23/08/2019 09:03
Parceiro de longa data dos debates jurídicos sobre a economia do Amazonas, atento aos acertos e paradoxos de nossa contrapartida fiscal, o jurista Marco Aurélio Greco, professor-doutor renomado e respeitado internacionalmente, veio a Manaus, no dia 15 último, para integrar a mesa principal dos debates sobre Reforma Tributária e a Zona Franca de Manaus. Ele veio ao Amazonas para uma discussão que envolve, além de segurança jurídica, o arcabouço constitucional que há tempos obriga os atores locais a recorrer à corte suprema. Em sua palestra, ele focou na proposta mais avançada, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 45), que já tem aprovação da Comissão de Constituição e Justiça, Comissão mista montada, e as denições estão caminhando numa velocidade preocupante. Em suas observações, abordando a questão jurídica, foi além do texto, encarecendo a atenção dos presentes em relação as três grandes interfaces do Direito: a política, a econômica e a social. A ecácia da norma jurídica, a segurança que dela se espera, advêm da melhor sintonia com a três interfaces. Desse ponto de vista, o grande personagem da história foi simplesmente ignorado no texto da PEC 45. Ele levantou o ponto da uniformidade em si. E comentou que a uniformidade é proposta numa tributação de consumo, com uma visão muito simplista. Essa tributação de consumo, alcança de modo enviesado o personagem principal: a população. E a partir disso, o jurista desenvolveu sua abordagem.
O que importa é só arrecadar?
Para o professor Greco, um constitucionalista respeitável, há muita preocupação e muito de
debate sobretudo o quanto vai ser arrecadado, o quanto vai perder de arrecadação, como
caram as contas públicas? Tudo sugere que o personagem principal é o Estado. Ora, o centro
de discussão não é o poder público. A rigor, precisamos responder a uma pergunta: qual perl
da população que nós temos, e saber se essa população é compatível com uma tributação
uniforme, ou seja, igual para pobres e ricos. Para ele, uma tributação uniforme sobre consumo é
incompatível com a realidade brasileira. Toda a uniformidade é sedutora, agrada a todos no
mundo das ideias, entretanto ela leva a paradoxos e distorções. Foi lembrado o exemplo
histórico: no período do terror, 4 ou 5 anos após a Revolução Francesa, um padeiro colocou na
sua padaria uma plaquinha dizendo “melhor padeiro de Paris” e ele foi guilhotinado pois
ninguém pode ser melhor que o outro, ou seja, quando se faz um corte uniforme, nós estamos
desconsiderando realidades.
Quatro premissas
O professor Marco Antônio Greco alerta que a uniformidade da tributação no consumo depende
pelo menos de quatro pressupostos: 1) nível de renda da população tem que ser razoavelmente
uniforme 2) perl de consumo da população deve ser razoavelmente uniforme 3) a distribuição
territorial da população e do consumo deve ser razoavelmente uniforme 4) dimensão territorial
não pode atrapalhar, se nenhum desses pressupostos são atendidos no Brasil. E quando se fala
de pirâmide de renda, diz ele, há pessoas que ganham um ou dois salários mínimos enquanto
outros ganham 500 salários mínimos. Os pers de consumo são completamente diferentes e
totalmente variados. Daí a pergunta: como ter uma tributação uniforme? Dizer que isso vai ser
neutralizado por uma despesa pública é gerar mais dependência do poder público, é criar uma bolsa IBS. A perspectiva do consumidor, então, está sendo reduzir o consumo ou depender do
estado, além disso na PEC 45 consta que haverá uma suplementação de renda para o
contribuinte de baixa renda por família. Isso traz uma nova preocupação, pois, para uma
suplementação dessa natureza, vamos precisar de um número de identificação individual que
seja apresentado em todas as transações com o governo, tendo acesso a todas essas
informações e podendo consolidar e controlar tudo. Isso tem um efeito que extrapola a questão
tributária e compromete a privacidade. Antes de começar uma reforma é preciso enxergar a
realidade brasileira.
Dados de irrealidade
Outro ponto é a materialidade que está no texto, comenta o jurista, a existência de um imposto
sobre valor agregado que, juridicamente, não é um imposto sobre valor agregado. Há um
problema de ordem técnica na denição do Tipo legal que é um princípio da legalidade que
exige do Estado a previsão em lei da proteção dos bens jurídicos mais importantes e que, por
conseguinte, merecem a tutela do Direito penal. Nas denições dos tipos tributados podem ser
usados tipos materiais ou tipos funcionais. Para ele, outro aspecto é a adequação ao futuro,
considerando o que a Constituição é feita não só para resolver problemas presentes mas
também projetar soluções para o futuro. Ocorre que a PEC 45, não está adequada para o futuro,
a incidência apoiada em tipos materiais tendem a caducidade com o tempo, o exemplo muito
simples é a LC 87 de 1996 que está em vigor até hoje. Essa lei prevê dois dispositivos sobre cha
telefônica fato que não é mais aplicado hoje em dia. Os conceitos e o mundo estão mudando.
Qual foi a data do lançamento do primeiro iPhone, 2007? Pois é, em apenas 12 anos, tudo já
mudou muito.
Futuro
E, por m: o contencioso judicial está esquecido na PEC 45, ao prever que o comitê gestor vai se
representar ativamente em seu acompanhamento judicial com uma coordenação entre as
procuradorias e assim por diante. Por acaso a litigiosidade irá acabar? Claro que não! E existem
vários pontos de atritos atuais que continuam no modelo da PEC 45, a saber, a diferença de
crédito, insumo e consumo nal, entre local da prestação de serviço, caracterização de um
estabelecimento, sem dizer o que é um estabelecimento. Hoje temos até estabelecimento
virtual, e quais os elementos de conexão tributária nesse mundo virtual? Como cam atividades
remotas na nuvem? Tudo isso já existe e vai continuar, só que não vai continuar em cima de um
conceito, vai continuar em cima de seis tributos. É ingênuo pensar que a litigiosidade irá
acabar, talvez até aumente, onde haver incidência tributária haverá contencioso, quando se fala
de contencioso, o que signica o contencioso judicial de ICMS e ISS?
Na medida que se pretende transferir esse tributo para competência federal, o CNJ diz que a
justiça estadual, que cuida de ICMS e ISS, está em 2697 municípios mas não será mais
competente. A justiça federal, que passará a ser competente, terá que ser competente pelo IBS
inteiro, e hoje ela está em 279 municípios, 10 vezes menos, ou seja, é preciso pensar no dia
seguinte e nos custos que serão gerados para todos. Em suma, há muita coisa para ser feita sem mudança constitucional, e há três focos de preocupação: modo de pagamento, obrigação
acessórias e penalidades tributárias onda há uma desproporção de penalidades. Vamos focar
onde estão os problemas reais e não simplesmente passar uma borracha no sistema tributário
que está ai e implantar um novo que não sabemos qual vai ser.
(*) Marco Aurélio Greco é Advogado, Doutor em Direito. Foi Professor da PUC-SP e da FGV Direito SP. Membro Associado da EATLP-European Association of Tax Law Professors, entre outros itens de uma vasta experiência.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br