CIEAM | Centro da Indústria do Estado do Amazonas CIEAM | Centro da Indústria do Estado do Amazonas

Clipping

Por que proposta para a rodovia BR-319, no coração da Amazônia, pode aumentar o desmatamento?

  1. Principal
  2. Clipping

12/04/2024 16:47

ROBERTA JANSEN 11 ABRIL 2024 | 6min de leitura

O Ministério dos Transportes deve concluir até o fim deste mês a proposta para a pavimentação da Rodovia BR-319, que corta a área mais bem preservada da Floresta Amazônica, ligando Porto Velho a Manaus. Ambientalistas dizem que o asfaltamento da estrada pode aumentar a destruição do bioma, impedindo o País de cumprir a meta de desmatamento zero até 2030, enquanto defensores do projeto ressaltam a importância da ligação terrestre com um “modelo contemporâneo”.

  • Com 877,4 quilômetros de extensão, a BR-319 corta a Amazônia diagonalmente, ligando a capital de Rondônia à do Amazonas.
  • A estrada margeia ou atravessa 42 unidades de conservação ambiental, 69 reservas indígenas e mais de seis milhões de hectares de terras públicas.
  • É a única ligação por terra de Manaus para o restante do País.

Atualmente, apenas cerca de 200 quilômetros (no início e no fim da via) são asfaltados. O longo trecho central da estrada que passa por dentro da floresta é de terra batida e costuma ficar intransitável no período de chuva.

A pavimentação, segundo os ambientalistas, facilitaria o acesso de grileiros, madeireiros e mineradores a uma região praticamente intocada da mata.

Estudo publicado na Environmental Monitoring and Assessment, assinado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), revela que a reconstrução da BR-319 aumentaria o desmatamento ao longo da rodovia e também nas estradas vicinais conectadas à BR-319 em 60% até 2100, em relação ao desmatamento no cenário projetado sem a reconstrução.

“Trata-se de região crítica para a preservação da floresta e, ao mesmo tempo, vulnerável, com muitas terras públicas não destinadas”, explicou ao Estadão o cientista Philip Martin Fearnside, do Inpa, principal autor do trabalho.

“Os grileiros estão esperando a construção dessa estrada, fazem grande lobby por isso, é importante termos um modelo matemático que mostre o enorme impacto da obra”, disse o biólogo, que fez parte do painel da Organização das Nações Unidas (ONU) que ganhou o Nobel em 2007 por alertar sobre a crise climática.

Ainda segundo Fearnside, os resultados do estudo refletem a contribuição da abertura de estradas para o avanço da fronteira agrícola na Amazônia.

“A estrada pavimentada vai servir para levar todos os desmatadores hoje concentrados no Arco do Desmatamento a migrar para o interior da floresta”, afirmou.

Nota técnica assinada por Juliana Leroy e Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e hoje na Diretoria de Controle do Desmatamento e Queimadas do Ministério do Meio Ambiente, indica um cenário semelhante.

De acordo com as projeções dos pesquisadores, o asfaltamento da rodovia levaria, até 2050, a um “desmatamento acumulado de 170 mil quilômetros quadrados, quatro vezes mais do que o projetado com a média história da região”, ou seja, sem o asfaltamento.

Do ponto de vista climático, um aumento do desmate da Amazônia dessas proporções teria impacto significativo nos chamados “rios voadores” – imensos volumes de vapor de água que vêm do Oceano Atlântico, ganham corpo na Amazônia e seguem para os Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e, algumas vezes, até o Sul.

“Não temos mais margem de segurança para perder água da Amazônia nos rios voadores que são essenciais para o abastecimento de água das grandes cidades do Brasil e também do agronegócio”, disse Fernside. “Esse é o último lugar onde a água é reciclada pela floresta e levada para o resto do País.”

Outro problema levantado pelos especialistas é o risco do crescimento das doenças infecciosas transmitidas dos animais para humanos, as zoonoses. Áreas de floresta fechada costumam guardar patógenos com os quais os seres humanos jamais tiveram contato, com o risco de deflagração de novas epidemias.

Acesso

Professor de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Augusto Rocha diz que a discussão é conduzida de forma superficial e polarizada. Ele lembra que a rodovia é o único acesso terrestre a Manaus e que a ausência do Estado em uma região intocada também abre espaço para atividades ilegais.

“Não se trata de fazer uma rodovia a qualquer custo, cometendo os mesmos erros cometidos na Transamazônica, sem salvaguardas ambientais. Mas tampouco devemos deixar a floresta completamente intocada. Temos de enfrentar o assunto tecnicamente”, afirma.

“Precisamos de um modelo contemporâneo de rodovia, precisamos mostrar para o mundo como fazer uma rodovia sustentável. Temos conhecimento técnico e tecnologia para isso. É inconcebível fazer uma estrada como fazíamos nos anos 1970, mas também é inconcebível não desenvolver a região. Precisamos respeitar a floresta, mas usar os seus recursos.”

Estrada-parque

O Ministério dos Transportes informou que pasta está trabalhando com o conceito de estrada-parque, o que garantiria a preservação da floresta e das comunidades locais.

  • A via teria barreiras laterais de até quatro metros de altura, com poucos acessos à mata, e apenas com passagens para os animais.
  • Além disso, teria pelo menos três portais de monitoramento.
  • Outras medidas estão sendo estudadas, como a proibição de trânsito de caminhões levando madeira não certificada, por exemplo, ou maquinário pesado usada para o desmatamento.

“A pauta ambiental é essencial, mas a realidade da região também”, disse o subsecretário de sustentabilidade da pasta, Cloves Benevides.

“A realidade da região hoje é a necessidade de ligação entre esses dois Estados e o fato de que a estrada, mesmo sem asfalto, já tem um fluxo expressivo de veículos. O desmatamento é algo que já está acontecendo.”

Segundo Benevides, é preciso ter uma governança funcional para toda a região da estrada.“Sem essa governança, os problemas tendem a aumentar de qualquer maneira”, afirmou.

“Esse é um empreendimento único, que precisa nascer com todas as garantias de sustentabilidade e monitoramento de forma integrada.”

A obra precisa do sinal verde do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para sair do papel. “Eu não sou contra nem a favor da estrada, não entro nesse mérito”, afirmou o secretário de controle de desmatamento do MMA, André Lima.

“Mas qualquer obra de infraestrutura, seja da iniciativa privada ou do governo, precisa estar alinhada com a meta do desmatamento zero (até 2030) colocada pelo presidente da república. Essa é a discussão. Seja lá qual for a obra, precisamos saber se as ações previstas são convergentes com essa meta.”

Um estudo divulgado na semana passada pela ONG Transparência Internacional indicou ainda um outro problema: pouca transparência na execução de contratos e riscos socioambientais da pavimentação da BR-319.

Foram identificadas ausência de consultas livres, prévias e informadas à população impactada; fragilidade de informações sobre a execução dos contratos; e falta de informação ampla sobre o licenciamento ambiental.

A coordenadora da Federação e Organização das Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp), Sandra Batista do Amaral, confirmou em entrevista à agência de notícias Amazônia Real que os indígenas não foram consultados sobre o projeto da BR-319.

A consulta prévia é um dos direitos fundamentais dos povos indígenas, de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Nós já fizemos uma primeira reunião com a Funai, cujo objetivo era determinar quais são as terras indígenas afetadas”, contou Cloves Benevides. “Na próxima etapa, vamos ouvi-los certamente, esse é um compromisso previsto no projeto.”

Fonte: Estadão

Coluna do CIEAM Ver todos

Estudos Ver todos os estudos

Diálogos Amazônicos Ver todos

CIEAM | Centro da Indústria do Estado do Amazonas © 2023. CIEAM. Todos os direitos reservados.

Opera House