21/05/2024 15:06
André Ricardo Costa
Professor da Ufam
Caixa de areia autolimpante. Alimentador inteligente. Colar inteligente com GPS. Brecha de porta inteligente. Rodas de exercícios. Bebedouro inteligente. Parecem nomes de quinquilharias, mas são produtos com elevada tecnologia embutida, destinados ao mercado de animais de estimação, ou “pet”.
Pela plataforma Bloomberg, em 2023 o mercado “pet” movimentou globalmente US$ 320 bilhões. Com aumento geral do custo de vida, a população humana está trocando a autorreprodução pela adoção de animais. Com isso o mercado “pet” atingir US$ 500 bilhões em 2030.
As quinquilharias “pets” juntam-se a infinitas outras, de vários setores, de fins específicos em funções cotidianas. Geralmente produzidas em baixa escala. O enxerto com tecnologias lhes dão o nome “gadgets”, onde convivem com produtos de massa, como dispositivos eletrônicos portáteis comuns a várias funções.
“Gadgets” desse tipo não são muito familiares às pautas de produção do Polo Industrial de Manaus, que tem ficado à margem desses mercados. Percebo que perdas de oportunidades como estas não são muito sentidas devido o viés utilitarista-materialista presente no pensamento desenvolvimentista brasileiro. Lembro cena do livro “A Ilha”, de Fernando Morais, relatando sua estadia em Cuba. O autor estranhou sabonete entregue num papel de pão, a atendente explicou que o país não perdia tempo desenhando embalagens fúteis enquanto tinha tanta gente com fome e sem moradia.
Ao lado das síndromes dos pequenos poderes, cultura da desconfiança e má-fé, da ilusão de controle e outros conceitos impublicáveis, penso que esse utilitarismo-materialismo é um dos motivos do excesso de burocracia que limita os horizontes mercadológicos do PIM.
Recordemos motivo recente de comemoração: O estabelecimento de prazo máximo de 120 dias para as decisões sobre os PPBs. Só nesse intervalo a Nvidia muda o mundo duas vezes. Acrescente a isso o prazo para obter aprovação no CAS, no Codam, e na Sudam e perceba a gravidade do nosso atraso.
Assim vemos nossa indústria competitiva para oferecer ao consumo nacional itens de produção em massa, com ganhos de escala e cujas receitas já são bem estabelecidas no mercado global, mas perde incontáveis projetos menores, ou baseados nos ganhos de escopo típicos dos “gadgets”, como os “catgets”. A perda de escala seria compensada pela rapidez, flexibilidade e diversificação. Inviáveis com as filas das nossas burocracias.
Nosso sistema é moroso já para os padrões da década de 2000, quando tivemos o nosso crescimento fundamentado, quanto mais para os padrões da década de 2020, em que as novas tecnologias reduzem a intensidade de mão-de-obra industrial e pedem o máximo de flexibilidade nos sistemas produtivos para viabilizar a rentabilidade em projetos menores. Perdemos projetos, indústrias, renda, empregos, valor.
Em tempos de PIX, Drex, Pronampe e ChatGPT, é inconcebível que nosso ambiente de negócios continue se submetendo a rotinas kafkianas. Deveria partir dos maiores interessados no desenvolvimento local uma proposta de unificação dos processos, mesmo no cenário pós-reforma, com um tempo máximo de resposta em trinta dias. Qual seria, por exemplo, a arrecadação de ICMS se desde 2003 os projetos industriais pudessem ser iniciados nesse prazo, usufruindo de todos os incentivos?
A transparência, digitalização e automação traria a máxima agilidade aos processos, e os agentes hoje dedicados às rotinas kafkianas assumiriam o papel de promotores locais de desenvolvimento. Seus olhos brilhariam ante a diversidade de projetos que seriam implementados e o valor que nossa população começaria a apropriar e que antes era desperdiçado nas filas pelos incentivos.
Publicado em 21/05/2024 no Jornal do Commercio