16/01/2025 15:53
Empresários da Região Norte aproveitam a discussão sobre reforma tributária para mostrar ao País os impactos positivos do polo industrial na redução de desigualdades e na preservação da floresta
Maria Ligia Pagenotto, de Manaus
Prestes a completar 58 anos, a Zona Franca de Manaus (ZFM) está no centro das discussões de um projeto de lei complementar que contraria interesses e divide opiniões: o PLP 68/2024, da Reforma Tributária. Seu modelo econômico tem enfrentado diversas críticas, rebatidas por defensores que insistem na sua importância para além do Amazonas. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) considera preocupante a ampliação de benefícios e incentivos fiscais e tributários à ZFM apresentada pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). Outras regiões do País, reclamam os críticos, não recebem o mesmo tratamento. No principal projeto de regulamentação da reforma havia um destaque, de autoria da oposição, propondo a retirada do trecho que inclui a indústria de refino de petróleo no regime favorecido da ZFM. A sanção do projeto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava marcada para quinta-feira (16), mas a polêmica não se encerrará com a derrubada ou manutenção da proposta.
Leonardo Pessoa, professor de direito tributário do Ibmec-RJ, reconhece a importância da ZFM, mas preocupa-se com o benefício às refinarias. “Foge ao objetivo original da ZFM, que é o desenvolvimento regional e a proteção ambiental, favorecendo setores com grande impacto fiscal”, afirma. O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal alega que a decisão pode gerar para o setor uma perda de arrecadação tributária estimada em até R$ 3,5 bilhões anuais, com repercussão sobre a competitividade das refinarias nacionais.
O Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM), por seu lado, apoia a sanção do trecho. Segundo a entidade, “a eventual retirada da prerrogativa, conquistada após intensa negociação durante a reforma tributária, colocaria em risco não apenas a viabilidade econômica do setor, mas também a sobrevivência de um modelo logístico que sustenta milhões de amazonenses: a navegação fluvial, um ponto crucial para a região.”
De acordo com o professor Augusto César Rocha, do Departamento de Contabilidade da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a questão da infraestrutura é indissociável de qualquer debate no estado. “Há quase um consenso de que para investir em infraestrutura é preciso desmatar a floresta, o que não é verdade”, diz. Assim como, defende ele, são igualmente falsas as ideias de que a indústria da ZFM possui baixa capacidade de agregar valor e o principal problema de Manaus em relação ao Sul e Sudeste é a distância. “Os maiores desafios são a carência de infraestrutura e a falta de governança”, sentencia. As indústrias da ZFM lutam pelo asfaltamento da BR-319 (Rodovia Manaus-Porto Velho), mas a ideia encontra oposição entre ambientalistas do governo.
Em evento realizado na sede do CIEAM, em Manaus, Rocha garantiu que é possível fazer a rodovia e proteger o bioma “desde que existam ações de governança”. A falta de hidrovias também entra nas prioridades apontadas pelo professor. “A gente tem só rios na região e há uma sazonalidade aqui que não é enfrentada”, diz.
Com a seca histórica do último ano, o problema ficou patente. Os responsáveis pelo transporte de contêineres passaram a cobrar uma taxa extra para compensar a navegação em rios com pouca água. O impacto financeiro foi grande. Em 2023, as indústrias de Manaus gastaram quase R$ 1,5 bilhão de sobrepreço em relação ao custo do transporte. Em 2024, não houve nenhum investimento em infraestrutura para diminuir os efeitos da seca, segundo Rocha. Crianças perderam aulas e muitas comunidades ribeirinhas e indígenas viram aumentar sua vulnerabilidade.
“A vocação do Amazonas é a indústria que respeita a floresta, valoriza as pessoas e contribui para o Brasil”, pondera o empresário Lucio Flavio de Oliveira, presidente-executivo do CIEAM. No Polo Industrial de Manaus (PIM) há mais de 600 empresas, muitas globais. O faturamento da ZFM em 2024 foi estimado em 38 bilhões de dólares. Outro dado significativo: 52% do valor bruto da produção (VBP) do Amazonas deve-se ao que é produzido pela indústria de transformação.
Embora existam muitas pesquisas e estudos para explorar a biodiversidade da região de forma sustentável, isso ainda é irrelevante do ponto de vista econômico. E mais: segundo o CIEAM, a preservação ambiental da região está intimamente relacionada às operações da ZFM, ao contrário do que muitos imaginam. “A empregabilidade garante que as pessoas não migrem para atividades ilegais, como desmatamento e grilagem de terras”, finaliza Oliveira. É a Zona Franca na luta por manutenção e reconhecimento.
Matéria publicada na revista Istoé em 16/01/2025