10/06/2015 17:21
Hermenêutica perversa
O tratado da hermenêutica, termo grego que trata da arte e da técnica de interpretação de um texto ou sentença, é essencial na introdução ao Direito, e está intimamente relacionado à Teoria dos Valores. Interpretar uma sentença ou afirmação filosófica é indagar pelos valores que lhe dão suporte. Interpretar é perguntar pela visão de mundo que ampara a postura do intérprete ou tradutor dos valores que estão em jogo. Entre as diversas formas de interpretação, a mais consagrada é a interpretação histórica, que busca o sentido inicial do conceito jurídico ou da norma, através de precedentes normativos, justificativas de elaboração de leis e da jurisprudência. No caso da sentença do juiz federal, o valor implícito é o resguardo do interesse público. A hermenêutica dos braços cruzados, enfatiza o contrário e desembarca no prejuízo da coletividade, expresso neste momento com os riscos efetivos de redução de postos de trabalho. Pune-se o justo, aquele que produz riqueza na relação frutuosa entre capital e trabalho e anistia-se o pecador, para recorrer à dialética bíblica e poupar o autor das contradições que desencadearam a paralisação. Ou estaria o movimento paredista provocando qualquer desconforto ao algoz de suas amarguras trabalhistas?
Prejuízos imensuráveis
O argumento que embasa a ação do Cieam é cristalino, objetivo, acima e além de qualquer interpretação circunstancial: "a deflagração da greve, com a suspensão, mesmo parcial, das atividades essenciais da autarquia já está causando prejuízos imensuráveis aos associados, podendo culminar com a paralisação das indústrias e das linhas de produção por conta da falta de matéria-prima." Quem vai pagar o prejuízo já estimado em R$ 300 milhões e os prejuízos do desemprego, no comércio e serviços e nas famílias? O prejuízo mais consolidado que decorre desta paralisação - mais uma diante da inflexibilidade federal - é o abalo imposto ao modelo, a carga de desconfiança para novos e antigos investidores e, de quebra, argumentos para aqueles que acham que é necessário por fim ao mecanismo de renúncia fiscal para reduzir as desigualdades regionais.
A que se destina?
Desigualdade regional, banco genético amazônico, desenvolvimento e sustentabilidade foram jogados na mesma catraia da irrelevância. Para os desafetos da ZFM, distantes ou presentes, isso deixou de ser importante, incluindo a real possibilidade de transformar o patrimônio genético e florestal em conhecimento e riqueza nacional. Uma tendência atual do Direito é distanciar-se do entendimento da letra da lei e aproximar-se do propósito da norma e dos princípios éticos que a sustentam "a LEI mata e o ESPÍRITO vivifica". E a norma soberana diz respeito ao momento sombrio, de insegurança e de desconfiança, porque passam todos os setores da economia e o conjunto da sociedade. A paralisação da Suframa atende a que interesses neste momento? Cabe lembrar que a classe política, as duas Casas Legislativas do Congresso Nacional, já fizeram tudo o que parecia factível e legal a respeito do imbróglio que atormenta os servidores da Suframa e naufragaram em seus compromissos diante do poder de veto que a Constituição confere à presidência da República. É simbólico, neste momento, o desembarque dos técnicos do Planejamento. Eles não vêm para conversar com os grevistas. Já lhes disseram, de seu ponto de vista, todo o beabá da irrelevância de suas bandeiras. A presença federal é para resguardar, aqui, o interesse federal da mudança estrutural da autarquia, onde não há lugar para a hermenêutica sombria e distorcida de resguardo do bem comum.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
Publicado no Jornal do Commercio do dia 10.06.2015