15/12/2023 10:36
A Zona Franca de Manaus (ZFM), no Amazonas, foi um dos grandes temas de debate presentes na reforma tributária, com a possibilidade de que o polo industrial perdesse sua competitividade garantida pela isenção do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI).
Como o coração da proposta era simplificar o sistema nacional de tributação, havia receio de que os empresários da região passassem a recolher impostos como em qualquer outro lugar do país. Mas isso não aconteceu.
O texto que foi recentemente aprovado pelo Senado manteve não apenas os incentivos fiscais propostos à região como também já inclui uma cobrança de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para taxar produtos de outras áreas do país que concorrem com os fabricados na Zona Franca de Manaus.
Esse ponto, inclusive, virou uma das travas no retorno do texto à Câmara dos Deputados. Os deputados gostariam de remover a Cide adicionada pelo Senado Federal. Mas o senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da reforma, não abre mão da taxação, porque entende que os produtos da Zona Franca perdem competitividade.
Depois de reuniões para chegar a um acordo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), informou que a matéria será votada nesta sexta-feira (15).
Para entender melhor a questão, veja abaixo:
- O que é a Zona Franca de Manaus
- O que muda para a região com a reforma tributária
- Por que foram mantidos os incentivos à região
O que é a Zona Franca de Manaus?
A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação, e de incentivos fiscais especiais, que foi estabelecida em 1967. A ideia foi criar e manter um centro industrial, comercial e agropecuário no interior da Amazônia.
Segundo o Decreto-Lei nº 288, o principal objetivo da ZFM é o de permitir o desenvolvimento da região, “em face dos fatores locais e da grande distância a que se encontram os centros consumidores de seus produtos”.
Os incentivos fiscais, portanto, foram instalados para atrair companhias para a área.
De acordo com o decreto, a entrada de mercadorias estrangeiras na ZFM, destinadas a seu consumo interno e industrialização em qualquer grau — incluindo beneficiamento, agropecuária, pesca, instalação e operação de indústrias e serviços de qualquer natureza e a estocagem para reexportação — será isenta dos impostos de importação e sobre produtos industrializados.
Além disso, a exportação de mercadorias da Zona Franca para o exterior também está isenta do imposto de exportação.
A validade da ZFM é assegurada até 2073. Só neste ano, a estimativa é que a renúncia de impostos federais para a região passe dos R$ 35 bilhões.
O que muda para a região com a reforma tributária
A reforma tributária propõe que o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), o PIS e Cofins federais, além do ICMS estadual e ISS municipal, sejam substituídos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual.
Nesse caso, dois tributos principais serviriam para unificar os tributos já existentes: o CBS (IVA federal) e o IBS (IVA estadual). Além disso, o texto também prevê a criação de um imposto seletivo sobre bens e serviços que sejam prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
O principal ponto de debate entre os empresários da Zona Franca de Manaus era a extinção do IPI.
Isso porque os itens produzidos na ZFM não pagam esse imposto, enquanto os mesmos produtos fabricados em outras regiões, pagam. Esse diferencia gera uma maior competitividade para a Zona Franca, pois as indústrias podem ou se instalar ali pela renúncia fiscal ou terão diferencial contra competidores de fora.
“Hoje, um dos principais indutores tributários para que uma companhia se instale na Zona Franca é a desoneração do IPI”, afirma o advogado tributarista Diego Diniz Ribeiro, do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributarista.
O especialista acrescenta, ainda, que o sistema atual também beneficia as companhias que compram os produtos fabricados no polo industrial de Manaus.
“[O sistema atual] também é interessante para quem está fora e compra do polo industrial, porque além de conseguir os produtos por um preço menor, [a companhia] ainda mantém o crédito da isenção de impostos”, explica Ribeiro.
Para que a região não perdesse a competitividade e ainda para tentar repor parte das perdas arrecadatórias, uma das saídas encontradas pelo governo foi a de taxar produtos similares aos da Zona Franca de Manaus que são produzidos em outras localidades.
Isso quer dizer que os itens produzidos na Zona Franca manterão a diferença de alíquotas que existe atualmente em relação aos produtos fabricados em outras regiões — o que faz com que os itens lá produzidos continuem sendo mais baratos.
Preservar o benefício das empresas lá instaladas foi um compromisso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Chegou a se discutir a aplicação do imposto seletivo para fabricantes de outras regiões, mantendo a Zona Franca isenta. Mas o relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM) retirou a regra.
O novo texto estabelece que o incentivo fiscal poderá ser feito com a criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a importação, produção ou comercialização de bens que recebem incentivos na ZFM.
Livre comércio e fomento do desenvolvimento
Ainda de acordo com Ribeiro, outro ponto trazido pela nova reforma tributária foi a criação de um Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá.
Esse fundo será constituído com recursos da União e será por ela gerido. O objetivo seria fomentar o desenvolvimento e a diversificação das atividades econômicas dos estados do Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia e Amapá.
Além disso, o texto também traz uma permissão para as indústrias instaladas nas áreas de livre comércio dos estados de Roraima, Amapá, Rondônia e Acre. Com isso, as indústrias deverão ter a mesma proteção garantida que estão sediadas na ZFM, em Manaus.
Por que foram mantidos os incentivos à ZFM
Para especialistas ouvidos pelo g1, um tratamento tributário diferenciado para o polo industrial de Manaus é essencial para que se mantenha o desenvolvimento da região — que envolve não apenas a preservação da floresta amazônica, mas também a criação de empregos e a integração territorial no Amazonas, que é o maior estado brasileiro.
Para isso, de acordo com o advogado tributarista da Zilveti Advogados Igor Tressoldi, as indústrias que se instalam na Zona Franca se comprometem a trazer um plano de ação para a região em contrapartida aos benefícios fiscais concedidos.
“Basicamente, a indústria que se estabelece lá se compromete a gerar um determinado número de empregos e traz um plano de ação do que vai produzir e desenvolver naquela região. E uma vez que o plano é aprovado, é garantida a isenção de impostos de produtos e insumos”, explica.
Para o presidente do Conselho Superior do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM), Luiz Augusto Rocha, a manutenção da competitividade no polo industrial de Manaus é essencial para a sobrevivência do estado no curto e médio prazo.
“Claro que também são necessárias políticas públicas, mas precisamos gerar meios para que nós possamos, no futuro, estabelecer condições de competitividade empresarial. E, nesse sentido, eu falo da questão logística, ambiental e de tudo o que, nesse momento, nos torna menos competitivos”, diz.
O executivo ainda cita uma série de projetos que estão sendo debatidos para “ligar o estado ao restante do Brasil” — como o asfaltamento de estradas e rodovias e o balizamento fluvial da região — e que podem ser beneficiados com a manutenção da isenção de impostos e com a atração de mais indústrias para a região.
“Nós precisamos desenvolver a indústria para que possamos ampliar a condição de emprego e qualidade de vida na nossa região, que é muito desigual. Precisamos lembrar que o capital empresarial não tem pátria, ele vai aonde as condições são mais favoráveis”, completa Rocha.
Fonte: G1