04/05/2021 12:14
Fonte: Brasil Amazônia Agora
Por Wilson Périco
presidente do CIEAM
Somos parte da geração que, nos filmes de bang-bang, o mocinho sempre ganhava no final. É a base da civilização judaico-cristã, em que o bem se sobrepõe ao mal que sempre se destrói. Também assistíamos ao desenho em que o “rabo balançava o cachorro”, o Scoob Doo, ou seja, a lógica do vale qualquer coisa. Entretanto, haveremos de concordar que, sutilmente, este absurdo começa a penetrar no quadro de valores de famílias desconstruídas. E nada mais é do que a naturalização do que alertava Hobbes, o filósofo inglês: o homem é o lobo do homem. Essa inversão banalizou-se em muitos ambientes de relacionamento que, para explicar o ilícito, argumenta que o mundo é dos sabidões.
Não daqueles que cumprem suas atribuições e responsabilidades sob códigos sociais dos direitos e do respeito. Há um outro filme em que dois cientistas viajavam no ‘Túnel do tempo’ e mudavam o futuro, ou seja, na ficção não se conseguia manter os referenciais do passado. Absurdo isso, concordam? A rigor, a série funcionou como escape para desviar atenção das mudanças que começavam a ganhar velocidade nos anos 60. Nada como o pão e circo dos gregos com roupagem tecnológica para lavagem cerebral. Que tal? Em outro filme, o imperador Calígula cria as próprias leis e as opera a seu bel prazer, segundo seus códigos de justiça. Nomeia cônsul de Roma seu cavalo Incitatus, banaliza a relação incestuosa com as irmãs, prioriza ilícitos, decide que criminosos serão soltos e inocentes aprisionados, em ambiente de muitas orgias, violência e refinada arbitrariedade. Em outras palavras, dava sentido a seus “excrementos” - perdão pelo termo – e impunha à sociedade papel de depósito de imundícies do poder desvairado. ‘L’etat c’est moi’, o poder constituído sou eu. Perdurou, nesta fábrica deletéria de valores, um segmento que se acha no direito de habitar e se movimentar sempre acima do bem e do mal. Seus interesses pessoais ou políticos sempre acima do bem comum.
Às favas o interesse maior da coletividade. Literalmente “Quero que o povo se exploda”, como o jargão da TV, veículo frequentemente usado pelo poder, seja qual for, para “naturalizar” a comunicação sutilmente violenta que põe os absurdos em voga como se fosse o mais normal da história. Fato curioso e bem comum é o horizonte curto dos personagens, as referências populares de tudo que não presta. São verdades de curta duração para não dinamitar a consciência do cidadão.A construção das “verdades” supõe sempre criar expectativa e tensão para se instalar. ‘Não perca o próximo capítulo’, o seriado Corrida Maluca traduzia bem. Nos episódios, personagens disputavam corrida e alguns deles faziam qualquer coisa para vencer.
Lembra doDickVigarista? Não tinha limites, ética, era vencer ou vencer.Isso, hoje, nos parece banal e familiar. Portanto, o outro pouco importa, vale tudo, a despeito ou por desacato aos códigos de conduta e aos expedientes legais e constitucionais.Daqui a pouco, se nos limitarmos a ‘reclamões’ assustados, veremos um trabalho cinquentenário transformado em capítulos iminentes dos destroços e, o que é mais triste, disfarçado pela fumaça da arbitrariedade opressiva.Ahora é de reagir com vigilância, resistência e cumplicidade cívica em todos os níveis e direções.Ou não?