06/04/2024 10:39
Doutor em Engenharia de Transportes e coordenador da Comissão de Logística do Cieam diz que governo não pode se dizer surpreso caso seca deste ano seja igual ou pior que a do ano passado, quando levou a prejuízos
‘Não dá mais para a seca ser surpresa neste ano’
WALDICKJUNIOR
waldick@acritica.com
Coordenador da Comissão de Logística do Centro das Indústrias do Amazonas (Cieam) e doutor em Engenharia de Transportes, Augusto Cesar Rocha avalia que a seca não pode ser uma “surpresa’ neste ano, considerando que os alertas tem sido dados ao poder público desde o ano passado. Nesta semana, o Cieam realizou uma série de debates e deixou claro que espera uma seca similar ou pior que a de 2023, quando as indústrias do Amazonas tiveram de gastar R$ 1,4 bilhão a mais em transportes como efeito da seca dos rios. Augusto acendeu ainda uma alerta para a concessão do rio Madeira, anunciada pelo governo, e disse que a BR-319 poderia ajudar a reduzir custos da indústria. A entrevista completa abaixo.
A discussão sobre seca no Cieam não começa agora. O que já estava posto e para onde caminha agora?
Viemos de uma discussão de pelo menos dois a três anos. Já fizemos reuniões com diversos atores institucionais, governo federal, estadual, discutindo com a associação de armadores, com os portos. O grande alvo é ter uma discussão sistêmica, porque é muito difícil compreender o problema, já que é complexo. Envolve o rio, a hidrodinâmica do rio, a chuva, clima. Você vai ter atores do governo federal como Dnit, como o CPRM, a Marinha, as indústrias lidando com o assunto, então é sistêmico. O Centro da Indústria se coloca de uma maneira muito privilegiada para esse assunto, porque é clientedosarmadores, "oi, sou seu cliente, quero falar contigo sobre seu plano para enfrentar a seca, e é contribuinte, "oi, eu sou o principal contribuinte do estado e gostaria de falar sobre o que você vai fazer sobre a seca. Temos uma discussão com o comitê técnico do governo federal e com os gestores dos armadores. Em março do ano passado, fizemos um evento que juntou representantes dos armadores, Dnit e declaramos que haveria o problema da hidrovia. Ao fazer isso naquele momento que não tinha acontecido a seca, foi super arrojado. Fiz artigo, fizemos evento, perguntamos o que seria feito, trouxemos empresas de especialistas em obras de rios e foi até um pouco arriscado da nossa parte, porque naquele momento ainda havia dúvida sobre se teria uma grande seca. A pessoa do Dnit,"eu não tenho orçamento para fazer nada", mas a obra de dragagem que ocorreu só aconteceu porque, derivado do nosso evento, foi feito um plano de ação, a Antaq colocou prioridade do assunto e a Capitania dos Portos foi lá mapear a área. Então, se foi viável a dragagem em outubro, é porque tinha um mapa super atualizado, uma carta náutica da Marinha, decorrente do evento.
Você disse que fizeram um evento em março do ano passado e já alertaram para a possibilidade de grande seca. Ao fim, sabemos que a indústria teve muitos prejuízos e o governo estadual anunciou queda de arrecadação. Porque tivemos tantos danos, apesar de o cenário ter sido previsto?
Naquele momento, o governo fedos Transportes, do DNIT declarando que eles compreenderam o problema, que eles não tinham clareza sobre a extensão do problema. Eles compreenderam que não usaram os equipamentos adequados. Claro que não vão chegar e falar isso, mas não foi um erro técnico,eles fizeram o que era possível fazer, porque quando decretaram a emergência, para eles trazerem o equipamento que acreditamos que seria adequado, só para trazer até a região, demoraria 60 dias. Esse é o tempo de o rio voltar a encher. Se contratasse uma draga que demoraria 60 dias, a imprensa não aceitaria, a sociedade não aceitaria. Eles contrataram a única draga que dava tempo para chegarlá. Eles foram surpreendidos e não tinha orçamento. Mas o que nos incomoda é que não dá mais para ser surpresa neste ano.
Faz parte dessa discussão sobre navegação a concessão do rio Madeira. O governo federal prometeu para dezembro a publicação do edital com essa finalidade. O Cieam acompanha a questão e já tem uma posição formada?
Estamos acompanhando como é possível. Inclusive, o comitê técnico que está elaborando o documento, temos um contato próximo.Tivemos associados participando de audiência pública, discutindo a questão, fazendo perguntas, propostas, nós formulamos sugestões, então há uma aproximação extensiva. O que mais nos toca aqui, o primeiro ponto é que fazer concessão imputa mais um gasto sobre o chamado custo Brasil. Quando você concede, você vai criar um pedágio. Eu vou pedir ao governo para criar pedágio? Você pediria à prefeitura para colocar um pedágio na sua rua para tapar os buracos da tua rua? A indústria também não vai fazer isso. Ou seja, não pode ser um ponto da indústria pedir para fazer pedágio, porque ele aumenta o custo. É mais um custo sobre o custo Amazônia.
A indústria não vê a concessão como favorável. Dizer sim à concessão é dizer sim ao pedágio. É isso?
Isso. O que dizemos sim é, reiteradamente, é para corrigir deficiências seculares de infraestrutura. Somos. O governo federa tinha uma restrição orçamentária muito clara. Não havia recurso da União para obra. Então, para que tivesse recurso e pudesse ter obra, era preciso ter um marcolegal, uma declaração de estado de emergência. Enquanto o governo estadual não fazia isso, o governo federal não poderia se mexer. Então, há um marco legal, compreendemos essa dinâmica e foi respeitada.
O governo estadual demorou para declarar emergência?
Não, porque também existe um marco legal, não pode declarar emergência por achar que vai ser. Precisava ter um fato concreto para isso. Para mim, o problema, se a gente for atrás de uma causa, e problemas sistêmicos nunca tem só uma causa, percebo que a primeira de todas é que a infraestrutura da Amazônia nunca é prioridade. gente faz infraestrutura no Sudeste, no Centro-Oeste, Nordeste, mas não no Norte. O Norte tem um problema secular de não ter investimentos em infraestrutura. Os investimento sem infraestrutura são em todo o Brasil, menos no Norte. Essa é a causa raiz e que transcende a qualquer governo de curto prazo, é algo que vem na história do Brasil, há mais de 100 anos. As segunda problemática é que não está no Plano Nacional de Logística e Transportes, que é o documento que transcende governos, o plano do Estado, não está a prioridade para a Amazônia. Lá diz que não há prioridade na Amazônia. São duas pautas bem severas e podemos começar a descer na minúcia de causas. No ano passado, o Ministério dos Transportes não tinha orçamento para fazer esse tipo de obra na região. O orçamento era zero.
Hoje o cenário mudou?
Mudou só uma coisa. Esse ano temos orçamento. Uma das lições aprendidas pelo governo federal foi alocar orçamento. Ou seja, se o Dnit quiser fazer estudo ou obra B ou C, ele tem dinheiro. Então, esse ano tem orçamento. Mérito da bancada federal do Amazonas. O dever de casa não feito foi planejar obras e discutir isso a partir de janeiro. Não tinha dinheiro até 31 de dezembro. Em 2 de janeiro, começa a executar a contratação de estudos para se fazer uma obra com calma. Estamos dizendo em declarações que a obra vai sair em maio.
Com obras o senhor está se referindo à dragagem?
Eu tenho um grande incômodo. Eu não sei se a dragagem é obra. A gente fala exaustivamente. Será que a dragagem? Eu não sei. Para mim, isso não está claro. Como engenheiro em transportes, eu não consigo perceber com clareza que dragagem é a solução. Eu tenho uma inquietação particular e entendo quem pensa diferente, os especialistas do Dnit, representantes dos armadores, todos falam dragagem, mas eu não consigo concordar em afirmar que a solução é a dragagem.
No ano passado, tivemos uma dragagem. À época, ela foi colocada como uma solução para o cenário que estávamos vivendo. No evento do Cieam desta semana, os senhor afirmou que o plano não deu certo. Por quê?
Não consigo te falar oporquê, e é isso o que me inquieta. Uma hipótese do porquê é porque a embarcação que fazia a dragagem não tinha a capacidade necessária. Imagine a dragagem como um buraco no chão. Vou pegar uma colher e fazer um buraco de três metros. Vou ficar aqui com a colher um tempão e não consigo fazer, mas uma retroescavadeira rapidamente faz. Outra hipótese é que a hidrodinâmica do rio devolvia o sedimento que havia sido retirado na dragagem. Terceira hipótese: o local no qual ele fazia a dragagem, e por causa do tamanho da embarcação, ele jogava os sedimentos para um determinado local, o que fazia com que os próprios sedimentos se arranjassem e tampassem o que havia sido dragado. E posso seguir fazendo quinze hipóteses do porquê não deu certo. Hoje tem uma perspectiva de termos uma obra, pode ou não ser dragagem, estou entendendo dessa forma.
A previsão inicial era maio e agora já se fala em setembro. Existe algo de concreto sobre isso?
De concreto, nada. O que temos são discussões técnicas no Ministério. Se o agente do governo disser que só tem um jeito, fazendo a concessão, talvez tenhamos que passar a concordar com isso, mas eu gostaria de exaurir todas as outras coisas antes de chegar a essa solução. E ainda não foram. Hoje, 0,3% do PIB do estado é gasto com infraestrutura. Tem que gastar 2,5% ano a ano, por uma década, e depois falar de concessão. Em São Paulo, antes de conceder a rodovia dos Bandeirantes, ela foi construída. Antes de conceder o aeroporto de Manaus, ele foi construído. A tradição das concessões é o investimento inicial do setor público, construindo ascondições, eaí a manutenção fica para a concessão. Desse jeito, faz sentido.
Então a posição atual do Cieam, considerando esse molde apresentado, é contrária?
Como não está claro o que é a concessão, como não tem um alvo para me debruçar, aí é difícil dizer se sou contrário ou favorável. Tem que esperar o edital. Saindo ele, posso emitir uma opinião. Mas por hipótese, se a concessão do Madeira não envolve a região do Tabocal e da foz do rio, isso é um equívoco. A gente já registrou isso em audiência pública e para o grupo de trabalho. Se fizer a concessão sem essas áreas, a concessionária vai pegar todo o sedimento do rio Madeira e depositar no rio Amazonas. Vai fechar a navegação. A BR-319 é outro grupo que está interligado ao tema seca. Foi, inclusive, muito lembrada no ano passado. O governo criou um GT para tratar da questão e o grupo fez um relatório que está em análise interna e diz sim à rodovia.
Como está a sua expectativa?
Acredito que a BR-319 vai ser recuperada. E acredito que ela só será recuperada se for feito o que a engenharia do século XXI prega, que é a proteção ambiental, social e equilíbrio econômico. Se esse tripéforrealizado, agente vai ter a rodovia. O que o grupo de trabalho fez, pelo spoiler que eu tive, esse tripé está lá. Elas não estão no projeto que está público e acho ele um problema, porque carece de questões, mas o projeto do grupo de trabalho me deixa otimista, porque considera essas dimensões. Você vai ter um economista extremista dizendo "faça e esqueça o meio ambiente" e você vai ter um ambientalista dizendo "não faça nada, pelo amor de Deus", mas acho que o meio termo é o caminho. Vamos dialogar e transcender esse desejo, porque, se não, vem um e vem outro, fica - e num embate, leva-se para o Judiciário e, na dúvida, ninguém faz.
Considerando a BR-319 pronta parauso. Como ela entraria na logística do Amazonas e da Zona Franca?
Ela seria a opção favorita dos empresários? Ela é mais uma opção. O que se diz em transporte é que você precisa de várias alternativas. Entra no cardápio de opções assim comoj á tem o aeroporto e a 'hidrovia', porque há produto que é perfeito para o rodoviário. Imagine distribuir moto para o interior do Brasil, na região Oeste. É estrada. Não tem litoral.
Então, tanto a produção de Manaus quanto do restante do Brasil, de moto, é estrada. Ou seja, qual a melhor solução? Todas.
Fonte: Jornal Acrítica 06/04/2024