22/01/2016 08:59
Por indicação do prof. Dr. Augusto Rocha, da UFAM, associado do CIEAM, e co-orientador da tese de Doutorado do Programa de Biotecnologia: "A importância das inovações não tecnológicas e tecnológicas para o desempenho das empresas de bionegócios", fomos entrevistar o novo PhD em Biotecnologia, com literatura já publicada sobre o tema, no momento em que o país celebra dois marcos regulatórios importantes: o de acesso à biodiversidade e de Ciência, Tecnologia e Inovação. São, a rigor, dois ensaios de desburocratização, que procuram inserir o Brasil no século XXI, destes novos e potenciais nichos de mercado. O modelo ZFM, há quase duas décadas, tenta avançar na diversificação de sua indústria na direção de sua vocação de bionegócios. A obviedade deste caminho contrasta com os embaraços que lhe são impostos e a desarticulação que o transtorna. O trabalho do agora Dr. Manoel Carlos, se propôs a identificar como são as inovações não tecnológicas e tecnológicas em empresas de bionegócio que tiveram apoio financeiro do Programa PAPPE da FAPEAM. As inovações tecnológicas são aquelas relativas às mudanças em produtos e processos de produção e as não tecnológicas são mudanças nas estratégias de gestão e de marketing nas empresas. A pergunta central que ele respondeu foi evidenciar qual o impacto dessas inovações em outras variáveis como vendas, cooperações institucionais, exportação, acesso a mercados, qualidade do produto e eficiência da empresa. Além das demandas de inovação, os gargalos de gestão aparecem como impedimentos decisivos para o êxito dos empreendimentos.
1. FOLLOW-Up - As pequenas e microempresas são responsáveis por participações robustas do PIB em países como a Itália, Japão, Espanha. Como você avalia o potencial de expansão dessas empresas na ZFM?
Dr. MANOEL CARLOS - O potencial é significativo visto que muitos mercados ainda não foram sequer explorados pelas PMEs amazonenses. Além do mercado local, que é o foco de algumas dessas empresas, o mercado nacional e internacional deveria ser melhor considerado. O resultado da pesquisa que realizei em meu doutorado mostrou exemplos interessantes, em que algumas das empresas foram contatadas por clientes internacionais, mas não puderam aceitar o pedido devido à capacidade operacional reduzida, seja por motivos internos, como inexistência de maquinário ou por falha no fornecimento de matérias-primas das quais necessitam. Outras, afirmam não poder atender o mercado externo devido à burocracia brasileira ou exigências dos potenciais clientes e dos países em que estão localizados. Mesmo produtos com baixo valor agregado em termos de tecnologia teriam aceitação em mercados externos. Dessa forma a expansão dessas empresas passa, entre outros fatores, por uma confiável cadeia de fornecedores e pela capacidade produtiva, além de identificar mercados em que seus produtos possam ter visibilidade e aceitação.Â
2. FUp - O governo estadual criou um Distrito Industrial, nos moldes da Suframa, para fomentar micro e pequenas empresas. O que faltou para alcançar os resultados esperados de ampliação da receita e empregos com beneficiamento de produtos regionais?
MC - O planejamento e implementação de ações de apoio a estas empresas poderia ter trazido resultados mais auspiciosos. O governo, por meio de um órgão específico, ou mesmo a academia, atuando como uma ponte entre o mercado e estas empresas, viabilizando participações em feiras, negociando cooperações, acordos comerciais, a academia e institutos de pesquisa se aproximando destas empresas, viabilizando pesquisas, aperfeiçoando os produtos existentes, transferindo tecnologia e orientando a gestão empresarial. Há a necessidade de que estas ações sejam sistemáticas e não apenas pontuais.
3. FUp - A Fapeam está distribuindo bolsas no Programa Sinapse para ajustar as cadeias produtivas de algumas iniciativas regionais. Existem outras ações/estratégias para fortalecer o setor?
MC - O Sinapse tem um foco muito evidente no empreendedorismo e os projetos apresentados, ao meu ver, estão longe de ajustar cadeias produtivas e sim o de gerar mais necessidades em termos de matérias-primas regionais, caso os projetos sejam implementados. Entre alternativas para o fortalecimento da cadeia produtiva cita-se a priorização de atividades que aperfeiçoem os métodos de produção, o fortalecimento de cooperativas, transferências de tecnologia, desenvolvimento de tecnologia agronômica e industrial e parcerias com outras instituições e empresas, mesmo que concorrentes. Deve haver uma preocupação também com a continuidade dos projetos, ou seja, o incentivo financeiro inicial é primordial, mas a perenidade das empresas deve ser uma preocupação constante, o Sinapse tem essa preocupação do ponto de vista da orientação empresarial. Uma alternativa interessante seria fomentar a vinda de investidores nos moldes dos investidores anjos. (O Investimento-Anjo é o investimento efetuado por pessoas físicas com seu capital próprio em empresas nascentes com alto potencial de crescimento (as startups) apresentando as seguintes características:
- É efetuado por profissionais (empresários, executivos e profissionais liberais) experientes, que agregam valor para o empreendedor com seus conhecimentos, experiência e rede de relacionamentos além dos recursos financeiros, por isto é conhecido como smart-money.
- Tem normalmente uma participação minoritária no negócio. Não tem posição executiva na empresa, mas apoiam o empreendedor atuando como um mentor/conselheiro.Â
4. FUp - Academia, economia, poder público e mercado caminham em vias paralelas nos programas de biotecnologia. Como corrigir tais distorções?
MC - São fantásticas as pesquisas que vêm sem sendo realizadas nas Universidades. A UFAM tem pesquisas que poderiam ter uma aplicação comercial com grande valor agregado. Exemplificando, existe uma pesquisa com cogumelos amazônicos que podem ser transformados em alimento de grande valor nutritivo, outra estuda tubérculos de pouca utilização as empresas desconhecem tais pesquisas e a UFAM tem buscado ainda de maneira não sistemática divulgar essas pesquisas junto ao empresariado. Políticas públicas e institucionais viriam a diminuir esse descompasso, mas é primordial que haja uma agenda que preveja a execução das estratégias, para que não fiquem somente no campo do planejamento. Nesse sentido a academia tem um papel prioritário como catalisadora dos parceiros privados e públicos.Â
5. FUp - O Relatório BIOTECH Brasil do jornal inglês Financial Times, publicado recentemente, aponta a Biotecnologia como o segmento capaz de - como no agrobusiness - criar novos patamares de crescimento para o país. O que você sugere a respeito no contexto da ZFM?
MC - Acredito que um passo inicial seriam Pesquisas de mercado que indiquem quais produtos biotecnológicos teriam aceitação, onde seriam aceitos, formato de embalagem, dentre outras informações. Anteriormente a um processo de atração de empresas deve-se considerar a necessidade de criação de cadeias de fornecedores regionais confiáveis e que assegurem o fornecimento de matérias-primas com a qualidade necessária para produtos que venham atingir os vários mercados. Ou seja, não basta atrair ou criar empresar de biotecnologia. Uma das empresas que fez parte da pesquisa tem grande dificuldade em comprar pupunha em grande quantidade e com qualidade para fabricar um de seus produtos. Como ter confiança em iniciar uma empresa que não tenha assegurado o fornecimento dos insumos necessário?
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
Publicado no Jornal do Commercio do dia 22.01.2016