21/08/2020 08:41
Alfredo Lopes (*) Jorge Junior (**)
O debate sobre Amazônia nunca foi tão intenso. Já se fazia a hora. Em todos os sentidos todos nós ganhamos com isso na medida em que nos dispusermos a ouvir os nativos e a estudar o assunto. Assim, nos poupamos de constrangimentos públicos, afinal se trata de uma temática indiscutivelmente relevante para o presente e para o futuro do Brasil. O geógrafo Aziz Ab’ Saber, um estudioso da Amazônia, insistia em destacar que apenas 5% das espécies da diversidade biológica amazônica foi parar na bancada dos laboratórios brasileiros. Nos laboratórios estrangeiros, a conversa é outra e o percentual explica aquilo que o lendário professor Arthur César Ferreira Reis chamou de cobiça internacional. E que país é este que se recusa a mergulhar neste oceano de germoplasma - com tantas promessas de benefícios para sua gente. Estima-se que 1/5 dos seres vivos, incluindo fungos e bactérias, habitam a Amazônia, a maior floresta tropical da Terra, 60% do território nacional.
“Vamos passear na floresta enquanto...”
Por seu acervo biótico, fauna e flora, pela diversidade cultural de suas etnias, pela imensidão de seus recursos hídricos, especialmente seu almoxarifado mineral incalculável, aqui vai o convite para conhecer a Amazônia, contanto que você o faça na companhia de quem aqui vive os Amazônidas. Conhecer a população que aqui vive, verdadeiramente interessada em se mostrar ao Brasil Sul e Sudeste, significa prestar atenção para importância desse “último jardim do mundo”. Significa fazer do país um Brasil Amazônia, o país das águas, de muitas surpresas, oportunidades e respostas que tanto a Humanidade precisa que muitos gostariam de chamar de seu.
Salto para o futuro
Desde Alfred Russel e Henry Bates, botânicos ingleses que mergulharam na biota amazônica a partir de 1848, espalha-se a crença de que na floresta está guardada a chave da eterna juventude, da perenidade da vida e possibilidade da saúde integral. Aliás, se podemos atribuir um epílogo ao projeto Genoma, podemos dizer que esse trabalho - do qual participaram brasileiros com vivência Amazônica - confirmou em 2003, ao sequenciar o DNA e detalhar como se dá a correção dos distúrbios que separam a vida da morte, diríamos que os dois botânicos tinham razão. O nome disso é Ciência, evolução, tecnologia da inovação, isto é, Biotecnologia. Por isso, não faz sentido falar em soberania da Amazônia se não temos condições, hoje, de desencadear esse processo de investigação e consolidação do saber. Daí, a necessidade de atrair as associações científicas e institucionais, sob a perspectiva do desenvolvimento sustentável. Eles formaram os meninos e meninas do Programa Ciência sem Fronteiras que estão à espera do Brasil escolher a Amazônia. Isso nos permitiria dar um salto firme e promissor na direção do futuro que já se ensaia, desde a invenção do microscópio eletrônico, em 1933. Aqui está o mote e a senha de uma nova civilização.
Soja e gado?
Por isso que é uma aberração derrubar e queimar a floresta para plantar soja ou fazer pasto no lugar de manejar sem desmatar e destruir esse tesouro da diversidade biológica e premissa da Bioeconomia. Temos áreas degradadas disponíveis e muita inovação tecnológica desenvolvida pela Embrapa, suficientes para oferecer alimento para o mundo inteiro. Desmatar ou queimar o acervo restante é desertificar e desidratar o bioma florestal, é reduzir ao extremo o ciclo das águas que hidrata todo o Continente, provocando desequilíbrios até a Patagônia. Lideranças do Agronegócio há muito se deram conta disso e vêem nessa depredação sérias ameaças a à sobrevivência da agroeconomia.
A economia do Amazonas
Existe uma base econômica em Manaus, capital do Estado do Amazonas, no coração da floresta, que tem produzido riqueza para promover essa mudança. Chama-se programa Zona Franca de Manaus criado em 1967 para promover o desenvolvimento regional, oferecer emprego e renda e, com isso, apresentar alternativas aos demais modelos de desenvolvimento da região, alguns deles infiltrados de depredadores contumazes da floresta. Por desinformação ou má-fé, este Programa está sendo usado como bode expiatório dos equívocos da política fiscal do Brasil. Isso sim é que fake News. Não há renúncia fiscal na floresta, há uma compensação tributária, 8% dos incentivos fiscais por sermos uma região remota. O mundo inteiro, que conhece a Amazônia e a economia sustentável do Polo Industrial de Manaus, aplaude e incentiva essa economia. Que lugar do mundo utiliza essa merreca de contrapartida fiscal para gerar mais de 500 mil empregos, financiar a maior universidade multicampi do país, a Universidade do Estado do Amazonas. O Sudeste, a região mais rica, usufrui de mais de 50% desses incentivos, sem prestar contas ao contribuinte como faz a Suframa, gestora dessa contrapartida. Infelizmente, o país em vez de abraçar a Amazônia, escolheu transformá-la em baú da felicidade do fisco. Confisca 54% da riqueza aqui gerada.
Fatos, preconceitos e boatos
Dados da Receita Federal que descrevem os gastos fiscais do Brasil dizem que a ZFM custa R$ 25 bilhões, outra legítima fake news, pois considera os recursos que o governo arrecadaria se tirasse os 8% legitimados pela Constituição para reduzir a crueldade de nossas desigualdades regionais. Não há gasto público na ZFM. Tudo fica por conta das empresas que optam trabalhar na floresta . Em 2019, as empresas da ZFM recolheram R$ 1 bilhões de IPI para a União, mais quatro bilhões por parte do Estado do Amazonas, além de aproximadamente R$ 2 bilhões para pesquisa, desenvolvimento e inovação, interiorização do desenvolvimento e custeio integral da formação acadêmica gratuita oferecida pela UEA. Ora, empresas foram chamadas pelo governo federal para gerar emprego, renda e, indiretamente, ocupar e proteger a Amazônia Ocidental. Se essas forem embora, rumarão para outros países do Continente, nunca para o Sudeste, pois declaradamente não topam pagar o custo Brasil. Ou seja, o Brasil deixaria de gerar 500 mil empregos segundo o IBGE e de recolher, de fato, R$23 bilhões.
Perfume não pode
Em tempo, os recursos para pesquisa foram historicamente aplicados em outras regiões ou recolhidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a despeito das oportunidades e necessidades regionais de pesquisa, fomento e novos mercados. E os recursos de Interiorização do Desenvolvimento e fomento de micro e pequenas empresas tem sido, historicamente, gastos pela gestão estadual para custeio da máquina pública. Acredite se puder!!! A propósito, o Polo industrial de Manaus fabrica tanques de combustível para motocicletas e tem mais de 20 empresas no segmento de Duas Rodas, além do Polo Eletroetrônico, o maior da América Latina, de Informática, Concentrados, entre outros. Enquanto isso, a floresta, mais de 95% conservada em sua cobertura vegetal original, fabrica também oxigênio para ajudar o Clima, pois fixa 200 bilhões de toneladas de carbono da atmosfera, hidrata o Continente e tem respostas robustas para o Brasil e para a Humanidade. Felizmente, a Constituição Brasileira, que nos ampara como economia estratégica para proteção da Amazônia, não permite contrapartida fiscal para produção de armas e munições, cigarros, carros de passeio, bebidas alcoólicos e perfumes. Não nos levem a mal, não fabricamos perfumes...
(*) Alfredo M R Lopes é filósofo, ensaísta, consultor do CIEAM e editor-chefe do portal Brasil Amazônia Agora
(**) Jorge Nascimento Júnior, presidente da ELETROS, Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos, Secretário do Estado de Planejamento, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Amazonas (2017); Coordenador Geral de Acompanhamento de Projetos Industriais da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) de 2003 a 2016