30/01/2024 11:12
Os impactos logísticos da seca recorde de 2023 geraram custos extras de pelo menos R$ 1,40 bilhão para o PIM. O cálculo é do Cieam. O número, no entanto, considera apenas os custos operacionais diretos registrados durante o período em que Manaus ficou sem receber atracamento de navios cargueiros. A entidade ressalta que, embora o rio tenha voltado a subir, muitas empresas ainda devem continuar tendo seus passivos reforçados pelos efeitos residuais da crise da vazante, ao menos até o final de fevereiro. E recomenda que o Estado passe a investir 2,5% de seu PIB em infraestrutura para prevenir sinistros semelhantes ou maiores, nas próximas estiagens.
“Os custos foram de toda ordem, em uma lista expressiva. Mas, em especial, os de redespacho dessa mercadoria que não conseguiu transitar. Quando o navio não passava, era necessário desembarcar a carga, colocar em um porto, deixar armazenada, movimentar para uma embarcação alternativa e transitá-la até Manaus. Toda essa movimentação gera um sobrepreço. Os armadores também imputaram um custo adicional às empresas, por meio da ‘taxa da seca’”, explicou o coordenador da Comissão de Logística do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, e professor da Ufam, Augusto César Rocha.
O especialista ressalta que a sondagem se limitou aos custos operacionais diretos, e em um período mais restrito –o que indica que o passivo é muito maior. “Não levantamos custos financeiros e de eventuais linhas de produção paradas, ou outros custos indiretos. E também não são relativos ao período total da vazante, ficando restritos ao tempo de interrupção de fluxo na hidrovia. Mas, acreditamos que esse é um número muito contundente e deixa clara a importância de tomar medidas para que essa história não se repita, até porque o fenômeno da seca é sazonal”, frisou.
O levantamento foi realizado por meio de sondagem dos dados primários do comércio exterior dos associados do CIEAM, distribuídas pelos segmentos de bebidas, componentes, duas rodas, eletroeletrônico, plástico, mecânico, metalúrgico, químico e relojoeiro, entre outros. Mas, sua divulgação integral pela imprensa não foi autorizada. “Pegamos conhecimentos e notas fiscais, de maneira muito transparente, de várias empresas que nos entregaram esses dados. A partir deles, extrapolamos o movimento de contêineres destinados a Manaus, de cargas de longo curso e cabotagem”, sintetizou.
Prevenção e resiliência
Rocha observa que a indústria já vinha se preparando para a seca, desde 2022, a começar do ponto de vista operacional do planejamento das empresas. “Já existiam previsões levando em conta o pior cenário, que até então era o de 2010. De maneira geral e ampla, várias empresas se prepararam para 30 dias de interrupção eventual na hidrovia. Tivemos aquelas que se prepararam melhor, pensando no pior caso”, lembrou.
No âmbito institucional, foram estimuladas ações de órgãos governamentais. “Em março de 2023, organizamos um evento, em conjunto com Fieam, Cieam e Ufam. Foram trazidas instituições federais, como Dnit e Antaq. Os operadores de transporte de cabotagem, representados pela Abac, também compareceram. Discutimos os efeitos aguardados e as possíveis medidas para mitigar e preveni-los. Tivemos também atuações junto à Marinha, para elaborar cartas náuticas atualizadas dos trechos mais críticos”, listou.
O representante do Cieam frisa que, apesar dos reveses, o PIM nunca parou inteiramente de operar. “Temos uma indústria resiliente que fez seu planejamento. Foram pouquíssimas as fábricas que tiveram interrupções efetivas em suas linhas de produção. Do ponto de vista prático, foram apenas alguns produtos que tiveram interrupção. Algumas indústrias trouxeram cargas de avião, sendo que uma fábrica específica usou dois aviões para trazer cargas do Panamá diretamente para Manaus. Porque, houve também seca no Canal do Panamá, e isso continua acontecendo”, lembrou.
Ele acrescenta também que, mesmo operando com toda a “condição adversa”, os consumidores dos produtos do PIM foram pouco afetados. “Os abastecimentos no nível nacional foram garantidos, não houve desabastecimento substancial de nenhum dos produtos fabricados no Polo Industrial de Manaus. Acreditamos que essa é uma tônica relevante da indústria da Zona Franca. Além de atender os desafios de operar no Brasil, atende os custos da Amazônia”, enfatizou.
Efeitos ainda sentidos
O nível do rio já voltou a subir, mas parte significativa do PIM ainda sofre impactos decorrentes da crise da vazante. “Esperamos que os reflexos dessa situação acabem logo. Várias empresas já conseguiram isso. Segundo nossas análises, até o final de fevereiro, todas já terão passado por todos os desafios, e ninguém mais terá percepção da seca. Mas, nas mentes de todos nós, isso vai continuar por muito tempo”, ponderou.
O coordenador da Comissão de Logística do Cieam informa que o PIM está se movendo para prevenir e minimizar prejuízos decorrentes da seca de 2024. “Estamos realizando um conjunto de ações adicionais para trazer o problema de infraestrutura da Amazônia. Temos provocado, por meio de artigos de jornal, ofícios aos órgãos reguladores, no sentido de estimular o debate sobre a necessidade de um plano para a logística do Amazonas. No âmbito das operações das empresas, está sendo feito um trabalho a partir do novo pior caso, que é o cenário de 2023”, contou.
Rocha informa ainda que o Cieam fez um pleito à Anac para permitir maior tráfego de cargas por aviões estrangeiros durante esse período. “Faremos um evento sobre essa problemática de infraestrutura para a indústria de nossa região, discutindo o modal aéreo. Porque está muito caro transportar cargas para a Amazônia. Precisamos encontrar mecanismos para reduzir esse custo operacional do transporte aéreo”, asseverou.
BR-319 e hidrovias
Para ele, a vazante histórica é uma oportunidade para o Estado aprender com seus erros e corrigir as deficiências históricas na infraestrutura da região. “Clamamos para toda a sociedade, os parlamentares e o Executivo, para que sejam feitas as correções. Em especial, a BR-319 precisa ser asfaltada, com as devidas proteções ambientais. É fundamental que as duas coisas aconteçam em paralelo. E esperamos ter hidrovias na região Norte. Hoje, o que temos é o rio que a natureza nos deu”, afiançou.
No entendimento do especialista, faz-se necessário encontrar um caminho para a construção de uma infraestrutura sustentável na Amazônia. “Enquanto o rio não for uma hidrovia, o fenômeno vai continuar. Não temos controle sobre essa externalidade negativa da natureza. É um fenômeno de aquecimento global, do El Niño, de La Niña, que serão aparentemente mais frequentes. Vão ser enfrentados através de um comportamento mais sustentável e ambientalmente mais responsável. Mas, no que diz respeito aos transportes, a solução é bem conhecida. Advogamos que pelo menos 2,5% do PIB seja recorrentemente investido em infraestrutura logística”, arrematou.
Fonte: Jcam