02/07/2024 20:07
“A presença federal deve ser proativa e cumpridora de suas atribuições, provendo a infraestrutura que lhe compete para que o Amazonas possa enfrentar outras vazantes e continue a desempenhar seu papel vital para o Norte do país e para a economia brasileira”.
Por Alfredo Lopes (*) Coluna Follow-up - 02.07.2024
Às vésperas de mais uma vazante extrema dos rios da Amazônia, a dragagem volta a ser destaque nas discussões do fórum sobre logística da Comissão CIEAM de Logística. Enquanto essa técnica surge como uma resposta imediata para prevenir os danos vivenciados em 2023, seu planejamento e execução demandam uma abordagem meticulosa para evitar consequências socioambientais adversas. Estamos convencidos de que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), por seu portfólio de serviços na Amazônia, tem presente essas precauções.
Questões Ambientais
Após anos de garimpo ilegal em áreas públicas, a dragagem, essencial para a manutenção e aprofundamento dos canais de navegação, enfrenta dilemas ambientais significativos. A composição dos sedimentos dragados, que inclui desde partículas minerais até resíduos tóxicos como mercúrio e cádmio, representa um risco potencial à saúde dos ecossistemas e das comunidades locais. As escolhas sobre onde e como dispor esses materiais requerem cuidadosa consideração dos impactos ambientais, incluindo alterações na qualidade da água e prejuízos à biodiversidade aquática.
Debate e colaboração
Importante sublinhar que, em nenhum momento, estamos contra a dragagem. Estamos atentos e à disposição do próprio DNIT para debater com os demais atores federais e a academia os cuidados em tratar um bioma com tantas potencialidades e fragilidades como é a Amazônia. Este clima de debate, neste momento, precisa funcionar como um gabinete de crise, pois além dos debates e providências, tivemos problemas ligados a distorções e abusos tarifários no último episódio de vazante extrema.
Lições e preocupações de 2023
Em 2023, além dos prejuízos que ultrapassaram R$ 1,3 bilhão para administrar as dificuldades climáticas, houve registro de exageros nas chamadas taxas da seca. A perspectiva de novos abusos já movimenta setores público e privado, gerando preocupações e alertas. A economia do Amazonas sobrevive de contrapartida fiscal, fato que deveria inibir qualquer tentativa de oportunismo para o setor produtivo que, mesmo com as medidas de compensação fiscal, precisa gerenciar muitos itens extraordinários em sua planilha de custos.
Importância da ANTAq
Neste momento, para evitar distorções e exageros tarifários, a presença da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAq) é de fundamental importância. Como se tratam de cobranças adicionais e circunstanciais, a autoridade federal do setor tem papel decisivo para coibir anomalias. Em defesa de seus associados, o CIEAM invoca a colaboração entre os diversos atores, usuários e instituições para que possamos assegurar soluções eficazes e sustentáveis.
Um contexto chamado ZFM
A Zona Franca de Manaus (ZFM) é frequentemente subestimada em sua relevância para a economia brasileira, provavelmente por um desconhecimento crônico da estrutura e do funcionamento desta bem-sucedida política pública do Estado Brasileiro. Com o estigma de paraíso fiscal, trata-se de um programa de redução das desigualdades regionais que contribui com 29,4% do valor bruto da produção (VBP) da região Norte e 1,7% do VBP do Brasil. São dados do IBGE que autorizam o reconhecimento do Amazonas como um dos Estados mais importantes do Norte e Nordeste para a economia nacional. A narrativa que coloca a ZFM como um rombo fiscal é desmentida por dados concretos como estes do IBGE e estudos de instituições renomadas, como a USP e a Fundação Getulio Vargas.
Palavras de Autoridade
Estudos pioneiros de Samuel Benchimol destacam que, ao contrário do que muitos pensam, a ZFM nunca foi um paraíso fiscal que drenava recursos públicos. “Longe de ser um paraíso fiscal, a ZFM é o verdadeiro paraíso do Fisco”, dizia ele. Em toda a estruturação do Polo Industrial de Manaus não há um centavo público de investimento. Pelo contrário, sempre foi um Polo de Desenvolvimento Industrial que contribuía significativamente para a arrecadação federal. A transparência e a precisão dos dados são essenciais para compreender essa realidade, destacando a verdadeira importância da ZFM na economia brasileira.
Desafios e contradições
Essas considerações estatísticas e históricas ajudam a entender a necessidade de maior respaldo e presença da União neste cenário adverso de infraestrutura precária. A seca, que se repete em 2024 na Amazônia, ressalta os desafios logísticos da região. A queda no nível dos rios compromete a navegação, essencial para o transporte de mercadorias e pessoas. A dragagem emergencial realizada em 2023, que custou cerca de R$ 80 milhões, foi ineficaz para evitar prejuízos, e o plano para repetir essa ação nos próximos cinco anos, com promessas de R$ 500 milhões, levanta dúvidas sobre sua eficácia e responsabilidade. Soluções de longo prazo, como um Plano Sistêmico de Logística e Transportes, são necessárias para evitar desperdício de recursos e garantir a navegabilidade. A colaboração entre instituições locais, como universidades e o Serviço Geológico do Brasil (SGB), é inadiável para desenvolver alternativas mais efetivas.
Contribuições e protelações
Esses dois cenários – a robusta contribuição econômica da ZFM e os desafios da infraestrutura logística – ilustram um paradoxo significativo: o desenvolvimento econômico do Amazonas é essencial para a Amazônia e para o Brasil, mas a região padece de apoio e planejamento federal adequados. Enquanto a ZFM demonstra a capacidade de gerar valor e riqueza, a falta de infraestrutura compromete essa contribuição, criando obstáculos que poderiam ser evitados com uma presença federal mais articulada e proativa.
Falta um projeto ou um abraço?
A falta de um apoio federal adequado se manifesta nas delongas de projetos como a sinalização, balizamento ou dragagem dos rios, assim como na ausência de um planejamento logístico sistêmico que considere as particularidades da Região Amazônica. Instituições locais possuem o conhecimento necessário para desenvolver soluções eficazes, mas precisam de apoio e coordenação federal para implementar essas soluções de forma eficaz. Falta um projeto como o da Embrapa para o Agronegócio ou um abraço de superação como o Pró-Álcool nos anos 80. Enquanto isso, através de sua Comissão de Logística, sob a coordenação do professor Augusto Rocha, o CIEAM tem promovido fóruns e mobilizado atores públicos e privados para conhecer, debater e encaminhar problemas crônicos e soluções viáveis.
Premissas da superação e da colaboração
Enquanto isso, os heróis de ocasião esfregam as mãos de ansiedade para assegurar suas estimativas de ganhos. E o Amazonas segue enfrentando seu paradoxo secular: robusta contribuição econômica – desde o Ciclo da Borracha até os dias atuais – acompanhada por inadequado e tímido apoio federal. Superar esses desafios requer uma abordagem coordenada que valorize e utilize o conhecimento da problemática local, implementando soluções de longo prazo que garantam a sustentabilidade e o desenvolvimento contínuo da região. A presença federal deve ser proativa e cumpridora de suas atribuições, provendo a infraestrutura que lhe compete para que o Amazonas possa enfrentar outras vazantes e continue a desempenhar seu papel vital para o Norte do país e para a economia brasileira.
(*) Coluna Follow-up é publicada as quartas, quintas e sextas-feiras no Jornal do Commercio do Amazonas, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes, editor do portal BrasilAmazoniaAgora
Fonte: BrasilAmazoniaAgora