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Brasília - o capital sem crise

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28/11/2013 16:51

O noticiário econômico, fértil em repercutir notícias de desaquecimento da economia no mundo e, ultimamente, no Brasil, deu manchete ao fato do PIB, o somatório de todas as riquezas de um lugar, distribuído per capita no Distrito Federal, é três vezes maior que a média nacional. E mais: em 2011, apenas oito estados apresentaram PIB per capita acima da média brasileira (R$ 21.535,65). Os demais foram São Paulo (40% da atividade econômica do país), Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Paraná. Mas o Distrito Federal, com o maior PIB per capita brasileiro, R$ 63.020,02, representou quase três vezes a média brasileira e quase o dobro da registrada em São Paulo (R$ 32.449,06). Eis uma indústria inusitada na história do capitalismo, próspera e sem crise do ponto de vista dos que habitam, é claro, a pirâmide nos quadrantes superiores. Entre os estados com menor PIB per capita, encontram-se Maranhão (R$ 7.852,71), há mais de meio século entregue à gestão da família Sarney, e Piauí (R$ 7.835,75), com sua caricatura de exclusão emblemática.

ZFM, as intenções originais
 
Os dados merecem uma reflexão a partir da premissa de que todo projeto de Estado - institucionalmente focado na melhoria da qualidade de vida do cidadão e na busca do equilíbrio maior das riquezas de um país - necessita de políticas públicas de desenvolvimento regionais eficazes. É o caso do modelo Zona Franca de Manaus, a partir dos anos 50, na esteira de esvaziamento econômico do Acordo de Washington, expresso pelo fracasso do II Ciclo da Borracha, e pela distância entre intenção e ação da SPEVEA, o modelo federal de desenvolvimento para a floresta. A ZFM resulta da doutrina de Segurança Nacional, uma política de Estado para a região, com o propósito de “integrar para não entregar” o país à cobiça estrangeira. Ao longo de sua existência, adicionalmente, o modelo tem cumprido um papel excepcional, não previsto explicitamente no projeto inicial, da preservação deste que é o maior patrimônio genético do planeta, o bioma Amazônia. São duas políticas, Brasília e ZFM, com resultados que merecem maior atenção.

A construção de Brasília

Na exposição de motivos de Juscelino Kubistchek, este, também, foi um projeto de Estado, focado igualmente em reduzir as imensas desigualdades num país com dimensões geográficas continentais. Há quem duvide da eficácia da iniciativa e quem discorde da necessidade, mas a própria construção da rodovia Belém-Brasília, na sequência da MARCHA para o Oeste do projeto Marechal Rondon - de sair das praias em direção ao sertão ou bioma pantaneiro-amazônico - são indicadores disso. O fato é que Brasília se firmou como centro de poder, e cumpriu – pelos produtos e avanços daí resultantes – a profecia do pensador alemão Max Webber, em seus estudos sobre poder e burocracia, a lógica da função pública que se corrompe pela disfunção institucional.

Um capitalismo gnomo

Do ponto de vista da geração de riqueza, Brasília é a negação de todos os postulados marxistas que invocam os meios e bens de produção - base do conceito de mercadoria - essencial no tratado do Capital. A produção material, com a geração do lucro, é pré-requisito da compreensão e definição da luta de classes entre patrões e empregados, que movem a economia e a História com agá maiúsculo. Brasília, a capital, nunca levou a sério as teorias do Capital, assuntos que soviéticos, chineses e cubanos tentaram adotar, embalde. A capital do Brasil criou regras próprias para incrementar o sucesso de seu conceito capitalista de prosperidade. O Distrito Federal, do ponto de vista dos bens de produção, produz absolutamente nada que mereça destaque na economia ou uso do capital monetário. O que os jornais destacam a respeito, porém, é uma gastança espetaculosa e taxas de corrupção em serie, com produção crescente e recorde, como nunca dantes na História da República federativa. Lá, é mínima a chance de um individuo galgar um cargo de confiança se se dispuser a fazer as contas de quanto esse projeto de Estado, chamado pomposamente de Distrito Federal, custa para o cidadão e onera os contribuintes brasileiros.

“É preciso repensar a ZFM”


Estranhamente, porém, a conta de gastos é feita todos os dias para o modelo ZFM, o único projeto federal bem sucedido na Amazônia que devolve 54% aos cofres da União de toda a riqueza que tem gerado desde sua criação. Recentemente, Brasília destacou um servidor do Senado para analisar o modelo ZFM. Ele recebe, segundo informações da própria Casa Legislativa, entre salários e gratificações, acima de R$ 25 mil/mês. A ele foi conferido poder e privilegio de ampla repercussão na mídia nacional, para as bravatas que produziu sobre o modelo. “É preciso repensar a ZFM”. Um trabalho em cima de dados truncados, estatísticas frias da gestão fiscal propositalmente distorcidas, para demonstrar que os benefícios tributários que o país adota no modelo ZFM tira o leite das crianças dos Estados empobrecidos, além das oportunidades de maior crescimento dos mais endinheirados. Uma distorção que leva a opinião púbica supor que as empresas da ZFM são brindadas com dinheiro público. A distorção omite o fato de que as empresas - que não recebem um centavo do poder público - só são estimuladas com isenção fiscal quando começam a produzir.

Onde estão as mazelas ?


Como explicar, pois, a equidade e a eficácia de um projeto de Estado que só gera gastos, e tem um PIB per capita desta magnitude com essas escabrosas desigualdades regionais entre estados de uma mesma nação? É nesse contexto que a ZFM precisa ser repensada? Onde será que estão as verdadeiras mazelas deste país, o ralo insaciável do dinheiro publico? A ZFM tem um custo irrisório à luz do que ela representa para a sociedade brasileira. Seu pecado, provavelmente, reside na incapacidade institucional de dizer isso à nação, promover o discernimento geral para o Brasil entender este Brasil ignoto. Vivemos numa região de completa ausência do Estado brasileiro, onde policiais federais – para combater a disseminação do narcotráfico entre os jovens e famílias esquecidas - sem condições de trabalho, tombam diante do crime organizado.

O exercício da cidadania

Diferentemente do que acontece em outras regiões do país, igualmente incentivadas, a despeito de seu PIB destacado, as empresas que aqui atuam recolhem parte robusta de seu faturamento para financiar a economia do interior, as cadeias produtivas dos ribeirinhos, os programas de turismo e qualificação profissional, a pesquisa e o desenvolvimento, incluindo todo o custeio da Universidade do Estado do Amazonas, presente na totalidade dos 62 municípios do interior. Os habitantes do interior da Amazônia vivem na completa exclusão social, digital, barrados do necessário exercício da cidadania, impedidos de contar com rede de esgoto, agua potável, escola, saúde e renda. Se na aritmética dos repasses federais, a renúncia fiscal do país com a ZFM custa pouco mais de R$ 6 bilhões, a cada ano, os benefícios que ela distribui vão muito mais além que os 120 mil empregos no Polo Industrial de Manaus.  É um conjunto de bens e serviços a um custo efetivamente irrisório, sobretudo se comparado ao zelo e guarda do patrimônio genético, um tesouro que o país, se quiser, pode legar às futuras gerações. À vista do custeio da máquina federal e das anomalias institucionalizadas no uso dos recursos públicos – que eleva o PIB per capita do DF para muito além do dobro do PIB paulista –, “...repensar a ZFM” é uma constrangedora piada de mau gosto.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do Centro da Indústria do Estado do Amazonas. Editor responsável: Alfredo MR Lopes, nesta edição contou com a participação do consultor do Cieam Saleh Hamdeh.  cieam@cieam.com.br

Publicado no Jornal do Commercio do dia 27.11.2013

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