19/03/2025 09:29
“O problema não está na produção de conhecimento, mas na sua aplicação. Falta um esforço coordenado para transformar essas pesquisas em soluções práticas”. N.H.
Niro Higuchi é um dos maiores especialistas em manejo florestal sustentável da Amazônia, que dedica sua carreira a mostrar que o desenvolvimento econômico pode andar de mãos dadas com a preservação ambiental. Sua contribuição se estende por diversas áreas, desde a pesquisa científica até a formulação de políticas públicas, sempre com foco em transformar a floresta em um ativo produtivo sem comprometer sua integridade.
Como pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Higuchi liderou estudos que provaram na prática a viabilidade do manejo florestal sustentável (MFS). Suas pesquisas demonstraram que, 37 anos após a exploração seletiva de madeira, a floresta manejada não apenas recompôs suas reservas de carbono, mas também gerou um saldo positivo de captura de CO₂. Esse dado, aliado ao desenvolvimento de produtos inovadores, como o painel de lamelas cruzadas com cavilhas (PLCC) — um material de construção sustentável feito a partir da madeira amazônica —, reforçou a ideia de que a floresta em pé pode ser uma fonte econômica sustentável.
Higuchi também critica a falta de coerência entre discursos e ações na bioeconomia. Para ele, a verdadeira transição para um modelo sustentável na Amazônia exigia menos retórica e mais práticas concretas, superando o medo e a burocracia que frequentemente travam iniciativas inovadoras. Suas ideias continuam sendo referência para a formulação de estratégias que buscam conciliar a conservação da biodiversidade com o desenvolvimento econômico, garantindo que a Amazônia permaneça um patrimônio vivo para as futuras gerações.
BAA – Desenvolvimento Sustentável – Como a Amazônia pode conciliar crescimento econômico e preservação da floresta, considerando o histórico de desmatamento?
Niro Higuchi – A experiência do INCT-Madeiras da Amazônia, um projeto do Laboratório de Manejo Florestal (LMF) do INPA, demonstra que é possível unir conservação e progresso econômico. Estudos revelam que, após 37 anos de manejo seletivo, a floresta repôs 46 toneladas de CO₂ por hectare explorado e ainda sequestrou 14 toneladas adicionais. Além disso, inovações como o Painel de Lamelas Cruzadas com Cavilhas (PLCC) mostram que a madeira manejada pode ser usada na construção civil, mantendo até 5 toneladas de CO₂ por hectare na biosfera.
Esses dados confirmam que o Manejo Florestal Sustentável (MFS) é um modelo viável, capaz de gerar riqueza sem comprometer a integridade da floresta amazônica. É ciência reafirmando que a Amazônia guarda alternativas para gerar riqueza sem destruição
BAA – Bioeconomia como alternativa – Quais os principais entraves para que a bioeconomia se torne um motor real da economia amazônica?
Niro – O maior desafio da bioeconomia é a lacuna entre o discurso e a prática. Falta práxis – a síntese entre teoria e ação, um conceito aristotélico resgatado por Paulo Freire. Enquanto há discussões promissoras sobre o tema, na prática, o medo e a burocracia paralisam iniciativas. O licenciamento ambiental, a execução de projetos e até a aceitação do consumidor esbarram em incertezas e insegurança regulatória. Se esse cenário não mudar, a bioeconomia corre o risco de se tornar apenas um conceito abstrato, sem efeitos concretos sobre a floresta e a economia da região.
BAA – Ciência e inovação – Qual o papel da pesquisa científica no avanço da economia sustentável da Amazônia? O que falta para que o Brasil aproveite melhor sua biodiversidade?
Niro – A justificativa de que “falta conhecimento” para transformar a biodiversidade amazônica em riqueza sustentável não se sustenta. Apenas no INPA e em instituições associadas, já foram publicados mais de 4 mil artigos científicos, 2,5 mil dissertações de mestrado e 800 teses de doutorado sobre temas ambientais. O problema não está na produção de conhecimento, mas na sua aplicação. Falta um esforço coordenado para transformar essas pesquisas em soluções práticas. Um caminho seria a criação de painéis científicos estratégicos, que sintetizassem os avanços e identificassem lacunas, orientando investimentos em inovação e aproveitamento sustentável dos recursos florestais.
BAA – Amazônia e a geopolítica global – O que a crescente atenção internacional sobre a Amazônia significa para sua economia? Como o Brasil pode liderar essa agenda?
Niro – A Amazônia ainda preserva mais de 320 milhões de hectares de floresta primária, um patrimônio ambiental e estratégico para o Brasil e o mundo. Entretanto, apesar de liderar há décadas as discussões globais sobre clima e biodiversidade, o Brasil ainda falha em traduzir essa posição de destaque em ações concretas para o desenvolvimento da região. O país precisa substituir os discursos por iniciativas pragmáticas, priorizando políticas que equilibrem conservação e uso sustentável, transformando a floresta em uma fonte legítima de riqueza para as populações amazônicas.
BAA – Infraestrutura e impactos ambientais – Como garantir o desenvolvimento da Amazônia sem repetir os erros do passado?
Niro – O verdadeiro entrave ao desenvolvimento sustentável da Amazônia não é a falta de recursos, mas a má gestão. Enquanto se fala em investimentos bilionários – como os do Fundo Amazônia e do Fundo da Informática –, a realidade da pesquisa científica local é outra. O INPA, por exemplo, distribuiu apenas R$ 5 mil anuais para cada grupo de pesquisa, um montante irrisório para gerar impacto real. Além disso, o número de pesquisadores caiu de 265, nos anos 2000, para cerca de 100 atualmente, sendo que 75% estão em abono de permanência, ou seja, próximos da aposentadoria. Sem um investimento sério em ciência e infraestrutura sustentável, o Brasil continuará repetindo os erros do passado, perpetuando um modelo extrativista insustentável.
Fonte: BrasilAmazôniaAgora