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Coluna do CIEAM

Além e à margem da BR 319

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26/09/2014 14:11

Há um amontoado de entalos, equívocos e omissões na gestão da Amazônia, e isso se perpetuará na medida em que nos limitarmos a gritar isoladamente, e ficar na dependência da decisão federal para encaminhar as soluções de problemas que nos compete assumir. Temos ensaiado e levamos ao palco todos os dias o nonsense de Esperando Godot, o mais ilustrativo texto na história do teatro do absurdo, e a principal obra de Samuel Beckett. No epílogo, os dois personagens, um cego e outro surdo, são avisados por uma criança que Godot, aquele que eles esperaram a vida toda, não virá, talvez amanhã... Tem sido assim, a espera pela gestão da Amazônia, dos gargalos de nosso desenvolvimento e da sustentabilidade de nossas práticas. Somos ou permitimos verdadeiros desastres na gestão das nossas potencialidades naturais, tratando a emergência do aproveitamento racional desses insumos com ações tímidas, elaboradas com superficialidade e sucumbência na hora do encaminhamento. Estamos, nós mesmos, criando problemas e entraves para oferecer respostas para algumas de nossas mais importantes demandas locais com reflexos nacionais. E nesse cenário, a recuperação da BR 319 é apenas um item, além do qual, muitos outros podemos e devemos resolver. Chega de tratar a multiplicidade de alternativas pedindo licença para pensar e usar os recursos aqui gerados e transformados em moeda de troca para objetivos nebulosos. Por que não cobrar na Corte Suprema, a inconstitucionalidade das medidas arbitrárias que nos impõem em tantos níveis? Por que assentir aos enganos, travestidos de brasilidade, muitas vezes mal-intencionados e descomprometidos com as pessoas que aqui vivem e integram mais de uma dezena de municípios entre os piores do país? A BR 319, além da sustentabilidade econômica, social e ambiental, exige a mobilização dos atores locais, à margem de seus objetivos, para responder e fazer valer o ponto de vista da comunidade local.

O exercício da cidadania


E é neste contexto que, à exceção de iniciativas isoladas da academia e um detalhado arrazoado da economia, feito pelas entidades do setor produtivo, FIEAM/CIEAM, temos descuidado por desmobilização ou desinteresse, a equação deste problema setorial – asfaltar a BR 319 – que ilustra a inépcia do tecido social em priorizar o conhecimento de nossas fragilidades, necessidades e potencialidades como premissas de correção dos equívocos que a desinformação e o descompromisso com esta região propiciam. Vivemos num Estado que representa 18% do território nacional, mas em que apenas 20% desta imensidade geográfica e geopolítica podem ser manejadas. O restante é constitucionalmente intocável. Esta superfície, por imposição legal, nacional e internacional, tem 50,01% constituído de áreas indígenas e de áreas protegidas, sendo que, em muitas delas, não há mais índio sequer ou, muitos dos que lá existem, querem adentrar pela porta da frente nos domínios das conquistas e benefícios da civilização não-índia. Delimitaram Unidades de Conservação sem um cuidadoso Diagnóstico Ambiental, sem Zoneamento Ecológico-Econômico para definir fragilidades e potencialidades, sem elaboração de Plano de Manejo, para que haja uma justificação coerente de forma e do conteúdo da eventual demarcação. Ali, por imposições de burocratas arrogantes, é desaconselhada coleta e beneficiamento de amêndoas para resolver questões prosaicas do dia a dia que a bolsa verde não equaciona. E isso precisa mudar, precisa ser objeto de estudo, debate e mudança efetiva a favor do homem, da mulher que, no universo de 23 milhões de indivíduos, exigem e têm direito o pleno exercício da cidadania.

Pesquisa e desenvolvimento


Alguém já propôs um debate sobre a coincidência das Unidades de Conservação serem áreas extremamente nobres e preciosas do ponto de vista de seu banco genético, de sua vocação ecoturística e de bionegócios? Áreas de monumentais jazimentos minerais, com ocorrências de metais preciosos de destacado valor no mercado internacional, jazimentos, que colocariam em risco corporações estrangeiras que iriam à bancarrota com a oferta de apenas algumas dessas espécies minerais. Foi assim nos anos 80, quando minas inglesas de cassiterita foram fechadas na Malásia quando entrou em produção a Mineração Taboca, da empresa Paranapanema. É curiosa também a sofreguidão em demarcar de afogadilho Unidades de Conservação nessas áreas, pois as justificativas legais para sua implantação decorrem de problemas causados ao meio ambiente por ocupação antrópica desordenada, desmatamento, grilagem, queimadas, pesca predatória e exploração mineral desordenada. Nenhuma dessas ocorrências tem registro de monta no caso do Amazonas. Além da inexistência dos Planos de Manejo, o Poder Público está absolutamente despreocupado em disponibilizar qualquer tipo de infraestrutura que assegure estabelecimentos produtivos capazes de assegurar o patrimônio natural. Em nenhum lugar do mundo a ecologia, para se manter, anda separada da economia. Além de não prover infraestrutura, o poder público sequestra, dispersa ou aplica mal os recursos da região para pesquisa científica, para equipamentos de monitoramento e controle para dar anteparo aos empreendimentos privados. Com a BR 319, impõe-se novas opções de pesquisa atrelada ao desenvolvimento para uma agroindústria extrativa sustentável, que adote modelos já consagrados no cardápio da AFEAM, EMBRAPA, IDAM e INPA.

Terra de ninguém (?)


Um patrimônio imenso a serviço de quem? As unidades de conservação, uma imensidão do território do Amazonas, vedada ao interesse do caboclo, gera negócios para atores privilegiados de outras regiões e nacionalidades. Elas representam 9,06% do território nacional e 20% de toda a região Norte, sendo cinco vezes maior do que os Estados do Amapá e Acre juntos e três vezes maior do que Rondônia e Roraima. Comparando com a Europa, o tombamento no Amazonas é três vezes maior que o Reino Unido, duas vezes e meia o tamanho da Itália e corresponde a duas Alemanhas e à soma da superfície de Albânia, Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Polônia, Portugal, Suécia e Suíça. Um preservacionismo estrábico e mágico que, oficialmente, diz preservar a Amazônia do desmatamento e da grilagem. Na prática, o dano que isso provoca autoriza qualquer pessoa de bom senso a acusar o Poder Público de inépcia ou má-fé. Até 2009, foram criados, por decreto, 8,4 milhões de hectares de áreas protegidas e 9,3 milhões de hectares de terras indígenas nos mesmos parâmetros inconsequentes aqui mencionados. E o mais grave: são medidas que não dão às etnias as condições dignas de prosperidade que tanto buscam.

Intocabilidade suspeita


Estas unidades de conservação, sem os mínimos critérios de atendimento às exigências legais em vigor, curiosamente, coincidem com áreas de ocorrências comprovadas de imensos jazimentos minerais. É o caso da Reserva Biológica do Morro dos Seis Lagos, onde está identificada a ocorrência excepcional de nióbio, ferro, manganês, fosfato e terras raras. Mais curioso ainda é saber que aquela província mineral já faz parte do Parque Nacional do Pico da Neblina. Para não correr qualquer risco de utilização, essas reservas foram tombadas duas vezes. E lá pesquisadores ou ecoturistas brasileiros não podem adentrar. Os defensores intransigentes da não-recuperação da BR-319, que tiraria o Amazonas do isolamento rodoviário em relação ao Brasil, se apressaram em criar a Área sob Limitação Administrativa Provisória para aquela rodovia, onde é preciso uma maratona burocrática para mudar e ocupar sua área de influência. É justo e necessário promover a suspensão de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente causadores de degradação ambiental. É esta intenção da delimitação ambiental imposta ou está em jogo a exploração da silvinita na região de Nova Olinda do Norte e Itacoatiara, do ouro em Humaitá, e da cassiterita, da ametista e da tantalita em Lábrea, Humaitá e Canutama, bem como as promissoras atividades de silvicultura no traçado rodoviário? Voltaremos.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br

Publicado no Jornal do Commercio do dia 26.09.2014

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