23/06/2023 09:05
“Não se criou ainda, no Brasil, uma consciência, fora do emotivismo ou do sensacionalismo de romance e de jornal, elaborada com serenidade e com realismo acerca da Amazônia. Temos preferido conhecê-la, quando não nos deixamos dominar pela frase macia, as sentenças euclidianas, pelas mãos dos homens de ciência do estrangeiro, que não se cansam de frequentá-la e de investigá-la com os propósitos de bem servir ao conhecimento humano, mas, também, aos interesses políticos de suas pátrias”. Arthur Reis s/ Cosme Ferreira
Por Belmiro Vianez Filho
empresário do comércio, ex-presidente da ACA e colunista do portal BrasilAmazôniaAgora e Jornal do Commércio
Temos uma galeria numerosa de lideranças empresariais da melhor qualidade a homenagear nos 152 anos da Associação Comercial do Amazonas, a mais antiga e respeitável entidade de classe na história do desenvolvimento regional da Amazônia. Entre eles, Cosme Ferreira. E tenho certeza que seo Belmiro Vianez, meu pai e seu contemporâneo, o destacaria como figura extraordinária. E, como testemunha, no vigor de minha juventude, não poderia deixar de reforçar essa apreciação.
Um visionário, que veio ainda criança do Ceará para viver o Amazonas. E viveu intensamente. E permanece vivo no castanhal e no seringal que plantou nas imediações da Escola Agrícola do Paredão. Amazonas se revelou sua nova terra como ocorre aos cearenses que aqui vieram aos milhões para edificar o Ciclo da Borracha. Cosme deixou o País das Amazonas melhor do que encontrou. E seu legado é de puro empreendedorismo, modernidade e, principalmente, de referencial ético e de princípios que descrevem a decência e a dignidade dos costumes.
Empresário, jornalista, poeta, aglutinador e mentor de muitas gerações, Cosme Ferreira se transformou em referência para todos os seus contemporâneos – e para o momento presente de modo singular. Para ele cidadania é trabalho digno, construtivo e colaborativo, que forja o caráter, valor indispensável ao convívio social. Uma visão de mundo amazônica, nos negócios, nas crenças e propostas, registradas em sua densa bibliografia, inspirada em sua crença no desenvolvimento econômico e prosperidade social do Amazonas e da Amazônia . Os anais da ACA, Associação Comercial do Amazonas, e do IGHA, o Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas, estão apinhados de seus escritos desenvolvimentistas, de agroindústria , historiográficos e poéticos. O acervo do Jornal do Comercio também registra sua veia literária.
Vale a pena visitar a obra de Cosme Ferreira para compreender melhor sua importância e contribuição para o enfrentamento deste desafio da prosperidade regional. Quando atuou como diretor-executivo da Associação Comercial do Amazonas, tratou de organizar a memória da entidade, sempre preocupado em registrar iniciativas para as gerações subsequentes. Foi aí que sistematizou o acervo das atas, documentos, projetos, relatórios mais significativos das atividades comerciais e industriais da entidade. E isso ficou sistematizado ocasião num de seus livros: “Primeiro Centenário da Associação Comercial do Amazonas (1871-1971)”. Mesmo com a visibilidade e aplausos para sua dedicação e compromisso, Cosme não se apegou ao cargo na entidade, muito menos fez dela meio de vida, ou ocasião de constrangimento institucional.
Sua compensação veio do reconhecimento literário. Cosme foi escolhido, ainda jovem, para ocupar a cadeira número um, de Pericles Morais, da Academia Amazonense de Letras, pelo conjunto de sua obra e pela lisura de sua jornada. Outro prêmio foi o aplauso popular para representar a população do Amazonas na Assembleia Legislativa e o Estado, que escolheu como seu, na Câmara Federal. Suas ideias e propostas para o desenvolvimento da Amazônia estão disponíveis nas bibliotecas públicas e, muitas delas, na internet.
São livros e reflexões de leitura obrigatória para quem pretende conhecer a história da região. Pelos títulos já é possível inferir os temas de suas preocupações e propósitos: “Em Defesa da Borracha Silvestre Americana” (1928); “Notas Parlamentares sobre a Constituinte Amazonense” (1935); “Borracha, Problema Brasileiro”(1938); “Problemas da Amazônia” (1940); “A Borracha na Economia Amazônica” (1952); “Novas Bases para a Política Econômica da Borracha” (1953); “Novos Ângulos do Problema Amazônico” (1954); “Economia da Produção” (1956); “Amazônia em Novas Dimensões” (1961); “Porque Perdemos a Batalha da Borracha”(1965), entre outros conteúdos jornalísticos e poéticos.
Em seu último mandato, o governador Gilberto Mestrinho homenageou nosso personagem com uma das principais vias, a Alameda Cosme Ferreira, na Zona Leste de Manaus. Faleceu em Manaus a 1º de outubro de 1976, com 83 anos de obstinação, simplicidade e conquistas. É oportuno destacar alguns de seus empreendimentos: Companhia Nacional de Borracha, Companhia Brasileira de Plantações e Companhia Brasileira de Guaraná, intuições transformadas em empresas resultantes da percepção visionária da prosperidade econômica, fundada no aproveitamento sustentável da floresta. Entre seus discípulos, podemos destacar dois grandes pioneiros: Petronio Augusto Pinheiro e Antônio de Andrade Simões.
Ao homenagear a ACA, seus 152 anos de presença ativa e construtiva na história do desenvolvimento da Amazônia – atributos que se espera de uma entidade do setor privado – podemos assinalar seu legado dos bons costumes, compromissos com o interesse coletivo e seu código de posturas. Assim, destacar a presença de Cosme Ferreira na ACA é, sobretudo, uma homenageam abrangente. Uma entidade exemplar e um de seus mais dignos gestores, seu legado e jornada brilhante. Aqui reprisamos, num parágrafo, sua visão de mundo, sua contribuição e profecia traduzidas por Arthur Cézar Ferreira Réis, intelectual e ex-governador do Amazonas, no prefácio de um de seus livros.
“Não se criou ainda, no Brasil, uma consciência, fora do emotivismo ou do sensacionalismo de romance e de jornal, elaborada com serenidade e com realismo acerca da Amazônia. Temos preferido conhecê-la, quando não nos deixamos dominar pela frase macia, as sentenças euclidianas, pelas mãos dos homens de ciência do estrangeiro, que não se cansam de frequentá-la e de investigá-la com os propósitos de bem servir ao conhecimento humano, mas, também, aos interesses políticos de suas pátrias”, no prefácio de Amazonas em novas dimensões(1961), Ed. Conquista, de Cosme Ferreira.
Fonte: Brasil Amazônia Agora