18/05/2023 11:14
“Ou seja, ao inibir o uso da vegetação como meio de sobrevivência das famílias, as indústrias, indiretamente, deixam a floresta em pé. Esses estudos começam a ser vistos pelas empresas associadas ao CIEAM (Centra das Indústrias do estado do Amazonas)como trunfos preciosos de sua performance ambiental. Dizendo mais claramente, o processo produtivo das indústrias sempre esteve relacionado com a proteção florestal e agora isso ganha maior atenção e um estatuto efetivo de contribuição para a mudança climática.”
Por Alfredo Lopes
De sustentável a vilão? O Amazonas, para regozijo de uns poucos, e dano mortal à economia do Estado, se consagrou em março último campeão do desmatamento florestal no Brasil, entre os nove estados da Amazônia Legal em 2023. O Estado, segundo o IMAZON, havia devastado 12 km² em março de 2022, e pulou para 104 km² em março de 2023, uma alta de 767%. Ou seja: nove vezes mais. Com isso, chegamos à liderança dos que mais desmataram a Amazônia no mês.
Em outras palavras, na única região em que foi feito o ZEE, zoneamento econômico e ecológico, no Sul do Estado, se concentrou 30% de toda a devastação na região. Quem disser, agora, que preservamos 97% da cobertura vegetal do Estado estará mentindo no mês de março. É hora de parar para acertar e começar tudo de novo, ou seja, prestar atenção no processo produtivo e na proteção da floresta.
E o que significa isso? Ora, desde 1992, quando o país abrigou a Conferencia da ONU, sobre desenvolvimento e meio ambiente, passamos a dizer de peito tufado que mantínhamos intacta, praticamente, a cobertura vegetal do Estado, geograficamente, o maior da federação. E isso se tornou um mantra que exibíamos como um troféu sem fazer coisa alguma além de gerar emprego para 500 mil colaboradores e muitos recursos aos cofres públicos.
Esses recursos, entretanto, nunca foram aplicados em estudos para monetizar a contribuição da floresta para o clima. Ou seja, demonstrar que o tipo de empregos ofertados pela ZFM e que deixam as árvores em pé devem ser remunerados. E se a lógica é compensar a “renúncia fiscal”, vamos acertar as contas. Dizendo de outro jeito, é possível precificar os serviços ambientais prestados por um Amazonas preservado na luta contra o aquecimento global. Este é o valor do combate ao desmatamento de que fala o Banco Mundial em seu último relatório.
O Polo Industrial de Manaus, na verdade, segue reforçando, sem perceber, uma opinião pública distorcida que enxerga a Amazônia como um almoxarifado de multiuso e múltiplos modos extrativistas. Só há um jeito de cobrar isso: a Lei. Todos os fundos e contribuições gerados a partir da contrapartida fiscal do poder público às indústrias precisam ser revisados e aplicados na região. Por isso, é preciso urgentemente seguir o dinheiro gerado pelas empresas e repassados ao poder público.
Nos últimos 8 anos o Estado recebeu em torno de R$ 20 bilhões da Indústria para: a manutenção da UEA, Universidade do Estado do Amazonas; para Turismo e Interiorização do Desenvolvimento e Micro e Pequenas Empresas. Quais são as métricas de mensuração em termos de benefícios, resultados, produtos, empregos, estruturas e infraestruturas de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico? Que novas matrizes econômicas foram implantadas para a diversificação, adensamento e regionalização da Indústria e da economia? Sem auditoria a economia vai sem rumo.
A quantas andam as atividades de contrapartida para justificar essa abundância de ativos propiciados pela indústria aos cofres estaduais? Nos cofres federais a coisa toma igualmente dimensões imensuráveis. São recursos que devem gerar recursos. Não custeio da máquina pública pois isso não está previsto em lei. No máximo, podemos assegurar o credenciamento dos atores locais para habilitação institucional de aproveitamento dos créditos de carbono. Caso não queiramos dar de mão beijada oportunidades para os oportunistas de ocasião. É hora de avaliar se queremos manter e acolher criticamente as sugestões federais de transição. Presta atenção, mutirão!
Ferramenta não nos faltam. Uma delas permite que, de uma vez por todas, possamos demonstrar que as indústrias instaladas em Manaus são superavitárias na contabilidade ambiental. Ou seja, antes da metodologia ESG já estávamos habilitados a demonstrar que o conjunto das indústrias instaladas em Manaus são literalmente “descarbonizadas por natureza”. Além de solidárias são sustentáveis.
Desde 2014, o Laboratório de Manejo Florestal do INPA, sob a batuta do cientista Niro Higuchi, está habilitado a demonstrar como se dá a dinâmica do carbono, na sigla CADAF, em inglês. Trata-se de um projeto e um programa financiado integralmente pelo governo do Japão, para descrever como a floresta se comporta a partir da fotossíntese, um mecanismo incrível que assimila o gás carbônico para formação de matéria orgânica com a prerrogativa de liberação de oxigênio.
Observem: ao inibir o uso da vegetação como meio de sobrevivência das famílias no Amazonas, as indústrias, indiretamente, deixam a floresta em pé. Por isso, desmatar é crime e é burrice. Esses estudos começam a ser vistos pelas empresas associadas ao CIEAM como trunfos preciosos de sua performance ambiental. Dizendo mais claramente, o processo produtivo das indústrias sempre esteve relacionado com a proteção florestal e agora isso ganha maior atenção e um estatuto efetivo de contribuição para a mudança climática.
E para ilustrar a relevância do tema, nesta quarta-feira, a Organização Meteorológica Mundial publicou um alerta que o planeta atravessará um período de temperaturas altas assustadoras nos próximos cinco anos, com um profundo impacto em diversas regiões do mundo. Segundo tais previsões, na floresta amazônica, haverá queda do regime de chuvas, com um provável impacto no agronegócio, portanto, na economia do país. Já é fato confirmado que os últimos oito anos foram os anos mais quentes já registrados. Doravante, algumas previsões, segundo a ONU, são as seguintes:
Há 66% de probabilidade de que a média anual da temperatura global próxima à superfície entre 2023 e 2027 seja superior a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais por pelo menos um ano.
Há uma probabilidade de 98% de que pelo menos um dos próximos cinco anos, e o período de cinco anos como um todo, seja o mais quente já registrado.
Prevê-se que as temperaturas médias globais continuem aumentando, afastando-nos cada vez mais do clima com o qual estamos acostumados. Em 2022, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas fez um alerta e apontou para os riscos relacionados ao clima para os sistemas naturais e humanos diante de um aquecimento global de 1,5 °C.7
Diante da constatação, o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, deixou claro no final do ano passado que “o mundo está em uma encruzilhada – e nosso planeta está na mira”. “Estamos nos aproximando do ponto de não retorno, de ultrapassar o limite acordado internacionalmente de 1,5 grau Celsius de aquecimento global”.
Por isso, desmatar para contrabandear madeira, para expansão da fronteira agrícola, é crime e um atestado clarividente de burrice, desmatar para explorar minérios em terra indígena é crime e dos hediondos. Desmatar é matar a vida, aquecer o clima, destruir a floresta e as esperanças de tudo se ajeitar que ela representa.
Fonte: BrasilAmazoniaAgora