16/12/2022 22:51
“O desempenho da economia local parece depender muito mais de escolhas domésticas do que das adversidades já aproximadamente mapeadas advindas das economias mundiais. Boas e rápidas escolhas podem mudar de modo muito radical as expectativas quanto ao Brasil, restaurando a confiança dos investidores. Lula 3 precisará ser cirúrgico, sem muito tempo a perder.”
Por Márcio Holland - Coluna Follow-up, 16.12.2022
_________________
O governo eleito ainda não tomou posse, mas as expectativas de uma nova gestão são grandes. O fim do atual governo é, sem dúvida, uma grande vitória para o País, para as instituições e para a democracia. A questão que mais se discute é sobre como será o Lula 3.
Há muita incerteza sobre como o presidente eleito, e agora diplomado pelo TSE, irá se comportar perante os grandes desafios da economia. Lula 3 encontrará uma realidade econômica e uma sociedade bastante diferentes daquelas de 2003. Interpretar os sinais desta diferença é central para o sucesso de seu governo.
Seu primeiro ano de governo não será nada fácil. Diversas projeções indicam que 2023 deve ser um ano de ajustes na economia e na orientação da política econômica. A economia brasileira deve passar por uma acomodação na atividade, com menores taxas de crescimento e estabilização no mercado de trabalho com elevadas taxas de desemprego.
O novo governo vai sentir o gosto amargo do ciclo recente de elevação da taxa básica de juros, de aumento da inadimplência das famílias, e as consequências da fraqueza econômica mundial, do arrefecimento nos preços das commodities, e do processo de normalização da política monetária das economias avançadas. A própria expansão fiscal, mesmo que com uma PEC de Transição generosa, será menor do que a deste ano de corrida eleitoral desgovernada.
Em pleno primeiro ano de um novo governo está prevista uma relativa deterioração da situação fiscal. Como o crescimento do PIB deve cair para algo em torno de 1%, depois de a economia ter crescido mais ou menos 3% em 2022, acrescido ao fato de o País voltar a reportar déficit primário e ter uma provável relação entre dívida pública e PIB ascendente, os custos financeiros da dívida devem se manter em patamares elevados, em torno de 6% a 6,5% do PIB.
Assim, no próximo ano, duas importantes medidas são esperadas: a nova regra fiscal e a prometida reforma tributária. Nenhuma destas medidas impacta diretamente o crescimento econômico de curto prazo, mas tem o poder de arsenal de guerra para as expectativas de médio prazo, impactando o crescimento econômico dos próximos anos.
Como a economia não é uma ciência linear nem exata, a própria discussão sobre cada um destes temas tão relevantes pode ser um tiro saindo pela culatra se não for muito bem executada. Quanto mais se prolongar a discussão sobre o desenho do novo arcabouço fiscal, mais as expectativas irão sangrar o crescimento prospectivo. Um infindável debate sobre alternativas de reforma tributária será motivo de muita frustração com o novo governo e pode esgotar o tema naturalmente tomado de tantas divergências.
O desempenho econômico local parece depender muito mais de escolhas domésticas do que das adversidades já aproximadamente mapeadas advindas das economias mundiais. Boas e rápidas escolhas podem mudar de modo muito radical as expectativas quanto ao Brasil, restaurando a confiança dos investidores. Lula 3 precisará ser cirúrgico, sem muito tempo a perder.
Já corre há três décadas a máxima de James Carville, estratégica da campanha presidencial norte-americana de Bill Clinton, de que a economia pode punir um político, com sua famosa frase que leva o título desta coluna. Pelas condições sociopolíticas em que estamos experimentando, Lula pode se consolidar como um grande estadista, talvez o maior da história da República, ou pode, de modo extraordinariamente binário, queimar todo o seu capital político, em especial, aquele associado ao primeiro mandato, em um intervalo de tempo incrivelmente curto.
Lula 3 enfrentará um país muito díspar do Brasil do começo dos anos 2000. Adotar reformas como a trabalhista e a Lei das Estatais como se fossem suas é altamente desejável pela sociedade atual, assim como o tema privatizações, concessões e parcerias pública-privadas têm grande apreço daqueles que defendem zelo para com os recursos públicos e o fim do pesadelo dos abusos do poder do controlador.
Eficiência econômica, reformas estruturantes, privatizações, abertura econômica e responsabilidade fiscal deixaram de ser caras apenas aos governos tidos de centro-direita. Podem e devem ser grandes atributos de governos de centro-esquerda que, de sobra, adicionam a responsabilidade do Estado para com as populações mais vulneráveis, com a pobreza e com a falta de oportunidades.
(*) Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde coordena os “Diálogos Amazônicos” e a Pós-Graduação em Finanças e Economia (Master), e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente às quartas-feiras.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, no Jornal do Comercio do Amazonas, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes, consultor da entidade e editor geral do portal BrasilAmazoniaAgora