17/03/2024 14:09
Por Waldick Jr
waldick@acritica.com
17/03/2024 às 08:03.
Atualizado em 17/03/2024 às 08:03
Nascido em São Paulo e radicado no Amazonas, o engenheiro florestal Mariano Cenamo avalia que o estado alcançará um novo nível de conservação da floresta quando conseguir expandir para o interior o desenvolvimento sustentável por meio de atividades que tenham como base recursos naturais da floresta.
Cenamo é fundador do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), que atua junto a comunidades tradicionais, indígenas e produtores rurais, e da AMAZ, a maior aceleradora de negócios de impacto na região Norte. Em fevereiro, ele foi reconhecido como empreendedor social da Ashoka, a maior rede global de atuantes em causas sociais. Confira a entrevista completa abaixo.
Você foi reconhecido pela Ashoka como empreendedor social, mas já trazia um histórico de ações na área ambiental, especialmente na Amazônia. O que te trouxe à região?
Tudo começou na faculdade, quando eu estava finalizando, tive a oportunidade de fazer um estágio profissionalizante, que é como uma residência, quando você troca o último semestre de aula por uma experiência profissional em algum lugar. Sempre quis conhecer a Amazônia e para um engenheiro florestal, no Brasil, é onde estão nossas maiores florestas, então vim fazer um estágio na Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a convite de um ex-professor da faculdade, o Virgílio Viana, que era secretário de Estado, e fiquei aqui por seis meses, conheci muita gente e depois voltei para são Paulo, para concluir meus estudos. Logo depois eu voltei para fundar o Idesam. A motivação de fundar o Instituto foi por uma oportunidade. Naquela época, você não tinha muitas organizações, institutos trabalhando com desenvolvimento social, econômico. A maioria das que atuavam naquela época tinha um viés de pesquisa e preservação da floresta. Para mim, o futuro da Amazônia está muito relacionado à geração de renda e desenvolvimento socioeconômico a partir da floresta. Isso acabou gerando oportunidades e conexões com financiadores, então daí surgiu o Idesam, em 2004, e me mudei definitivamente para o Amazonas em 2005. Neste ano, o Idesam faz 15 anos de existência.
Como o seu reconhecimento pela Ashoka pode contribuir para o trabalho que você vem realizando?
A Ashoka é uma rede mundial famosa que conta com parceiros muito relevantes e isso potencializa o seu trabalho, quando você passa a integrar essa rede. Isso abre muitas portas para o nosso trabalho. Acredito que eu seja um dos primeiros empreendedores sociais do Amazonas a integrar essa rede e é um baita reconhecimento para mim, como pessoa, mas principalmente para o Idesam, que é uma organização amazonense e que gera renda, emprego e prosperidade para o nosso estado.
Um dos temas que te interessou desde o início dessa caminhada é o crédito de carbono. O Senado deve debater a questão neste ano, em meio a um projeto que já foi aprovado na Câmara, que cria um marco legal do mercado de carbono. Como você avalia a proposta?
Mercado de carbono, o conceito original, emerge a um professor famoso que admiro muito, o amazonense Samuel Benchimol. O conceito de mercado de carbono para a Amazônia é uma oportunidade de nós valorizarmos os esforços empreendidos para a conservação e restauração de florestas. Quer dizer, é uma remuneração por serviços ambientais prestados por aqueles que conservam as florestas. O mercado de carbono está atraindo mercados bastante relevantes para a região e é uma cadeia de valor muito interessante. Quanto ao projeto de lei, acho que tem alguns ajustes que precisam ser feitos, mas significa, sim, um caminho muito interessante para que empresas brasileiras que queiram compensar suas emissões o façam gerando conservação de florestas, biodiversidade e promovendo desenvolvimento sustentável na Amazônia. Para o Brasil, a grande oportunidade é essa. Mais de 50% das nossas emissões de carbono vêm da região amazônica. Então, ao estabelecer compromissos para empresas e outros setores, como de energia, transporte ou indústria, de reduzirem suas emissões domesticamente, mas compensar parte delas com redução do desmatamento ou restauração de florestas, é um ganha-ganha.
O que precisa ajustar? Tem a ver com a exclusão do agronegócio da proposta? Ele foi retirado, embora contribua para boa parte das emissões de gases do efeito estufa.
Sim, exatamente. É uma questão a ser corrigida. Outra questão é se estabelecer uma estrutura de governança bastante ágil, o que não vejo na proposta atual, para que a gente consiga, de fato, colocar o mercado para funcionar logo.
Incluir o agronegócio na proposta, para ter de compensar as emissões, não é uma pauta que tenha grande apoio, inclusive do governo. Você acha que realmente isso pode ser alterado?
Acho que vai depender muito das articulações estabelecidas, mas é difícil prever, eu não consigo.
O Comitê do Fundo Clima, do governo federal, acaba de aprovar novas regras para a aplicação do financiamento de projetos que promovam o desenvolvimento sustentável no país. As mudanças disponibilizarão até R$ 10,4 bilhões para projetos, estudos e empreendimentos voltados ao combate à crise climática. O fundo e o valor disponibilizado estão à altura da emergência climática?
É um ótimo começo, bem significativo. O grande desafio é canalizar esses recursos para os setores mais relevantes em termos de emissão de carbono no Brasil. Cerca de 75% das emissões de carbono vêm do desmatamento e da agropecuária. Aí é que deveria estar o grande foco do clima, não em outros setores. Entendo que esse vai ser um caminho a ser percorrido e espero que a gente consiga orientá-lo para onde precisamos. A Amazônia, respondendo por 50% das emissões nacionais, especialmente devido ao desmatamento, deveria ser um polo relevante.
O Idesam tem parceria com o PPBio (Programa Prioritário de Bioeconomia), ligado à Suframa, para receber recursos de empresas da Zona Franca para investir em projetos de bioeconomia. Quando começou essa cooperação e quais os resultados até aqui?
O PPBio é um programa muito promissor e temos gerado recursos significativos. Ele começou há cinco anos, quando o Idesam concorreu ao edital e foi selecionado. Ele tem canalizado muitos investimentos para negócios inovadores a partir da bioeconomia. Acho que esse é o grande desafio. As cadeias, o valor da floresta, precisam ganhar representatividade no PIB regional e é isso que temos tentado fazer, gerar muito valor, e para isso precisamos de desenvolvimento tecnológico, para ganhar competitividade em produtos como o próprio crédito de carbono, os pescados, setor de reflorestamento, produção de castanha, de açaí, de biotecnologia, temos fármacos, alimentos, que são pouco conhecidos, porque tiveram poucos investimentos no passado. Então, estamos conseguindo atrair investimentos para desenvolver produtos a partir dessas cadeias de valores, que são extremamente relevantes para a conservação da floresta, mas também para gerar renda no interior do Amazonas e em outros estados sob a zona de influência da Suframa.
Como uma pessoa que tem um projeto sustentável e busca financiamento pode participar do programa?
A demanda é contínua. Basta entrar no site do PPBio [bioeconomia.org.br]. Lá tem o nosso contato. Quem tiver um projeto, é só submeter para nós e avaliamos.
Uma das principais bandeiras levantadas por defensores da Zona Franca é que ela ajuda a manter a floresta em pé. Por outro lado, desde 2009, segundo o Inpe, o desmatamento vem crescendo no Amazonas. A exceção é 2023, quando voltou a cair, mas ainda é o quinto pior resultado desde o início da série histórica. Ainda assim, dá para dizer que a ZFM ajuda a reduzir esses números negativos?
Sem dúvidas, ela reduz a pressão econômica nas fronteiras do desmatamento, por atividades ilícitas, mas acho que temos um desafio de conseguir transformar a redução de pressão no desmatamento, de concentrar renda em Manaus, por uma agenda de propulsão do desenvolvimento econômico. Eu resumiria que temos que sair de uma agenda de defesa para uma agenda de ataque. Precisamos olhar para o interior do Amazonas com mais ambição, com visão de longo prazo, porque podemos produzir muitas riquezas e desenvolvimento socioeconômico a partir dos recursos sustentáveis da floresta. Só que para isso acontecer, precisa ter investimento. Acho que esse é o grande desafio, transformar tudo o que fizemos em Manaus em outras regiões do estado, aí, sim, teremos resultados ainda melhores em termos de conservação de floresta.
Fonte: Portal Acrítica