20/11/2019 10:52
O administrador Marcelo Dutra tem uma experiência singular. Viveu o lado do setor público em diversos cargos de assessoramento e direção, que incluem passagens pelos órgãos estadual e federal de licenciamento ambiental, presidente do Ipaam e analista ambiental do Ibama. Neste momento, após conseguir compatibilizar assessorias públicas e gestão de empreendimentos privados, gasta parte de seu tempo como conselheiro do Cieam (Centro da Indústria do Estado do Amazonas). Nesta entrevista, Dutra compartilha sua experiência e dá algumas dicas para quem precisa entender e melhorar esta relação de quem produz riqueza e quem gerencia (ou deveria gerenciar) sua aplicação. Confira.
Follow Up – Com repertório de quem atuou no serviço público, e agora nas
entidades do setor privado, como você desenha uma interlocução maior com
geração de benefícios de parte a parte entre os dois segmentos?
Marcelo Dutra – A interlocução entre os setores público e privado é mais do que
primordial. Eu diria que é a missão central do Governo e deve ser entendida pelo
governante como o coração do Estado. É nessa junção de sociedade, território e
governo que fundamos essa instituição chamada Estado. Quando não há esse exato
entendimento, cria-se um pensamento equivocado de hierarquia do governo sobre a
sociedade e aí, sem a vontade coletiva sobre a individual, tudo está perdido. Ao longo
da minha vida profissional sempre tive o prazer de ter que enfrentar o desao de
pensar com os dois lados do cérebro, o público e o privado. Hoje, como empreendedor,
faço parte do Conselho Superior do Centro da Indústria do Amazonas, mas também
atuo com muita honra no Ibama, onde sou analista ambiental efetivo há 15 anos.
FUp – Como compatibilizar os dois interesses à luz da cidadania?
M.D – Na hora que nós acordarmos para a interdependência dos dois segmentos no
cotidiano, vamos descobrir que, à medida que nos colocamos no lugar do outro, quem
vai sair ganhando é a sociedade. Pra mim, esse desao vem se repetindo ao longo de 5
cargos de primeiro escalão que ocupei, assessoramento, entre outros, sempre
empregando a necessidade de reduzir os espaços e fazer o servidor entender que
somos todos cidadãos, membros da Cidade, usuários e componentes ativos da
sociedade. O servidor público é uma parte da sociedade e o governo é feito de homens
e mulheres que sofrem os mesmos efeitos da falta ou dos acertos na interlocução da
sociedade com o próprio governo. Ao longo de 40 anos de lutas e vitórias do CIEAM
pelo estado do Amazonas e seu modelo de desenvolvimento econômico, muitos
associados dedicaram partes significativas de suas vidas por uma coletividade. É só
olhar pra história, para cada luta contra os ataques que tentaram desgurar o polo
incentivado da Zona Franca de Manaus. Nessas lutas vamos ver grandes nomes,
prossionais abnegados que dividiram o tempo entre a gestão de suas empresas e os
debates acalorados em inúmeras mesas em defesa de um modelo econômico regional.
FUp – Como você enxerga essa entidade chamada Cieam que tem nos seus
estatutos o compromisso com seus associados e, principalmente, o interesse
do Amazonas.
M.D – Independente do debate acerca de quem teve interesse na região e quem
defendeu apenas seu capital, o fato mais importante é que existe um grupo de
empresas que em toda a existência da Zona Franca de Manaus nunca se associou à
defesa, nunca apostou uma moeda na região, nunca procurou uma entidade pra
perguntar se faltava uma lata de leite para saciar a fome de uma criança. E isso
resume o Cieam. Os associados do Cieam têm compromisso com a região, com o
próximo e lotam o auditório da instituição todos os meses, demonstrando
compromisso com esta terra.
FUp – Que tipo de serviço os associados podem usufruir na área pública para
flexibilizar sua rotina de burocracia?
M.D – Penso que o Cieam, que representa todos os segmentos da indústria, pode
estabelecer convênios com os diversos órgãos públicos de comando e controle,
fazendários, de vigilância sanitária, engenharia, entre todos os que tem o poder de
polícia administrativa e de fiscalização, para buscar uma melhor eficiência e eficácia
nos diversos sistemas de governança. É interesse dos associados que os processos
tramitem com mais agilidade e segurança, assim como deve ser interesse do Estado
que o setor produtivo trabalhe sob todos os aspectos legais, conforme preveem as
normas vigentes. Além de simplificar processos burocráticos, é claro.
FUp – Como modernizar e inovar esta relação?
M.D – Uma forma de serviço para os associados seria o assessoramento institucional
com validação nos diversos sistemas informatizados de análises processuais, que
quase todos os órgãos públicos hoje já utilizam. Desde a Junta Comercial até o Ipaam,
passando por Sefaz, Semef, Implurb, Semmas, Bombeiros, Seminf, entre outros,
todos buscam analisar processos que demoram meses para tomadas de decisões que,
em muitos casos, são para simples demandas. Pelo instrumento do convênio, O Cieam
pode atuar com consultorias junto a esses órgãos, criando bancos de dados dos
associados e canais de comunicações e validações entre os técnicos e os associados
para intermediar tanto a resolução de pequenos problemas, como a construção de
pontes entre todos os envolvidos em todas as etapas dos processos administrativos.
Quando tudo é feito de maneira rápida e mais segura, mais rápido gira a economia e se
fortalece a sociedade, o território e o Estado.
FUp – Essa interlocução remete a um maior protagonismo do setor produtivo. O
que você pensa a respeito?
M.D – O protagonismo do setor privado é fundamental para o próprio fortalecimento
do setor público. Não acredito em uma sociedade forte quando não há uma economia
forte que se contraponha ao governo. Não se contrapor como oposição, mas como
formadora de opinião na sociedade como geradora de empregos e dos impostos que
vão dar ao governo a garantia da prestação dos serviços que a sociedade espera. A
Zona Franca de Manaus, que de franca só tem o nome, ainda guarda uma porção
pequena de empresas que passam ao largo da história, sem o menor envolvimento
com a causa e por consequência com a própria sociedade, considerando que nosso
povo respira nosso modelo econômico. Nesse contexto, o Cieam, com seus 40 anos de
lutas e vitórias, desde os primeiros passos, é um sem dúvida um patrimônio do povo
do Amazonas, mais que dos empresários do polo industrial.
FUp - A Indústria paga integralmente a UEA e recolhe 1 bilhão/ano para
interiorização do desenvolvimento. À exceção da Afeam, o Conselho Gestor
desse volume de recursos não se reúne
M.D – Essa é a maior prova de que o setor econômico precisa se posicionar como contraponto ao setor político. Como pode alguém pagar a conta e não escolher o cardápio? A indústria é convidada a compor fundos específicos para que o Estado atue em setores que o orçamento público deveria atender mas há décadas não atende. De forma impositiva, o setor produtivo deposita quase um bilhão de reais por ano no Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Amazonas, que foi criado com o argumento de promover o desenvolvimento regional. Desde sua criação, esse fundo vem sendo manipulado pelo governo com aval dos deputados, mas sem nenhuma participação dos geradores. Do mesmo modo, o fundo da UEA, que tem aceitação ampla no meio industrial, não passa de uma obrigação da indústria, aumentada com os recursos de P&D, aumentando os aportes de recursos das empresas em uma instituição que é 100% alimentada pela mão que não pode participar de sua gestão.
FUp – Suas considerações finais sobre essa delicada e, às vezes, incômoda
relação?
M.D – Volto a armar: não existe possibilidade de um Estado forte sem um poder
econômico forte, que se contraponha ao poder político. O pagamento de taxas e
impostos tem contrapartidas sociais e contribuições devem ter mais que
transparências formais. O FTI e a UEA precisam de conselhos formados com a
participação dos geradores dos recursos que os alimentam, para que o interesse
público seja preservado e os objetivos originais sejam garantidos.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br