05/12/2023 20:23
“Quais as premissas de recuperação da rodovia que pode impulsionar o desenvolvimento no patamar social, econômico e ambiental na Região Norte do Brasil? Um debate que precisa sair do fígado político para a sabedoria do entendimento. Este debate, no esplendor de sua relevância, joga luzes sobre o padrão Amazônia de sustentabilidade, condição sagrada de sua gestão e do desenvolvimento regional.”
Por Alfredo Lopes – Coluna Follow-up 05.12.2024
No coração da Amazônia, uma estrada carrega consigo não apenas o peso de décadas de história de abandono, mas também as esperanças e os desafios de uma região: a BR-319. Conectando Manaus a Porto Velho, essa rodovia, agora em meio a lamaçais e ruínas do descaso, simboliza um elo crucial que isola os estados do Amazonas e Roraima em relação com o restante do Brasil. É preciso reexaminar a urgência e a complexidade de sua recuperação, considerando o projeto em seus impactos sociais, econômicos e ambientais, como tem sido formulado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, uma referência de proteção da Amazônia que o mundo respeita e aplaude. A propósito, devemos, em lugar de reações desairosas, adotar posicionamentos consistentes e minimamente decentes com relação a sua postura. Nobless oblige.
No Aspecto Social, a obra foi construída nos anos 70, sob a promessa de integração nacional, porém, depois de funcionar duas décadas, a BR-319 foi abandonada a partir de 1990, pressionado por organizações não-governamentais, que buscavam responsabilizar supostas queimadas da Amazônia pelo aquecimento global. Sua recuperação representa mais do que mera reconstrução: é uma oportunidade para revitalizar comunidades, promover a agricultura familiar e melhorar o acesso a serviços essenciais. Contudo, há o desafio de garantir que este desenvolvimento não acarrete ocupação desordenada ou exploração predatória. Esta decisão supõe planejamento e investimentos em comunicação, educação e qualificação técnica e negócios sustentáveis, segurança, reflorestamento, agricultura familiar e pesquisa e desenvolvimento.
No Aspecto Econômico, a rodovia, a depender de sua capacidade e modernidade, pode ser um vetor de crescimento sustentável ao Polo Industrial de Manaus, criando empregos e incentivando cadeias produtivas locais. Da biomassa para biocombustíveis a insumos industriais, o potencial é vasto. Porém, é fundamental equilibrar o crescimento econômico com práticas inteligentes, atentas às fragilidades e peculiaridades do bioma, e para evitar a exploração predatória de recursos ou descuidar da necessária reposição.
Sob o Aspecto Ambiental, a recuperação da BR-319 exige uma abordagem responsável. Programas de reflorestamento e a utilização de oleaginosas para recuperação de áreas degradadas são opções viáveis e vitais. A rodovia deve ser um modelo de desenvolvimento sustentável, e não um catalisador do desmatamento. As instituições locais de pesquisa e desenvolvimento já estão devidamente aparelhadas para definir o tipo de manejo que possa fortalecer a saúde floresta, gerando créditos de carbono na fase de florestamento. E cogitar a exploração econômica subsequente, conforme orientam os estatutos legais e as práticas amparadas no MFS, o manejo florestal sustentável.
Wildlife Conservation Society (WCS) - Passarela da fauna silvestre
A integração supõe a contextualização. A BR-319 é mais do que uma estrada: é um símbolo de integração e uma oportunidade para um novo modelo de desenvolvimento na Amazônia. Sua recuperação exige uma abordagem multidisciplinar, que alie crescimento econômico, justiça social e preservação ambiental. O desafio é imenso, mas a oportunidade de criar um caminho sustentável para o futuro da região é única.
Para que a recuperação da BR-319 cumpra seus múltiplos papéis, são necessárias: a transparência nas ações governamentais, a participação ativa das comunidades locais e o monitoramento ambiental constante. A estrada deve ser uma via de progresso, mas um progresso que respeite e preserve a riqueza natural e cultural da Amazônia.
Mais do que isso: é urgente incorporar este desafio numa discussão mais aprofundada sobre as controvérsias ambientais e os desafios de segurança pública na região da Amazônia. Afinal, cruzar os braços significa automaticamente favorecem a expansão da criminalidade.
Argumentos equivocados sobre a intocabilidade da floresta são fartos nas narrativas que ignoram o fator humano. Um xamanismo desumanizante. É necessário abordar para denunciar algumas perspectivas de pesquisadores do clima que defendem a intocabilidade da Amazônia. Embora a proteção ambiental seja essencial, a discussão deve considerar também a necessidade de aproveitamento e desenvolvimento sustentável que beneficie as comunidades locais, sem comprometer a integridade ecológica. A biomimese, técnica milenar que se inspira na dinâmica e mecânica natural para invenção/criação de soluções para a humanidade, é a melhor das intervenções.
Caso contrário, isto é, se a discussão não avança, o que se constata é o aumento da criminalidade como consequência da ausência do Poder Público. Na crise humanitária e climática do garimpo ilegal em terra Ianomâmii, funcionou assim, com a ausência de uma estrutura efetiva de governança e de segurança na Amazônia. Isso tem contribuído para o genocídio sistemático, em espiral, com aumento da criminalidade, incluindo a presença de organizações múltiplas criminosas envolvidas em desmatamento ilegal e outras atividades ilícitas. A discussão prévia, portanto, é saber se a recuperação da BR-319 pode ser acompanhada por uma presença governamental mais efetiva, de combate integral e integrado das organizações criminosas e proteção das comunidades.
Os últimos estudos apontam um aumento alarmante nos índices de violência na região, destacando a necessidade de uma abordagem multidimensional que integre desenvolvimento econômico, segurança pública e proteção dos estoques naturais. A recuperação da BR-319 não é apenas um projeto de infraestrutura, mas um ponto de partida para endereçar questões multifacetadas que envolvem a formatação de um novo paradigma civilizatório, onde a Amazônia, seus recursos humanos e naturais sejam promovidos a prioridade e autoridade em toda e qualquer iniciativa de transformar suas potencialidades em oportunidades de prosperidade geral.
Na contramão do Brasil, que tenta conter suas taxas de violência, a letalidade tem avançado na Amazônia, em especial em territórios dominados pelas organizações criminosas. Foram 9.011 pessoas assassinadas nos nove estados do bioma em 2022. A taxa de mortes violentas intencionais da região chegou a 36,5 por 100 mil habitantes no último ano, um crescimento de 76,7% em relação a 2011 e 45% maior do que a média nacional, de 23,3. São parte da Amazônia Legal os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão. Metade deles será beneficiada com a recuperação e estrutura inteligente de fiscalização e pacificação a partir do traçado da BR-319.
Quais as premissas de recuperação dessa rodovia que pode impulsionar o desenvolvimento no patamar social, econômico e ambiental na Região Norte do Brasil? Um debate que precisa sair do fígado político para a sabedoria do entendimento. Este debate, no esplendor de sua relevância e urgência, joga luzes sobre o padrão Amazônia de sustentabilidade, condição sagrada de sua gestão e do desenvolvimento regional.
Alfredo (*) é coordenador editorial da Coluna Follow-up, publicada às quartas, quintas e sextas-feiras no Jornal do Comercio do Amazonas, sob a responsabilidade do CIEAM, Centro da Indústria do Estado do Amazonas.