03/10/2023 10:58
Professor e doutor em Engenharia de Transportes, Aldery Silveira Júnior analisa navegação interior
Por: Ted Sartori – 01/10/23 – 07:03
Atualizado em 01/10/23 – 07:13
Realizada entre portos de um mesmo país ou de um bloco de nações, a navegação de cabotagem liga o Brasil, mas ainda pode crescer. Doutor em Engenharia de Transportes e mestre em Administração, dentre outras formações, o professor cearense Aldery Silveira Júnior, que leciona na Universidade de Brasília há 31 anos e que assina publicações sobre o tema, aponta vantagens e caminhos em entrevista para A Tribuna.
Qual cenário da navegação de cabotagem no Brasil?
Temos um país altamente favorável à cabotagem. Contamos com cerca de 7.400 km de costa e, se a gente considerar até Manaus pegando o Rio Amazonas, temos mais 1.600 km. Além disso, temos cerca de 80% da população brasileira em cidades que ficam a até 200 km da costa. E de 75% a 80% do Produto Interno Bruto (PIB) está concentrado nessas cidades. Mas temos os transportes domésticos feitos quase que totalmente por caminhão. É algo inconcebível. A cabotagem está subutilizada no Brasil em função não só de navios, mas da própria capacidade. Temos no País hoje cerca de 40 empresas que operam cabotagem. Dessas, oito dominam 95% do mercado. Dessas oito, apenas três operam com contêineres, principal instrumento de transporte de carga. E, em termos de volume, algo em torno de 12% do volume de carga doméstica transportado por cabotagem. Quase 80% desse volume é petróleo e derivados. Se deixarmos de lado esses itens, o volume transportado efetivamente por cabotagem é algo em torno de 4% a 5%, índice muito baixo para quem tem um litoral altamente vantajoso para a cabotagem como nós temos.
Quais as vantagens da navegação de cabotagem?
A primeira é o preço: o custo é bem mais baixo. Pelo menos em teoria. Na prática, não é bem isso. Quando você tem um volume de carga baixo transportado por cabotagem, o custo acaba não sendo tão atrativo, mas deveria ser. Se tivermos volume muito grande transportado por cabotagem, a tendência é o preço cair. Hoje, está em torno de 10% a 15% a menos do que o rodoviário. A segunda vantagem é a segurança da carga, tanto em termos de furtos e roubos quanto de avarias. O índice de roubo de carga em navio é quase zero. No caminhão, os índices estão cada vez maiores. Na parte de avarias, internamente, quase não existe. Há chance maior de avarias por acidentes com o caminhão. Outra vantagem é a segurança viária. Um navio que faz cabotagem tira de uma pernada só, do Rio a Belém, por exemplo, mais de 200 caminhões da estrada. O caminhão deve ser utilizado, mas em multipercursos, dos portos para as cidades próximas, porque o navio só transporta de porto a porto e precisa do modal rodoviário.
Há outras vantagens?
Outra vantagem é o combate à poluição ambiental. O caminhão polui muito com dióxido de carbono. O navio não polui quase nada. Mais uma vantagem é minimizar o desgaste das rodovias. O que os governos federal e estaduais gastam por ano na recuperação é muito alto. E deveria cair muito com maior utilização da cabotagem.
Em quais fatores é possível melhorar para o crescimento da cabotagem?
A cabotagem vem crescendo a dois dígitos por ano nos últimos 10, 12 anos, principalmente a carga conteneirizada, de 15% a 20% ao ano – e há anos em que até passa de 20%. Isso em termos percentuais. Em volume, nem tanto. O crescimento exponencial – e a tendência é continuar – faz com que a gente vislumbre cenário alvissareiro no futuro.
E o Porto de Santos e a navegação de cabotagem?
O Porto de Santos é o principal do Brasil não só para a navegação de longo curso, mas também para a de cabotagem. A partir do Porto de Santos é que saem as cargas para abastecer os outros estados ou que vem dos outros estados para Santos para serem carregados os navios de longo curso. É importante e vai continuar sendo mais ainda, com o avanço da cabotagem.
No que as universidades podem colaborar para o desenvolvimento da cabotagem?
Pode fazer muito e tem feito. Boa parte desse crescimento da cabotagem nos últimos anos se deve às pesquisas e estudos feitos, principalmente nas do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Santa Catarina e de Pernambuco. São as principais universidades que atuam no segmento de transporte – e no aquaviário. Mesmo em Brasília, desenvolvemos muitas pesquisas na área, voltadas para incremento e melhora da performance.
Em qual sentido?
Tanto fornecendo subsídios para o Poder Público adotar políticas voltadas para melhorar o incentivo à cabotagem quanto para insumos e subsídios para as empresas que operam para melhorar seus serviços. E também para melhor difundir a cabotagem entre os transportadores, para que eles tenham maior confiança.
Mas há desconfiança?
Infelizmente, muitos não têm muita noção sobre o que a cabotagem pode fazer. Até bem pouco tempo, por exemplo, o arroz produzido no Rio Grande do Sul ia para o Nordeste de caminhão. Hoje vem de navio pela cabotagem. Hoje em dia não tem como entender que o transporte de carros zero km para as concessionárias do Brasil inteiro, principalmente do Litoral, venha de cegonha. Não tem cabimento. Poderia usar a cabotagem: cairiam custo e volume de caminhões nas estradas.
Qual o futuro da navegação de cabotagem no Brasil?
Com as medidas que o governo vem adotando, só posso imaginar uma cabotagem muito atuante no futuro, transportando grande volume de carga. Agora, é um processo lento porque não pode, de uma hora para outra, aumentar muito a capacidade instalada, porque o investimento é muito alto e não tem o volume de carga necessário para transportar. Assim como não pode, de imediato, todo mundo querer transportar por cabotagem porque não terá navio suficiente. Tem que casar as duas coisas. E os governos, independentemente de partido, têm se preocupado com isso, incentivado o uso da cabotagem e desenvolvido mecanismos para viabilizar melhor infraestrutura. É um processo lento para voltar assim como foi para desmontar a cabotagem no País. Há uma meta de que, na década de 2030, a gente leve um volume de carga por cabotagem de cerca de 30%. Acho que, pelo caminho seguido, vai se chegar a essa meta.
Fonte: A Tribuna