CIEAM | Centro da Indústria do Estado do Amazonas CIEAM | Centro da Indústria do Estado do Amazonas

Coluna do CIEAM

A Amazônia e o Brasil: um paradoxo histórico de visões e valores

  1. Principal
  2. Coluna do CIEAM

15/01/2025 08:22

Por Alfredo Lopes - Coluna Follow-up 15.01.2025

“Se no passado a Amazônia foi símbolo de modernidade e inovação, hoje ela pode se tornar o exemplo global de como aliar crescimento econômico, preservação ambiental e inclusão social. Resta saber: o Brasil está preparado para aceitar essa lição e, finalmente, acolher a si mesmo?”

A influência francesa e o embate entre modernidade e arcaísmo

  • A história da Amazônia é marcada por um profundo contraste de valores e visões de mundo, que se intensificou ao longo dos séculos. Desde o século XVIII, a proximidade geográfica com a Guiana Francesa trouxe para o então Grão-Pará e Rio Negro os ventos libertários da Revolução Francesa. Esses ideais de igualdade e liberdade floresceram em uma região que já demonstrava vocação para a modernidade, em nítido contraste com o Brasil monarquista, escravagista e baseado no latifúndio.

Enquanto o Sudeste se consolidava sob um modelo agrícola monocultor e dependente da exploração escrava, a Amazônia desenvolvia uma economia mais diversificada, inovadora e empreendedora. Essa disparidade culminou na Guerra da Cabanagem (1823-1840), quando o Grão-Pará, recusando o modelo centralizador e excludente do Império, foi brutalmente anexado ao Brasil. O saldo desse confronto foi devastador: cerca de 40% da população da região foi dizimada, em um genocídio que ultrapassa tragédias modernas como as do Camboja e Ruanda.

Modernidade amazônica: pioneirismo e resistência
Num ensaio brilhante intitulado “Afinal, quem é mais moderno neste país?”, publicado pela Universidade de São Paulo em 2005, o romancista Márcio Souza descreve os lampejos de modernidade que marcaram a Amazônia ao longo dos séculos. A agricultura capitalista de pequenos proprietários, impulsionada pelo Marquês de Pombal em 1760; o polo naval de Belém e sua economia extrativista exportadora; e a indústria eletrônica da Zona Franca de Manaus (ZFM) no século XX, são exemplos de uma região que sempre desafiou os paradigmas arcaicos impostos pelo restante do país.

A modernidade amazônica também se manifestou no tecido social. No século XVIII, a Sociedade das Novas Amazonas reuniu mais de mil mulheres na luta pelos direitos civis, irradiando-se de Belém para todo o Vale Amazônico. Esse protagonismo feminino, aliado a uma economia planejada e uma militância civil ativa, configurava uma sociedade que caminhava em direção ao liberalismo político e econômico, muito antes que essas ideias ganhassem espaço no Brasil central.

A ZFM: o motor econômico do Norte
No século XX, a criação da Zona Franca de Manaus foi um divisor de águas para a economia amazônica. Instituída no final da década de 1960, a ZFM tornou-se um modelo de desenvolvimento regional que gera empregos e oportunidades não apenas no Amazonas, mas em todo o Brasil. Apesar disso, a região continua sendo alvo de preconceitos, especialmente por parte do Sudeste, que, ironicamente, se beneficia dos incentivos fiscais da ZFM sem reconhecê-los.

Estima-se que o montante de insumos adquiridos em São Paulo pela ZFM é três vezes maior que o faturamento total da Zona Franca, e ainda assim, a imprensa do Sudeste permanece em silêncio sobre a chamada “Zona Franca Paulista”. Enquanto a ZFM consome apenas 8,5% dos incentivos fiscais nacionais, São Paulo utiliza 50%, apesar de ser o estado mais próspero do país. Essa desigualdade reflete o preconceito estrutural contra o modelo econômico amazônico, que, ao contrário do que se afirma, é um exemplo de eficiência na redução das desigualdades regionais.

A ameaça de uma nova Cabanagem
A tentativa de desmantelar a ZFM e os direitos constitucionais do Amazonas é, na prática, uma nova versão da Cabanagem. Dessa vez, a violência não vem pelas armas, mas pela negligência política e fiscal. O impacto de uma mudança abrupta no modelo econômico amazônico seria catastrófico, levando ao aumento da pobreza, da violência e da exclusão social. Além disso, setores como educação, turismo e inovação tecnológica seriam gravemente prejudicados, comprometendo o futuro da região.

A Amazônia já deu ao Brasil exemplos de como integrar modernidade e sustentabilidade. O pioneirismo de Cosme Ferreira, citado em meu ensaio sobre as lições do Ciclo da Borracha, demonstra a atitude pacífica e empreendedora dos amazônidas, que sempre buscaram contribuir para o desenvolvimento nacional, mesmo enfrentando o preconceito e a negligência do poder central.

A Amazônia como motor sustentável do Brasil: lições e convites
A história revela que, durante o Ciclo da Borracha, a Amazônia chegou a agregar impressionantes 46% ao PIB brasileiro, um feito extraordinário, mas limitado por sua dependência de um único produto. Hoje, a Amazônia tem diante de si um potencial ainda maior, baseado na diversificação econômica, no adensamento produtivo e na regionalização sustentável, impulsionados pelo Polo Industrial de Manaus (PIM) e pela riqueza da biodiversidade.

Com políticas públicas consistentes, investimentos em pesquisa e inovação, e uma integração efetiva aos mercados globais, a Amazônia pode, mais uma vez, ser protagonista na economia nacional. Não se trata apenas de um resgate histórico, mas de construir um modelo de desenvolvimento que, além de gerar riqueza, respeite o meio ambiente e reduza as desigualdades sociais.

Neste cenário, a Amazônia poderia agregar entre 10% e 20% ao PIB brasileiro, posicionando-se como um dos maiores motores econômicos do país. Isso seria alcançado por meio da bioeconomia, serviços ambientais, turismo sustentável, agricultura de baixo impacto e a consolidação do PIM como polo de inovação tecnológica.

No entanto, o Brasil precisa romper os paradoxos históricos que marcam sua relação com a Amazônia. É necessário abandonar a visão predatória e excludente que tratou a região como um mero almoxarifado de insumos. É preciso reconhecer que a Amazônia não é uma periferia, mas o coração pulsante de um modelo de desenvolvimento que pode liderar o Brasil rumo a um futuro mais justo, integrado e sustentável.

A Amazônia é mais do que um território rico em biodiversidade: é uma ideia, uma visão de mundo que desafia o Brasil a rever seus valores e a construir uma nova relação com seu próprio futuro. Se no passado a Amazônia foi símbolo de modernidade e inovação, hoje ela pode se tornar o exemplo global de como aliar crescimento econômico, preservação ambiental e inclusão social. Resta saber: o Brasil está preparado para aceitar essa lição e, finalmente, acolher a si mesmo?

Coluna follow-up - sob a responsabilidade do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, e coordenação editorial de Alfredo Lopes. É publicada às quartas, quintas e sextas-feiras no Jornal da Amazônia e no portal BrasilAmazoniaAgora.com.br.

Fonte: BrasilAmazoniaAgora

Coluna do CIEAM Ver todos

Estudos Ver todos os estudos

Diálogos Amazônicos Ver todos

CIEAM | Centro da Indústria do Estado do Amazonas © 2023. CIEAM. Todos os direitos reservados.

Opera House