24/06/2016 16:43
Entrevista com o Prof. Dr. Augusto César. Com a dissertação “Um modelo de avaliação da competitividade logística industrial”, Augusto Cesar Barreto Rocha, qualificou-se em nível de doutorado no Programa de Engenharia de Transportes, COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor da Ufam, empresário e diretor do Comitê de Logística do CIEAM/FIEAM, Augusto defende o direito constitucional de ir e vir, ao listar seus argumentos em favor da recuperação da BR 319. Para ele, é inaceitável continuarmos desconectados do resto do país por rodovia. As desculpas não se sustentam e é preciso mobilizar a sociedade para exigir esse direito. Eis algumas de suas reflexões.
FOLLOW-UP: Por que ainda perduram as pendências ambientais, sociais e econômicas para a liberação da rodovia federal BR-319, que liga Manaus a Porto Velho?
AUGUSTO ROCHA: São muitos anos de expectativa e pressão. Falta uma decisão política de fazer a recuperação da BR-319. Trata-se de uma decisão executiva, uma atribuição clara do Poder Executivo, como se trata de uma rodovia federal, esta decisão cabe ao Governo Federal. Sempre haverá questionamentos sobre qualquer empreendimento, e todas as respostas tem que levar em conta o interesse público. A questão é que cada dúvida levantada deve ser respondida e os obstáculos enfrentados. Todavia, se não há a decisão, a dúvida passa a ter o tamanho suficiente para a não-execução e, cá entre nós, é muito mais cômodo não fazer do que fazer. Precisamos da decisão empreendedora de fazer. Ao decidir fazer, enfrentar e solucionar cada uma das questões necessárias ao fazer, que é fazer simultaneamente com responsabilidade econômica, responsabilidade social e com responsabilidade ambiental, que é o necessário aos empreendimentos, notadamente quando ocorrem no bioma amazônico. Se existir um desequilíbrio em qualquer dos três elementos, ele precisará ser resolvido ao longo do fazer, ao longo do caminhar. Entendo que, por enquanto, a decisão é de não fazer, porque já passou tempo mais que suficiente para a complexidade associada a uma rodovia.
FUp: Há uma iniciativa de dirigir uma Carta das entidades dos diversos setores sociais para pedir ao governo Temer a reconstrução da BR-319. Trata-se de um pedido ou uma exigência?
AR: Poderia ser exigência à luz da robusta contribuição do Amazonas aos cofres federais. Todavia, é mais educado pedir. Pedimos que ela seja reconstruída porque o estado do Amazonas precisa de rodovias e de conexões terrestres com outros estados. Entretanto, a legislação deve ser seguida e abundam estudos para a necessidade desta rodovia, tanto que ela já foi construída no passado. O que falamos é da recuperação. E se não for feita, não poderemos ser surpreendidos por uma condição econômica declinante, que é o que já começou a acontecer anos atrás e continuará, por conta de nossa deficiente infraestrutura de transportes. Sem logística competitiva nenhuma indústria próspera.
FUp: Em 5 reportagens, feitas em 2015, a Rede Amazônica de Televisão mostrou, num dos episódios, depoimentos de diversos atores que testemunharam o bombardeio do leito da estrada para comprometer sua recuperação. Você acredita que os principais inimigos da estrada estão entre nós?
AR: Temos de entender a razão de quem não quer a estrada. Há aqueles que não o querem por motivos que não são revelados... estes devem ser esquecidos. Há ainda os motivos falsos, que também entendo que devem ser esquecidos. Todavia, dentre eles há motivos nobres que devem ser perfeitamente considerados. Por exemplo, a questão ambiental é muito séria e deve ser parte integrante da preocupação. Não podemos esquecer esta preocupação, tendo como pano de fundo a decisão de FAZER. Respeito muitas pessoas que entendem que não pode existir uma nova rodovia no Amazonas. Entretanto, mesmo as respeitando não concordo com elas, pois entendo que o tipo de desenvolvimento que almejo para a região envolve o transporte rodoviário com a preservação da floresta. Não consigo concordar com a possibilidade do desenvolvimento sem este meio de transporte em nosso país. Isso seria impossível. Deixar a cidade de Manaus isolada do modal rodoviário é um prejuízo para a nossa geração e para as futuras gerações.
FUp: Dá a impressão que a BR 319 é a panaceia para todos os males logísticos da economia local. O que você pensa a respeito?
AR: A BR-319 é apenas uma parte da solução. NENHUMA solução de logística isolada será suficiente. Não esqueçamos que faltam hidrovias e faltam portos. Há muito para ser feito. O problema é que a opção de não fazer é mais confortável e assim não se faz quase nada. Deveríamos ver 3% de nosso PIB da ZFM, o terceiro PIB industrial do Brasil, investido ano após ano em nossos problemas de transporte. Em 20 anos teremos avançado muito. Que fique claro: investimento de fato e não em promessas de investimento, que é só o que ouvimos ano após ano. Não temos tido sequer 0,7% de nosso PIB investido para transporte. Enquanto isso a China investe cerca de 15% de seu PIB, a Índia cerca de 9% e a Bolívia cerca de 3,5%. Mantido este cenário de baixo investimento seguiremos na condição de país periférico. E isso não interessa a ninguém. O nosso ativo voltado para transportes é mínimo frente ao que geramos de produção e de imposto e este cenário precisa mudar.
FUp: Em recente visita/debate no CIEAM, a advogada Ana Aleixo, presidente do IPAAM, anunciou que a estrada deverá ser liberada para o tráfego em breve e que este é um mérito do governo do Estado. Você concorda com a afirmação?
AR: O estado está assumido seu protagonismo para resolver um gargalo para sua economia e um direito de ir e vir que nos confere a Constituição. Isso é mais coerente com a autoridade de quem recolheu quase R$ 100 bilhões para a União nos últimos 10 anos e teve de volta menos de um terço deste volume. O envolvimento do IPAAM neste imbróglio mostra nossa vontade de resguardar o direito da população dentro dos parâmetros da Lei, como deve ser.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
Publicado no Jornal do Commercio do dia 24.06.2016