28/06/2023 11:01
Especialistas e lideranças do setor produtivo têm sérias restrições ao texto substitutivo da reforma Tributária. Passados quatro meses de debates, o relatório da PEC foi apresentado na semana passada, pelo relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Prevista para ser votada na primeira semana de julho, antes do recesso no Congresso, a proposta visa simplificar e unir tributos. Mas, a avaliação das fontes ouvidas pela reportagem do Jornal do Commercio é que ainda há lacunas que deixam a descoberto as vantagens comparativas da ZFM, além de trazer riscos de perdas de receita para o Amazonas e aumento de carga tributária ao setor de serviços –justamente o que emprega mais.
O conselheiro do Corecon-AM e consultor econômico, Inaldo Seixas, diz que o relatório vem ao encontro do que já era esperado, incluindo a fusão de tributos, o tempo de transição demandado e a criação de fundos para amenizar perdas para Estados e municípios. Embora considere que as condições para votação da reforma estão dadas, o economista observa que a mudança de foco da tributação, que deve passar a ser feita no destino, e não mais na origem dos produtos e serviços, preocupa os Estados produtores. Por conta disso, entre outros fatores, governadores do Sul e Sudeste já ensaiam formar um bloco.
“Eles acham que esses fundos já vêm carimbados com as indicações onde podem ser gastos e que isso talvez engesse um pouco. Os fundos vêm para fortalecer, mas não para substituir possíveis perdas do ICMS. O governo diz que os aportes podem chegar a R$ 40 bilhões, a partir de 2033, que é prazo de transição. Mas, os governadores acham que é pouco e estão reivindicando R$ 75 milhões. Não tenho parâmetros para dizer quem tem razão, mas é preciso mais transparência nessa questão”, avaliou.
O economista salienta que uma reforma Tributária mais justa deveria levar em conta a parte “mais regressiva” do sistema tributário brasileiro, que está no consumo, já que esta penaliza a população mais pobre e onera a atividade produtiva. “O que está se enfatizando é a simplificação, o que já é um avanço. Mas, o texto deixa a desejar na progressividade. Isso talvez se dê nos impostos sobre patrimônio dos mais ricos, como lanchas, iates e aviões”, ponderou, dizendo que são aguardadas mudanças no Imposto de Renda, na segunda parte da reforma, além da ampliação de produtos incentivados na cesta básica.
“Cobertor curto”
A assessoria econômica do senador Plínio Valério (PSDB-AM) lembra que 60% do Imposto Seletivo –que irá substituir o IPI –será dividido com os entes federativos, mas o nível de repartição ainda será definido em norma infraconstitucional. Destaca também que, embora o texto contemple a ZFM, não deixa claro se a regulamentação se dará por lei ou lei complementar. “As indústrias gozam de incentivos que geram crédito fiscal ao adquirente de seus produtos. Mas, a proposta não garante claramente o direito a esse crédito, a fim de evitar possíveis questionamentos judiciais”, explicou.
Já a arrecadação do Estado também não estaria garantida, dado que o texto prevê que as eventuais perdas seriam compensadas por um fundo a ser dividido com outras unidades federativas, em um “cobertor curto” e que dificilmente contará com a capacidade da União para mantê-lo. Já a tributação do IBS no destino deixaria o Amazonas “sem quase nada de arrecadação”, dado que 98% do que é produzido na ZFM é vendido em outros Estados.
No que se refere ao calendário da reforma, a assessoria avalia que está havendo “excesso de otimismo”, já que os municípios têm “sérias ressalvas” à PEC. “A instituição do Conselho Federativo do IBS, a exemplo do Comitê Gestor do Simples Nacional, vem no mesmo sentido. Esse regime de pagamento não é fiscalizado efetivamente por nenhuma esfera federal, estadual ou municipal. No papel está tudo perfeito. Na prática, nem tanto. Se o Confaz, que é composto somente por representantes dos Estados não se entende, imagine um conselho composto também por representantes dos municípios”, questionou.
“Pontos em aberto”
O presidente da Fieam, Antonio Silva, enfatiza que o texto apresentado é uma proposta inicial que deverá ainda passar por adequações, até porque trata pontos importantes.de forma superficial. O dirigente concorda também que, a despeito da declarada intenção de manutenção de tratamento favorecido da ZFM, o texto não é claro em relação aos mecanismos de transição e à nova estrutura tributária do modelo.
“Um dos objetivos da reforma é a redução da carga incidente sobre o segmento industrial. A não exclusão dos produtos manufaturados na Zona Franca dessa redução criará cenário de grande impacto sobre a competitividade das indústrias locais, considerando, ainda, que outros incentivos também deixarão de existir, como PIS, Cofins e ICMS”, listou.
Para o presidente da Fieam, a simples instituição de fundos regionais não é a melhor escolha. “A troca do incentivo fiscal pelo financeiro não é garantia de manutenção do nível de atividade econômica. No caso do fiscal, sua materialidade só ocorre no momento final do processo de produção e venda, após a implantação da indústria, aquisição de maquinário e insumos, contratação de colaboradores e efetiva produção e venda do bem. No aporte financeiro, este se concretiza na primeira etapa da cadeia, fundamentado na projeção e expectativa de um empreendimento que pode ou não dar certo”, justificou.
Antonio Silva frisa que, apesar de o texto citar que a preservação do modelo prevê eventuais alterações a serem adotadas nas alíquotas e regras de creditamento de tributos, assim como a ampliação da abrangência do Imposto Seletivo para salvaguarda da competitividade da ZFM, ainda é necessário estipular a “nova tessitura” de forma objetiva. “Diante dos inúmeros pontos em aberto, acredito que o texto proposto sofrerá objeções de determinados setores produtivos, além de outras substanciais alterações”, sentenciou.
“Setor representativo”
O presidente em exercício da Fecomércio-AM, Aderson Frota, concorda que a reforma é necessária. E reforça que, além de simplificar e reduzir a burocracia, a nova legislação deve “conter qualquer ímpeto de aumento de carga tributária”, porque a população de menor renda é a que costuma ser mais punida em iniciativas desse tipo.
“As despesas das empresas com a parte burocrática são muito altas. Os governos legislam constantemente e complicam o processo. Fica difícil para o operador, para o empresário e para o contador. O regulamento do ICMS, por exemplo, é uma colcha de retalhos. É importante também que se incorporem aspectos de modernidade, porque nosso sistema tributário é arcaico. A população não sabe o quanto paga de imposto e isso é um absurdo. Tudo está meio escondido nos preços das mercadorias e serviços”, recomendou.
Frota destaca principalmente que as mudanças não podem implicar no sacrifício do setor de serviços. “Ele é muito representativo na empregabilidade. Temos de preservar isso. A indústria está robotizando e a agricultura já está quase toda mecanizada. Já o setor de serviços responde por 70% do PIB brasileiro e 70% da mão de obra no Amazonas. As empresas do Simples também devem ser protegidas, por sua representatividade elas representam 60% das empresas e 30% dos empregos. E precisamos preservar a ZFM, que é uma área de exceção, mas não uma área de privilégios”, arrematou.
Fonte: Jornal do Commercio