23/04/2020 09:38
Wilson Périco (*) wilson.perico@wlbp-consulting.
O parlamento federal e virtual do Brasil, em tempos de pandemia da Covid-19, se reuniu nesta quarta-feira (22), para votação, em regime de urgência, do projeto de lei complementar 34/20, que institui o empréstimo compulsório de empresas para o governo, no valor de até 10% do lucro líquido apurado no ano anterior à publicação da lei. Competirá ao Ministério da Economia definir o percentual aplicável a cada setor econômico. Ou seja, quem tem um patrimônio de mais de R$ 1 bilhão, mesmo que esteja quebrando ou possa quebrar com esta crise, terá que emprestar 10% do valor do lucro líquido do respectivo valor para pagar despesas urgentes, causadas pela situação de calamidade pública imposta pelo novo coronavírus. Trocando em miúdos, aqueles que produzem riqueza para o poder público gastar – quase sempre sem critério nem racionalidade – vão ter que apagar o fogo da habitual inoperância, mesmo que isso venha representar desemprego, exclusão social, fome e violência. Por que não rever os tais privilégios?
Indicadores da desigualdade
Convenhamos que o Estado de Direito é uma conquista da Democracia e os poderes constituídos, Legislativo, Executivo e Judiciário, são instituições essenciais que sustentam essa forma de governo. Entretanto, sendo o nosso país uma das democracias mais desiguais do ponto-de-vista socioeconômico, alguma coisa está fora de ordem e de lugar quando verificamos os privilégios de um país tem o segundo Congresso Nacional mais caro do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Cada um dos 513 deputados brasileiros e dos 81 senadores custa mais de US$ 7 milhões por ano - seis vezes mais que um parlamentar francês, por exemplo.
Muito imposto e retorno muito pífio
Estes indicadores do Parlamento são da União Interparlamentar, organização internacional que estuda os legislativos de diferentes países. As distorções não param por aí. Em 2018, o Senado aprovou um aumento de 16,3% nos salários dos ministros do STF, a suprema Corte do Brasil, referência dos salários de toda magistratura. Eles passaram dos R$ 33,7 mil de então para R$ 39,3 mil. As despesas do cargo, porém, assustam. São apenas 11 ministros que consomem R$ 544 milhões/ano e cada um utiliza 222 servidores com polpudos salários. Para sustento da máquina pública, o Orçamento dos governos custeiam a máquina da burocracia, lenta, ineficiente e perdulária. O retorno ao tecido social, entretanto, é um dos mais pífios no ranking mundial. Com a pandemia ficou explícita a precariedade da máquina responsável pela saúde.
Farinha pouca meu pirão primeiro
Pois bem. Não há menção, por parte do parlamentar paraibano que elaborou a proposta, de qualquer iniciativa de redução dos supersalários, ou seja, privilégios diretos e indiretos dos poderes legislativo, executivo e judiciário. A estimativa é que o corte de 30% dessa dinheirama daria uma receita de R$ 10 bilhões/ano. Imaginem os benefícios suprimidos por esta anomalia... A adoção do “home office” que tem apresentado resultados surpreendentes, se adotada na máquina pública, quanta economia representaria?
Arrecadação curiosa
A arrecadação federal total em 2018 foi de R$ 1.457.113.865.361. Algumas curiosidades: deste total, sobrou 0,4% para investimentos, em 2019, o resto foi custeio. A ZFM compareceu, naquele ano, com R$ 14,5 bi, enquanto a soma dos impostos sobre fumo, bebidas e automóveis, representou R$ 11,9 bilhões para a União. Para os rentistas, entretanto, o cenário, desde antigamente, segue sorridente. No ano passado, o lucro dos maiores bancos do país, Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander, cresceu 18% e somou R$ 81,5 bilhões. Para a Receita, foi pago apenas 3,7%, ou seja, pouco mais de R$ 2 bi. Somente o Itaú, o que mais sorriu, registrou ganhos de R$ 26,583 bilhões.
Os donos do poder
Os tais rentistas, como são chamados os banqueiros do Brasil, um dos sistemas bancários mais concentrados do mundo, têm sido muito competentes para resguardar seus interesses. Têm sua própria Reforma Tributária, muito prestigiada no Congresso, onde trabalham para reduzir mais ainda sua contribuição fiscal. Por que não propor, em nome da justiça e da dignidade da metade da população do Brasil, que vive com R$ 413,00/mês, e onde o desemprego campeia, uma Reforma do Sistema Financeiro Nacional, em lugar de achacar mais ainda o setor que gera emprego e oportunidades e tem uma das mais pesadas cargas tributárias do planeta?
(*) Wilson é economista, empresário e presidente do CIEAM, Centro da Indústria do Estado do Amazonas.
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Publicado no Jornal do Commercio em 23.04.2020
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