29/08/2013 15:02
A Lei e o Espírito
A Constituição de 1988 é uma conquista de toda a sociedade brasileira, assim como as Leis Trabalhistas, que normatizam o interesse do fator trabalho, essencial e sagrado na dinâmica da economia e do tecido social. Ambas, porém, como toda a legislação e instituições, a despeito da universalidade de seus princípios, precisam de permanentes ajustes, adaptações e revisões na aplicação cotidiana de seus postulados. Daí a importância do entendimento, da oitiva entre as partes e da negociação solidária. Recentemente, diante da discussão sobre homossexualismo nas instituições, o Papa Francisco - titular da mais sólida instituição da História, e a despeito de poder invocar a infalibilidade do cargo em matéria de fé e dogma – foi enfático: "Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?". A magnanimidade da postura do Pontífice sinaliza e ilustra a sabedoria do entendimento, a grandeza de olhar mais longe quando alguém chega mais perto de uma questão. Isso permite retomar o preceito segundo o qual a Lei, do ponto de vista do legalismo intransigente e autoritário, mata e o espírito vivifica, no sentido da acolhida, da negociação transparente e positiva da boa vontade. Isso nada tem haver com anarquia ou anomia de valores ou adoção da amoralidade, muito pelo contrário. Ensaia-se aqui a defesa e a procura de um humanismo sadio, que transcenda o autoritarismo legalista e afirme a ética solidária da conversação fecunda.
Exacerbação estéril
Essas premissas são invocadas para comentar o recente posicionamento do Ministério Público do Trabalho ao multar algumas empresas do Polo Industrial de Manaus em valores surpreendentes e descabidos, um posicionamento muito parecido ao que o Ministério Público Federal e Estadual, tomados de rigidez exacerbada e preciosismo estéril, tiveram na condução do projeto do Terminal Portuário das Lajes, condenando-o, no limite de suas insinuações e acusações, a habitar nos escaninhos imprevisíveis da Corte Suprema. Como nenhum outro até então, o projeto de modernização portuária, que iria incrementar a competitividade da indústria e a reduzir os custos da cesta básica, foi demonizado sob a acusação de destruir o Encontro das Águas, entre outras aleivosias estapafúrdias que incluíam a ausência de "...estudo conclusivo com o devido esclarecimento sobre o local ser ou não habitat do peixe-boi ou do morcego-pescador", numa orla ocupada há 500 anos, antropizada e manejada por históricos empreendimentos, onde roda 90% da economia do Estado. Em cima do fenômeno ancoram navios petroleiros há 60 anos e não há notícia de que isso comprometa o curso e a beleza do Encontro das Águas. Faltou conversa, no sentido do entendimento proativo, ou atenção maior ao interesse público ali envolvido. Ou não merece trela a consideração de que a empresa, diferentemente de todas as outras do ramo, cumpriu rigorosamente toda a legislação exigida pelo órgão ambiental?
Economia e cidadania
As multas aplicadas por questões trabalhistas pelo MPT às empresas do Distrito devem alcançar, até aqui, quase R$ 1 bilhão, valores próximos aos que tem sido aprovados nas reuniões do Conselho de Administração da Suframa, com a previsão de gerar milhares de empregos. É essencial registrar que não estamos advogando o desrespeito às leis trabalhistas, jamais o faremos. Elas fazem parte do acordo maior entre capital e trabalho, para resguardar a saudável e necessária interatividade entre economia e cidadania. E mais: as entidades do setor produtivo estão abertas e dispostas a debater mecanismos de ajustes, combater excessos, apurar responsabilidades em nome do bem-comum. A saúde é um bem universal e a do trabalhador é um bem do cidadão colaborador e da empresa. É vesgo descuidar disso. Surpreende-nos, entretanto, a forma, o conteúdo e o valor da medida disciplinar, seus efeitos, de curto e médio prazo, na manutenção do modelo, do qual emerge parte determinante do substrato econômico do tecido social. A medida alcançou diversas empresas, entre elas empreendimentos premiados, nacionalmente, como o melhor lugar para trabalhar.
Autonomia e inimputabilidade
No caso do Porto das Lajes, o Ministério Público, com toda boa vontade e movido pelo zelo do estatuto legal - mas baseado em pareceres questionáveis - focou no detalhe e descuidou da totalidade, chegando ao ponto de confundir Estado de Direito com direito de levar no grito uma decisão. E a solicitar da justiça suspender audiência pública e proibir a empresa de interagir com a comunidade (sic!). Assim procedendo, e indiretamente, combateu a modernização portuária de Manaus, a estrutura logística mais cara do país. Uma extrapolação de funções e um abuso impune e inaceitável de autoridade superposto ao interesse público. Em 1988, nas discussões que precederam a promulgação da Carta Magna, além dos militares e da bancada ruralista, a pressão do Ministério Público sobre os constituintes para assegurar independência, deu a seus membros o privilégio de confundir autonomia com inimputabilidade. Eis um beco em que se meteu a instituição para o qual ela própria não vê saída, sempre e quando constata exageros e confusões, típica do ser humano, entre seus membros. As multas aplicadas – supostamente respaldadas em ilícitos objetivos - não foram precedidas de negociação, aquelas focadas nos ajustes de conduta, com arbitragem comum, dentro do verdadeiro espírito franciscano de assegurar a boa-vontade efetiva e a transparência que se encaminha para o acerto e comunhão. Assim procedendo, tudo fica muito mais difícil.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do Centro da Indústria do Estado do Amazonas. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
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