04/08/2022 08:16
Diálogos da Amazônia com Paulo Roberto Haddad UFMG e Rodemarck Castelo Branco - UFAM
Hoje a Coluna Follow-up completa as notas do excelente debate denso sobre Redução das Desigualdades Regionais do Brasil, realizado no último 1º de agosto, por dois economistas de peso, Paulo Roberto Haddad - professor emérito da UFMG e Rodemarck Castelo Branco -professor da UFAM e consultor de empresas, em Manaus. O evento se deu no âmbito dos Diálogos da Amazônia, da Fundação Getúlio Vargas, sob a coordenação de Márcio Holland e Daniel Vargas, professores da instituição. Notas de Alfredo Lopes - Follow-up
Houve muita convergência de posições nos conceitos de gestão da Amazônia entre os dois debatedores. Ambos invocaram a urgência de investimentos em recursos humanos, científicos e tecnológicos que assegurem a sustentabilidade dos padrões de desenvolvimento e que respaldem a precificação dos serviços ambientais dos Rios Voadores: filtragem das águas, sequestro de carbono, recursos hídricos para atendimento do Sudeste e Centro-Oeste, tanto para atender o clima, as demandas da energia hidrelétrica, água para distribuição urbana e agricultura…
A depredação dos recursos naturais e sua relação direta com o empobrecimento dos municípios e suas economias deprimidas, tem um marco histórico com a abertura da Belém Brasília, que criou, ao longo de seus 60 anos, centenas de municípios com baixíssimos indicadores de desenvolvimento humano, exatamente por causa da exploração predatória dos estoques naturais. Isso teve impacto no clima, no ciclo das águas, portanto, no desempenho da agricultura que perdeu percentuais significativos de seu rendimento pela remoção das florestas e de seus serviços ambientais, favoráveis a atividades produtivas.
Na ótica da contabilidade clássica de composição do PIB não se levam em conta ganhos e perdas para a composição da riqueza em sentido mais amplo, incluindo o patrimônio natural. Nesse conceito, uma das regiões mais ricas do Estado de São Paulo, o Vale do Ribeira, é considerado na avaliação clássica como a mais empobrecida em seus indicadores econômicos daquela unidade da Federação.
Além de descuidar a proteção de suas florestas e recursos hídricos, por não avaliar mais amplamente este patrimônio, o país abandonou suas políticas de desenvolvimento regional. A Zona Franca de Manaus é um caso à parte, apesar das incompreensões, e bem sucedido de política de desenvolvimento regional. Uma alvissareira exceção. Basta ver seus balanços de emprego, seu custo x benefício na comparação com outros conglomerados urbanos do país. Entretanto, a ZFM continua sendo um enclave, ou seja, uma imposição exógena de um modelo de desenvolvimento que ficou de costas para alternativas regionais de riqueza, como a bioeconomia. Um enclave, portanto, pelo perfil econômico que a descreve e seu modo de relacionamento com o ambiente amazônico.
Para resolver o paradoxo, poderíamos ordenar essa economia ajustando-a ao conceito de cluster de empresas âncoras, um arranjo criado de Michael Porter, que compartilha benefícios somente pelo fato das empresas se enxergarem como parte de uma cadeia, na qual trabalham de forma proativa para aumentar sua eficiência. Basta ver algumas abordagens que poderiam ser feitas com espécies enraizadas na região, como o guaraná, o açaí, o cacau e a castanha…
Olhemos o guaraná e o açaí, com visibilidade e mercado, ambos subutilizam seu potencial de diversificação de produtos. Usados com as ferramentas da nanobiotecnologia, suas propriedades poderiam gerar uma quantidade extraordinária de subprodutos para atender as demandas alimentares, medicinais, dermocosméticas globais e suas respectivas derivações. Isso expande toda cadeia de valor, desde a seleção de sementes para cultivo, com os melhoristas, profissionais que aprimoram a qualidade genética desde a germinação, até o cardápio final de produtos no mercado. No caso da soja, que tem 110 produtos com múltiplas finalidades, o Brasil, como o maior produtor mundial, entrega apenas três itens para o mercado, a soja em grãos, o óleo vegetal e o farelo. O modelo de cluster com empresa âncora fomenta e incentiva a cadeia na sua forma mais extensa e diversificada, integrando valor, planejamento, eficiência e resultados.
Este é o desafio para o Polo Industrial da Zona Franca de Manaus. Mobilizar a academia, institutos de pesquisa, estudos e mercado, com os subsídios inerentes a todos os bons negócios com comprovada demonstração prévia de excelentes resultados. Infelizmente, na última década o Brasil parou de fazer planejamento. Ou seja, perdemos a visão da totalidade e do conhecimento dos problemas e potencialidades regionais, sobretudo das regiões economicamente esvaziadas.
Ficar restrito aos créditos subsidiados sem uma avaliação da economia como um todo, recursos materiais, naturais e do equilíbrio ambiental está fadado a riscos e desastres. Ora, no caso da Amazônia, financiar máquinas que desmatam e dragas que depredam e envenenam o meio ambiente, essas instituições de crédito não resolvem e sim criam problemas no curto e médio prazo. Para isso, seria justo se, no bojo da legislação e códigos ambientais, os bancos fossem co-responsabilidades pela correção dos desastres ambientais.
Este planejamento/intervenção deveria estabelecer um prazo de 10 anos para que áreas desmatadas fossem impedidas de uso intensivo de pecuária ou outras atividades de uso em área depredadas.
Precisamos deter este padrão de economia predatória. Ele desmontam em pouco tempo a economia dos municípios que passam a depender das mesadas federais, com todas as demais distorções da vida social. Ainda é tempo de planejar e promover o desenvolvimento não destrutivo da floresta, organizar atividades e oportunidades de aproveitamento de nossos recursos naturais.
Nota do Editor: As intervenções de cada debatedor estarão à disposição dos internautas no portal BrasilAmazoniaAgora, no espaço O que o Brasil pensa sobre a Zona Franca de Manaus, uma economia legal da Amazônia, a partir desta semana, juntamente com o link dos Debates da Amazônia da Fundação Getúlio Vargas.