23/11/2022 11:20
“Está claro que precisamos cuidar do ambiente que todos compartilhamos. Todos os seres vivos, mesmo aqueles que nós não conseguimos ver. Está claro também que precisamos respeitar toda diversidade intraespecífica. Apesar de sabermos disso há décadas, nos últimos tempos a degradação ambiental, deliberadamente, avançou de forma tão intensa que vários dos ecossistemas estão próximos de exaurir-se.” Conversa com Adalberto Val (INPA, ABC e TWAS)
Tomei contato com o termo pentimento no livro de memórias da escritora Lilian Helman, Pentimento, um álbum de retratos, de 1973. Ela utiliza a palavra para descrever a atitude de um restaurador de obras de arte que descobre telas antigas, escondidas pelo tempo sob a obra a ser recuperada. O livro recupera momentos preciosos retratado nas lembranças e confere a essas reminiscências o valor e a importância que não soubemos avaliar. É a descrição de um termo que se aplica à esfinge Amazônia.
Presente à Conferência das Partes – 27, encerrada no Egito neste Novembro 20/22, o cientista Adalberto Val, INPA, ABC e TWAS, arranjou um tempo para compartilhar à distância suas intuições e pentimentos, para o portal BrasilAmazoniaAgora – do qual é um dos fundadores. Isso começou antes do encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ocorreu depois de seus pronunciamentos à imprensa mundial, no dia 16.
Adalberto faz considerações simbólicas, visita reminiscências conectadas com o sentimento de esperança que este encontro representou. Muito coerente visitar a Oca da Ciência/Sociedade, por parte do presidente Lula, após o posicionamento sobre a questão climática e reafirmação de seus compromissos com a Amazônia, onde compete à Ciência a tarefa vital de traduzir e propagar a importância de sua proteção.
Conversa com Lula
“O presidente Lula veio visitar o Hub da Sociedade Civil. Veio ouvir-nos. Tive a honra de falar pela Comunidade Científica. Uma fala curta. Após agradecer por escancarar a porteira do futuro social e ambiental mais justo, disse-lhe que era preciso trazer de os meninos de volta. (Adalberto se referia aos jovens cientistas que foram expulsos do Brasil pela absoluta falta de condições de pesquisa). Disse ainda da necessidade de buscar uma Coalizão pela Amazônia com os países amazônicos; reconhecer e valorizar a interação da ciência moderna com o conhecimento dos povos originários. E mais: disse que a ciência brasileira estará a pleno vapor para ajudar na reconstrução do nosso país”.
Um especialista em proteção da vida
Adalberto Val, com quem mantenho um relacionamento de décadas, sempre me emociona por seus dois amores, a Ciência e a Amazônia, amores que comecei a identificar em suas pesquisas obcecadas pela biologia da água doce, onde a Amazônia guarda seu maior e mais delicioso reservatório de proteína: os peixes, e os princípios ativos com quem se relacional. Viva a Entomologia! Adalberto é um especialista em proteção da vida. E vida abundante da Hileia. Antes de seu encontro com Lula, entre um intervalo e outro, compartilhava pentimentos, inquietações e uma certeza: o mundo estava com saudade do Brasil e de seu compromisso com a Amazônia. Um bioma exposto à depredação da ganância, junto com os demais ecossistemas.
“Está claro que precisamos cuidar do ambiente que todos compartilhamos. Todos os seres vivos, mesmo aqueles que nós não conseguimos ver. Está claro também que precisamos respeitar toda diversidade intraespecífica. Apesar de sabermos disso há décadas, nos últimos tempos a degradação ambiental, deliberadamente, avançou de forma tão intensa que vários dos ecossistemas estão próximos de exaurir-se.”
Distúrbios ambientais alarmantes
Em novembro último, foi foi eleito como membro titular da Academia Mundial de Ciências (TWAS). A Assembleia da instituição reconhece o papel de suas pesquisas na Amazônia, que monitoram os efeitos do Clima na vida de espécies predominantes nas demandas de proteína no contexto da segurança alimentar. Por contas desses riscos ele comentou:
“Não faltam alertas e informações robustas acerca de quão próximo podemos estar da exaustão completa de vários ecossistemas, de pontos de não retorno. Em ambientes multiversos, como a Amazônia, os distúrbios são alarmantes e alcançam a todos, nos tornando vulneráveis à escassez de alimento, às novas zoonoses, à interrupção dos meios de transporte e comunicação.”
Adalberto costuma dizer que a Ciência de laboratório é uma das áreas pertencentes às Ciências Sociais. Não faz sentido investigar senão buscamos fazer prosperar a vida em todas as esferas da existência, desde o zooplâncton do universo micro da Biologia à dimensão macro da própria vida planetária. Diz ele em outro momento:
Manter a floresta em pé
“O pior é constatar que essas vulnerabilidades são mais intensas no seio das populações mais desprovidas. Portanto, é tempo de buscar alternativas econômicas, mantendo a floresta em pé e os rios fluindo. É preciso usar as informações que a Ciência produziu e vem produzindo ao longo do tempo, bem como produzir novas informações que ajudem a evitar um ponto de não retorno, que ajudem na inclusão social e geração de renda. Cada país, ao seu jeito, cobra por sua contribuição, ao mesmo tempo que busca produzir as informações que precisa.”
Assim como Niro Higuchi, Estevão Monteiro de Paula, Adrian Pohlit, Paulo Artaxo entre tantos obstinados pelo conhecimento, que fazem pesquisa, produzem ciência e alternativas de desenvolvimento associado a sustentabilidade na perspectiva da prosperidade geral na Amazônia, Adalberto clama pela prioridade nacional e global pelo conhecimento da floresta. “ Só ama quem conhece”.
Um de seus mais recentes. Projetos, com o climatologista. Carlos Nobre, é consolidar o MIT da Amazônia, uma parceria com o célebre Massachusetts Institute of Technology, um sonho que movimenta a Amazônia desde a Conferência do Rio, em 1992, quando Gilberto Mestrinho, Marcus Barros, Nazaré Pereira, governador e reitores locais, foram a Boston, onde ensaiaram os detalhes da parceria. O sonho, enfim, sai do papel.
“No caso da Amazônia, a informação está escondida na floresta e conhecemos apenas uma pequena fração dela. Nocautear a ciência é nocautear o nosso futuro, é reduzir as oportunidades das gerações futuras no nascedouro, é desconstruir um ambiente adequado para a vida. Portanto, há que se retomar prontamente os investimentos em C&T e Educação e, principalmente, construir as condições para que os jovens brasileiros que optarem por ficar e produzir informações científicas aqui no Brasil possam fazê-lo.”
Parceiro de debates interinstitucionais, e defensor da qualificação massiva de nossos jovens pesquisadores, quando dirigiu o programa Ciência sem Fronteira – Amazônia , no MEC/Capes, buscou envolver os docentes da UEA, a universidade mantida pela indústria, e foi decisivo para a celebração de um DINTER, doutoramento interinstitucional com a FEA/USP, com apoio decisivo de Jacques Marcovitch. Foram 22 doutores em Gestão da Amazônia, a preparação de doutores em Floresta. Uma mente brilhante e um coração do tamanho da mata:
Jacques Marcovitch, Adalberto Val, Alfredo Lopes e Denis Minev, junho 22: Bioeconomia em prosa e planos
“…proteger ações fundamentais como a ZFM”
“É preciso manter uma instituição como o INPA operando adequadamente, capaz de produzir e socializar as informações. Em tempos de mudanças climáticas, a saída possível é a ciência para a sociedade. É a ciência para uma bioeconomia robusta, com conservação do ambiente.
É tempo de proteger ações fundamentais como a Zona Franca de Manaus para que novas informações possam ganhar vida socioeconômica; para que novas estratégias possam emergir para uma qualidade de vida melhor. Reformar qualquer arcabouço que possa reduzir as características positivas de qualquer ferramenta social, entre elas a ZFM, é incompatível com os novos cenários, vários dos quais discutidos na COP-27, já que não basta adaptar, tem de interromper os cursos das mudanças do clima.
Neste Dia da Consciência Negra, em Sharm El Sheikh, no Egito, foi encerrada a COP-27, com um protocolo de intenções para a formação de um Fundo de Compensações para os países mais pobres, as grandes vítimas da mudança climática. Um esperado acordo de financiamento por parte dos países centrais, os mega-poluidores, para amenizar os desastres e a pobreza que constrange esta civilização. Obrigado, Professor Adalberto Val.
Alfredo Lopes é editor do Portal BrasilAmazoniaAgora