03/01/2024 10:14
André Ricardo Costa
Professor da Ufam
O Polo Industrial de Manaus, como qualquer política pública, expressa características e consequências impensadas quando da sua concepção. Para nossa sorte, quase todas positivas. Algumas são razoavelmente divulgadas, como a preservação do bioma amazônico. Outras são menos incensadas, provavelmente pela difícil mensuração, como a diversidade de oportunidades e o ganho cultural derivado da presença de dezenas de empresas multinacionais de porte global. São poucas cidades em países emergentes comparáveis conosco na quantidade e diversidade das plantas industriais.
Presenciei, em duas ocasiões, diretores-presidentes estrangeiros reunidos com os colaboradores para, com ajuda de intérpretes, discutir a estratégia da empresa.Até recordo como um conduziu a reunião pessimamente, produzindo vergonha alheia, e o outro, sucessor, foi brilhante em enunciar a meta: “Se o Brasil é (era) o sexto maior PIB do mundo, esta subsidiária precisa ser a sexta mais relevante dentre as dezenas que compõem nossa multinacional”.
Com essas empresas no PIM nada opõe que um caboclinho, como eu e o leitor, ocupe os cargos mais elevados, seja aqui na subsidiária ou lá na matriz. Há muitos casos a relatar. Também nada obsta que, em destaque na estrutura do PIM, o gestor local consiga atrair para Manaus as alçadas decisórias que costumeiramente nos são negadas, como finanças, logística, P&D, e até marketing. Hoje, quase toda rotina decisória se limita ao aspecto fabril. Que esta seja a nossa paisagem, não há pedra em que esteja escrito que precisa continuar assim.
Da extensa obra de Sumantra Ghoshal (1948-2004), um dos principais autores em gestão de multinacionais, identifico a classificação das subsidiárias quanto a competências e tamanho de mercado. Há quatro níveis. Num extremo, há subsidiárias com poucas competências, localizadas em mercados irrelevantes. Noutro extremo, há subsidiárias com muitas competências, localizadas em mercados relevantes. Na competição por recursos, obviamente as últimas são as privilegiadas. A diversão está nos níveis intermediários, em que subsidiárias conseguem mais atenção da matriz quando demonstram ganhos nas competências, ainda que por vezes em mercados não tão relevantes.
Alçado ao cargo, o gestor local se vê diante de um paradigma. Um pacote pronto. A maior preocupação é aplicar com lealdade as regras de monitoramento e conformidade, assegurando que serão aplicadas as estratégias definidas em Tão Tão Distante. Se o desempenho for aquém, que seja bem justificado. Surpresas boas são identificadas e relatadas conforme as metas e medidas pré-estabelecidas. Por tais balizas é que os gestores locais podem pensar em crescer mais e mais na hierarquia da multinacional.
Como disse certo técnico de futebol, em rompante filosófico, o medo de perder tira a vontade de ganhar. Nosso PIM não será prodígio global de geração de valor enquanto os gestores das subsidiárias se limitarem às balizas atuais. Marca-se um dilema de prisioneiro, em que pelo equilíbrio entre custos e benefícios pessoais, dificilmente alguém arrisca exposição.
A iniciativa cabe aos interessados no desenvolvimento do Amazonas. Este tema demanda atenção das autoridades, burocratas e pesquisadores locais. Uma dica é o tanto que precisa ser estudado das empresas que, devido à Seca, transacionaram diretamente com o comércio local. Um canal pode ter sido aberto, pedindo guia de boas práticas. Com boa estratégia e cooperação, teremos caboclinhos falando de gestão de multinacionais, e gerindo as subsidiárias locais com máximas alçadas decisórias, como bem descreveu, prescreveu a praticou o caboclinho indiano Sumantra Ghoshal.