapalha o homem. Um dos grandes obstáculos para atrair candidatos é o beneficio concedido pela Previdência às pessoas com deficiência. O deficiente perde o direito no momento em que entra ou retorna ao mercado de trabalho. O candidato se vê entre alternativas incomparáveis e sempre decide pelo que melhor lhe convém: ficar em casa e receber o benefício sem maior esforço. Esse é um fenômeno também detectado entre os beneficiários do Bolsa-família, a distribuição de recursos que tem inibido a mão-de-obra em diversos rincões do país. Atualmente, o segmento industrial, através do Senai, tem somado esforços numa discussão nacional para que o Congresso garanta suporte legal para que os deficientes mantenham ao menos 50% do beneficio caso decidam entrar no mercado de trabalho e que possam recuperá-lo integralmente no caso de afastamento. A iniciativa esbarra numa cultura de acomodação provocada por uma leitura equivocada da ação pública assistencial.

Ações inclusivas

Outra saída para enfrentar a questão é o Programa SENAI de Ações Inclusivas – PSAI, que é coordenado pelo SENAI/Departamento Nacional e desenvolvido em cada Estado. Aqui no Amazonas, o desafio da inclusão vai além das pessoas com necessidades educacionais especiais. A questão indígena tem uma atenção diferenciada, além de migrantes do Haiti e atenção ao acesso das mulheres aos cursos estigmatizados para homens e vice-versa. Sobra atenção ainda para requalificar na educação profissional pessoas acima de 45 anos e idosos, ampliando assim as suas possibilidades de inserção e permanência no mercado de trabalho. Por tudo isso, a inclusão do portador de deficiência no mercado de trabalho vem crescendo constantemente, conforme dados do Ministério do Trabalho e do Emprego. Em 2010, dos 44,1 milhões de vínculos ativos em 31 de dezembro, 306,0 mil foram declarados como pessoas com deficiência, representando 0,7% do total de vínculos empregatícios. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) há, no mundo hoje, 610 milhões de indivíduos com deficiência, dos quais cerca de 390 milhões (63,3%) fazem parte da população economicamente ativa. Conforme dados do último Censo de 2000, cerca de 15% da população tem algum tipo de deficiência (visual, auditiva, física ou múltipla). Foi somente com a regulamentação da Lei 7.853/89, da instituição da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Decreto 3.298/99 e a Lei de Cotas que se concretizaram, no ordenamento jurídico, os princípios de não discriminação e igualdade de oportunidades, baseados em conceitos amplos de inclusão social. E aí residem as dificuldades de implantação da Lei no cotidiano das empresas, um desafio que é de todo o tecido social a despeito das disfunções burocráticas.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do Centro da Indústria do Estado do Amazonas. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
 

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